domingo, 11 de setembro de 2016

QUE FAZER DA MISSA? Frei Bento Domingues, O.P.


1. Nasci e cresci numa aldeia onde toda a gente ia à Missa. Era obrigatória: faltar era pecado e matéria de confissão. Era dita em latim e de costas para o povo, com os homens à frente e as mulheres e as crianças atrás. Durante a homilia, os homens saíam para fumar um cigarrito. Da Missa, aproveitava-se a reza do terço. O padre, depois dos avisos, em português, voltava ao latim: ite missa est. Missão cumprida?

A palavra missa vem do verbo latino mittere, enviar, mandar, dispensar, mas também missão e míssil. Seja como for, o sentido das palavras depende do seu uso.

A própria expressão Ite missa est já existia no latim profano antes de passar para a liturgia cristã. Como diz Ávito de Viena (470-518), essa fórmula era usada para terminar as audiências do paço e dos tribunais de justiça: “Nas igrejas e nas cortes do imperador e do prefeito dizia-se missa est quando o povo era despedido da audiência.”

Nos primórdios do Cristianismo, o culto era dividido em duas partes: a primeira, composta de orações, leituras, cânticos e a pregação, era aberta a todos; a segunda, a eucaristia propriamente dita, era reservada aos baptizados. Por isso, no final da 1ª parte, os catecúmenos também eram despedidos com o Ite, missa est, "Ide, a vossa celebração terminou". É o que sugere Santo Agostinho: “Depois do sermão faz-se a missa, isto é, a despedida ou envio dos catecúmenos”. Pouco a pouco, a palavra foi-se aplicando ao conjunto da celebração. Já no século IV, na Peregrinatio Sylviae, é dito que “O sacerdote abençoa os fiéis e faz-se a missa, isto é, a despedida ou o envio”. Actualmente, em português, depois da bênção final, a despedida é feita com a fórmula: Ide em paz e que o Senhor vos acompanhe (Ite, missa est).

Essa informação não me trouxe nenhuma alegria. Por outro lado, hoje, a Missa já não é em latim nem de costas para o povo, mas continua aborrecida e sem ter em conta a realidade daqueles que a procuram.

2. Repetiram-me, todo este Verão, que a Missa precisa de uma reforma profunda. Algumas queixas eram bem identificadas: três leituras e um salmo muito longe do nosso tempo, remetendo-nos sempre para um passado, que já não nos diz nada; as chamadas orações eucarísticas são pouco variadas e parecem existir apenas para enquadrar a chamada consagração do pão e do vinho, a matéria da comunhão, e um enigmático pedido de Jesus, fazei isto em memória de Mim.

Será que esses reformadores querem agora Missas à la carte?

A situação real é muito mais grave do que estas amostras de descontentamento podem sugerir.

Repetimos, em todas as Missas, o pedido de Jesus. Essa repetição cumpre um desejo ou repete uma traição?

3. Será Jesus que precisa que nos lembremos dele ou seremos nós que, sem olhar para o seu percurso, nos tornamos incapazes de encontrar o nosso próprio caminho? Será Cristo que precisa da celebração da Eucaristia ou somos nós? Ele pede-nos uma fidelidade a um ritual ou exige que continuemos, com Ele, o Evangelho da Alegria para os dias de hoje? A missa é um encontro com o passado ou uma fonte de desassossego do nosso presente? Um despertador ou um calmante? Não celebramos a Eucaristia porque ela faça falta a Jesus, mas porque nos é fundamental.

Os liturgistas garantiram, nas celebrações da Eucaristia, a presença da memória do Antigo e do Novo Testamento, mediante uma distribuição abundante das suas leituras. O passado não falta. Mas a Eucaristia é só uma memória do passado? Um acontecimento do passado? Uma visita a esse grande museu literário?

Onde estão as narrativas da vida dos que participam nas celebrações? Essas são as páginas brancas do Evangelho de que falou o Papa Francisco na sua viagem apostólica à Polónia, no encontro com os sacerdotes, religiosos e seminaristas. Só vale a pena irmos à Missa para sairmos modificados.

Uma Igreja pode estar cheia de gente, sem gente. Como poderá acontecer a transfiguração da vida das pessoas da comunidade cristã se as pessoas não estão lá com a realidade complexa da sua vida de semana? É uma assembleia clandestina de si mesma. Só se ouvem as vozes do passado e o presente é confiscado pelo clero, o único que tem voz e vez.

Não é totalmente verdade. Conheço um clérigo, chamado Papa Francisco, que não falou aos jovens sem antes os ouvir e interrogar, de muitos modos. Não para os adular nem para receber o seu aplauso, mas para recolher as suas inquietações e lhes lançar novos desafios. Não quer jovens adormecidos, pasmados, entontecidos. Não viemos ao mundo para vegetar, para fazer da vida um sofá que nos adormeça. Viemos para deixar uma marca.

Quando se pergunta que fazer da Missa, não pode ser apenas, nem sobretudo, para lhe encontrar um ritual mais simpático, mais agradável, uma antologia de leituras mais encantatórias.

A pergunta real é outra. Em que Igreja precisamos de nos transformar, para celebrar uma Eucaristia que nos responsabilize e nos faça sair para a transformação da sociedade?

Importa criar uma circulação permanente entre o que se passa no mundo e na Missa. Uma Missa sem mundo em transfiguração só pode gerar um mundo sem missa e sem o seu desejo.



11.09.2016

1 comentário:

  1. Para mais a fundo conhecermos o modernismo e o mais apropriado remédio acharmos para tão grande mal, cumpre agora, Veneráveis Irmãos, indagar algum tanto das causas donde se originou e porque se tem desenvolvido. Não há duvidar que a causa próxima e imediata é a aberração do entendimento. As remotas, reconhecemo-las duas: o amor de novidades e o orgulho. O amor de novidades basta por si só para explicar toda a sorte de erros. Por esta razão o Nosso sábio predecessor Gregório XVI, com toda a verdade escreveu (Encicl. "Singulari Nos" 7/07/1834): «Muito lamentável é ver até onde se atiram os delírios da razão humana, quando o homem corre após as novidades e, contra as admoestações de São Paulo, se empenha em saber mais do que convém e, confiando demasiado em si, pensa que deve procurar a verdade fora da Igreja Católica, onde ela se acha sem a menor sombra de erro». Contudo, o orgulho tem muito maior força para arrastar ao erro os entendimentos; e é o orgulho que, estando na doutrina modernista como em sua própria casa, aí acha à larga de que se cevar e com que ostentar as suas manifestações.

    Efetivamente, o orgulho fá-los confiar tanto em si que se julgam e dão a si mesmos como regra dos outros. Por orgulho loucamente se gloriam de ser os únicos que possuem o saber, e dizem desvanecidos e inchados: Nós cá não somos como os outros homens. E, de fato, para o não serem, abraçam e devaneiam toda a sorte de novidades, até das mais absurdas. Por orgulho repelem toda a sujeição, e afirmam que a autoridade deve aliar-se com a liberdade.

    Por orgulho, esquecidos de si mesmos, pensam unicamente em reformar os outros, sem respeitarem nisto qualquer posição, nem mesmo a suprema autoridade. Para se chegar ao modernismo não há, com efeito, caminho mais direto do que o orgulho. Se algum leigo ou também algum sacerdote católico esquecer o preceito da vida cristã, que nos manda negarmos a nós mesmos para podermos seguir a Cristo, e se não afastar de seu coração o orgulho, ninguém mais do ele se acha naturalmente disposto a abraçar o modernismo! – Seja portanto, Veneráveis Irmãos, o vosso primeiro dever resistir a esses homens soberbos, ocupá-los nos misteres mais humildes e obscuros, a fim de serem tanto mais deprimidos quanto mais se enaltecem, e, postos na ínfima plana, tenham menor campo a prejudicar. Além disto, por vós mesmos ou pelos reitores dos seminários, procurai com cuidado conhecer os jovens que se apresentam candidatos às fileiras do clero; e se algum deles for de natural orgulhoso, riscai-o resolutamente do número dos ordinandos. Neste ponto, quisera Deus que se tivesse sempre agido com a vigilância e fortaleza que era mister!

    Passando das causas morais às que se relacionam com a inteligência, surge sempre a ignorância. Todos os modernistas que pretendem ser ou parecer doutores na Igreja, exaltando em voz clamorosa a moderna filosofia e desdenhando a Escolástica, abraçaram a primeira, iludidos pelo seu falso brilho, porque, ao ignorarem completamente a segunda, careceram dos meios convenientes para reconhecerem a confusão das idéias e refutar os sofismas. É, pois, da aliança da falsa filosofia com a fé que surgiu o seu sistema, formado de tantos e tamanhos erros.

    Quem dera que eles fossem no entanto menos zelosos e sagazes na propaganda destes erros!

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