1. Não entendo
nada do jogo do “monopólio”. Parece que é guiado por uma lógica económica muito
simples: para uns jogadores ficarem ricos, os outros vão à falência.
Não pretendo encontrar aí uma analogia para a relação entre
as religiões, mas sempre ouvi dizer aos críticos do monoteísmo que a sua
vitória foi um golpe muito duro no pluralismo religioso da antiguidade. Um Deus
único não poderia tolerar concorrentes.
Não é essa questão, cheia de falácias, que pretendo abordar
nesta crónica. A palavra Deus encobre
significações muito diferentes. Lembrei-me desse jogo ao ler uma recente declaração
do actual Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Luis Ladaria. Tenta ressuscitar
a Carta Apostólica de João Paulo II – Ordinatio
sacerdotalis – para reafirmar que o jogo do sacerdócio ministerial foi
ganho pelos homens e a falência sacerdotal das mulheres é irremediável. A
referida Carta defendia que o sacerdócio ministerial – de padres e bispos - é
monopólio masculino e definitivo: sempre assim foi e sempre assim será.
Compreendo o zelo do Prefeito L. Ladaria. Perante a
arremetida teológica, cada vez mais insistente, contra o monopólio masculino,
reagiu segundo a sua função policial: lembra que a lei tem de ser respeitada.
Mas não lhe pertencia repetir que esta nunca poderá ser alterada. Que um Papa
tenha dito isso, obriga a um acurado reexame do que ele entendia por Igreja e
da sua concepção dos seus poderes no futuro.
A primeira interrogação é esta: as mulheres não serão
Igreja? Não conheço nenhum movimento de mulheres satisfeitas com a sua menoridade eclesial. O sujeito Igreja não será constituído por todas as
pessoas baptizadas? Ou será que alguém descobriu na tradição eclesial um
Baptismo próprio para homens e outro para mulheres? S. Paulo ficaria indignado
com essa loucura[1].
O Papa Francisco,
quando chegou ao Vaticano, já tinha o terreno armadilhado com Cartas
Apostólicas semeadas de sentenças definitivas,
enunciando posições doutrinais que nenhum outro papa ou concílio poderia
modificar. Essa arrogância denuncia um estilo, mas talvez não uma exigência
divina.
Na Praça de S. Pedro, na reflexão sobre o sacramento do
Crisma, o estilo de Bergoglio é muito diferente: A missão da Igreja no mundo procede através da contribuição de todos
aqueles que fazem parte dela. Alguns pensam que na Igreja existem patrões: o
Papa, os bispos, os sacerdotes e depois os outros. Não: todos nós somos Igreja!
Todos temos a responsabilidade de nos santificarmos uns aos outros e de
cuidarmos de todos.
Todos nós somos
Igreja! Cada qual tem a sua função, mas, repito, todos nós somos Igreja! Com
efeito, devemos pensar na Igreja como num organismo vivo, composto por pessoas
que conhecemos e com as quais caminhamos e não como numa realidade abstracta e
distante.
A Igreja somos nós
que caminhamos, a Igreja somos nós que hoje nos encontramos nesta praça. Nós: esta é a Igreja. A Confirmação
vincula à Igreja universal, espalhada pela terra inteira, mas compromete activamente
os crismandos na vida da Igreja particular à qual pertencem, tendo como cabeça
o Bispo, que é o sucessor dos Apóstolos.
O jogo deste Papa
não é o do monopólio. A sua Igreja não é a dos patrões.
2. Estamos no mês dos Santos Populares: a 13, Santo António, a 24, S.
João e, a 29, S. Pedro. Esses santos mais antigos são valores seguros. Mesmo
numa era secular e num Estado laico,
as autarquias compreendem que são os santos da religião popular que marcam as
festas do povo. Quem reconfigura esses santos são os seus devotos, sem pedir
licença a ninguém. Têm um traço comum. A sua ocupação e preocupação é a vida e
a alegria das populações. A saúde e a guarda das pessoas e dos animais, o êxito
das sementeiras e das colheitas, a esperança contra os excessos da seca e da
chuva, das ameaças da fome, da peste e da guerra. As promessas, as romarias, as
peregrinações, o canto ao desafio e as danças dos grupos e das bandas, a
partilha dos merendeiros e de uma boa pinga são a linguagem dos céus e da
terra, simbolizados no fogo que leva o mundo às alturas, não o fogo dos
incêndios.
Os santos populares e as alminhas eram gente
de casa com quem se podia contar na saúde e na doença, na tristeza e na alegria.
É gente do lugarejo, é gente da freguesia, é gente do Conselho, é gente do
mundo todo. Fez-se uma imagem de santos canonizados, fixos nos altares, depois
de processos canónicos, mais ou menos morosos, para apanhar pó. Os Santos
Populares foram canonizados pelo povo. Esses estão sempre no activo, venerados
ou a quem se pede contas pelos desleixos.
Deus não vive no
céu e numa eternidade aborrecida e os que vão para o céu também não se vão
aborrecer. Todos activos.
Pouco importa a
biografia histórica de cada um desses santos preferidos. Por exemplo, de Sto.
António, teólogo e pregador, ficou muito pouco. Sempre com o menino ao colo, existem
poucas imagens de Santo António cansado, de menino pela mão. Conta-se tanto com
ele que, no dia ou na noite em que não ele atende os seus devotos, é posto de
castigo.
Quem acompanhar as
orações a este santo, no seu Mensageiro,
tem sempre uma página que lhe é dedicada. O estilo não varia muito: «Meu Santo
Amigo, já me salvaste da morte. Agradeço reconhecido. Ajuda a minha família e
em especial a minha filha mais velha, tu sabes quem é. Que os médicos que a
seguem descubram de que padece, os assuntos da mente e do espírito são
complicados. Mas confio em Ti, meu Santo António. As bênçãos de Deus para quem
mais precisar. Ámen. José».
3. Os santos
populares não se passeiam todos em andores. O Papa Francisco prefere ver a
santidade nos pais que criam os seus filhos com tanto
amor, nos homens e nas mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa,
nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir. Vejo aí a santidade
da Igreja militante. É a santidade «ao pé da porta», daqueles que vivem perto
de nós e são um reflexo da presença de Deus ou, por outras palavras, a classe média da santidade.
A santidade não consiste
em ter visões, recitar orações elevadíssimas ou mostrar cara de santinho. Não é
reserva da terceira idade ou de jovens que a esperam sentados. A santidade do
jovem é ir em frente, ser desassossegado[2].
Cristo não se reconhece em
nenhum jogo de monopólio da santidade. O seu empenhamento é levar todos os
seres humanos, seja qual for a sua idade, povo, cultura ou religião à plenitude
da vida.
Os santos não são
concorrentes, são associados, todos membros do seu corpo místico.
24. 06. 2018
[1]
Gl. 3, 23-29
[2]
As referências aos santos e à santidade foram inspiradas em Gaudete et
Exsultate, do Papa Francisco, 2018 e nas recentes Audiências Gerais de 6 e 13
de Junho.
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