1. Foi há 60 anos
que li, pela primeira vez, na Summa
Theologiae, de S. Tomás de
Aquino, uma advertência que não se destinava apenas a principiantes: em
teologia, é preciso evitar argumentações pretensiosas, sem fundamento rigoroso.
Quem as usa oferece aos infiéis matéria para se rirem da fé, pois ficarão com a
ideia de que as afirmações dos crentes são
Existem instituições eclesiásticas que se tornaram um
obstáculo evidente ao desenvolvimento da vida cristã da Igreja e à realização
da sua missão essencial na sociedade. Seria normal que fossem submetidas a uma
avaliação rigorosa e se procedesse à sua reorientação e reconfiguração. Não é
assim que acontece. Não é pelos frutos que se conhece a árvore? Insiste-se,
pelo contrário, na sua sacralização para não se poder mexer nelas e arranjam-se
razões que servem apenas para afastar os crentes e fazer rir os agnósticos e
ateus.
O regime actual dos ministérios ordenados está a secar as comunidades
católicas e a privá-las da Eucaristia a que todos os baptizados têm direito. E.
Schillebeeckx mostrou que era possível encontrar respostas criativas que não
precisavam de passar pelos seminários. O Cardeal Ratzinger bem se esforçou, mas
não encontrou razões para invalidar as propostas finais do teólogo dominicano.
Yves Congar, a figura maior da eclesiologia católica no séc. XX, declarou que
as assinava, sem reticências. Nada feito. A situação continua a agravar-se. O
caso tão badalado do “padre da Madeira” encontrou na hierarquia declarações que
não deixam ninguém indiferente: uns sofrem com elas e outros riem-se. A
retórica eclesiástica, mal argumentada, acaba por deixar mal as crianças, a
família, os padres e o celibato. S. Tomás de Aquino tinha razão[2].
2. O Papa, neste caso e semelhantes, não
pode fazer nada?
Não se esqueça que o Papa é bispo de
Roma, não é bispo da Madeira ou de Lisboa. Terá um dia de alterar o modelo de
escolha e nomeação dos bispos. Mas a nível central, não lhe tem faltado
trabalho com a reforma da Cúria. Foi João XXIII, nos tempos modernos, o
primeiro a defender que seria um bem geral “sacudir a poeira imperial, que foi
caindo, desde Constantino, sobre o trono de Pedro”. O Papa Francisco continua
às voltas com essa herança pesada e paralisante[3].
Bergoglio tem um programa envolvente de que não abdica, apesar de todas
as resistências. Propõe: “ Em vez de ser apenas uma Igreja que acolhe e recebe,
tendo as portas abertas, procuramos mesmo ser uma Igreja que encontra novos
caminhos, que é capaz de sair de si mesma e ir ao encontro de quem a não
frequenta, de quem a abandonou ou lhe é indiferente. Quem a abandonou fê-lo,
por vezes, por razões que, se forem bem compreendidas e avaliadas podem levar a
um regresso. Mas é necessário, audácia, coragem”[4].
As dificuldades de Jesus Cristo, ao propor uma mudança de
mentalidade aos seus contemporâneos e aos membros do povo a que pertencia,
encontrou uma grande adesão no mundo dos excluídos, mulheres e homens, e uma
resistência implacável entre os privilegiados e, sobretudo, entre os fariseus,
os que não entravam no novo projecto de vida nem deixavam entrar. O Papa
Francisco não hesita em lembrar estas passagens dos Evangelhos para comparar
com o que está a acontecer com as reformas que propõe. Certos cardeais, bispos,
padres, seminaristas - e outros grupos organizados - são os que mais resistem
às reformas que ele propôs e que são inadiáveis. As resistências, activas e
passivas, são cada vez mais declaradas e ridículas. Assim como aconteceu com
Cristo, nenhuma ameaça o tem paralisado.
3. Muito se
discutiu se a História tem ou não sentido. Não vou reabrir esse dossier[5], mas fiquei, mais uma vez,
fascinado com o desenlace do Capítulo 25 do Evangelho de S. Mateus. É uma
parábola. É a coroa de duas anteriores. Parece ser o julgamento final.
Como parábola está sujeita
a várias interpretações. É muito estranha. A divindade não está separada do
devir do mundo. Mais ainda, está identificada com todas as pessoas, que não têm
todas o mesmo comportamento. O que as divide? O modo como olham para o vizinho,
para o socorrer ou para o ignorar. É um golpe fatal na religião que está apenas
preocupada com Deus. Quem se preocupa só com Deus, nem com Deus se preocupa.
Cristo não surgiu com uma nova organização religiosa
concorrente no mundo das religiões. O seu embate constante foi com as
instituições do Povo de Deus, que esqueciam e maltratavam quem mais precisava
de acolhimento e ajuda. O culto religioso tornara-se o adversário da alegria
humana. Isto era absolutamente inaceitável para Jesus. O aforismo, o Sábado é para o ser humano e não o ser
humano para o Sábado, é o símbolo da alteração mais radical no campo
religioso, seja qual for a época.
O que, de facto, festejámos no Domingo passado foi, por um
lado, a vitória contra a indiferença. Não podemos andar no mundo e dizer não
vi, não sei, não é comigo. Por outro, o que faz a diferença e julga a vida de
cada um é o estilo da sua própria vida. Quando o Senhor da história se
identifica com os socorridos ou abandonados, não deixa nada para o fim. É hoje
que cada um diz a última palavra.
Celebramos, neste Domingo, o começo do Advento. Que não
estamos no melhor dos mundos possíveis, é evidente. Se julgamos que é impossível
alterá-lo, somos suicidas, niilistas. Não seríamos verdadeiramente humanos e
muito menos cristãos.
Que fazer?
03.12.2017
[1]
I q.46.a.2.
[2]
Cf. Ricardo Araújo Pereira, Discriminar
como Jesus discriminou, Visão, 23.011.2017; Teresa Martinho Toldy, A Igreja fechada no seu Olimpo, Público,
25.11.2017
[3] Yves Congar, Igreja serva e pobre, Ed. Logos, Lisboa
1964, p152
[4]
Entrevista do Papa Francisco, Sonho com
uma Igreja Mãe e Pastora, Paulus, 2013, pp 36-37
[5]
Francisco J. Ayala, Darwin Y el Diseño
Inteligente. Creacionismo, Cristianismo Y Evolución, Aliança Editorial,
Madrid, 2008
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