terça-feira, 4 de setembro de 2018

A diferença estará (sobretudo) no carácter - DM de 4 Setembro

1. O pecado original da democracia
(dificilmente
corrigido ao longo dos
tempos) é a propensão
para estacionar na «cracia»
(poder) e para quase ignorar
o «demos» (povo).
Este é convocado para
atribuir o exercício do poder.
Depois, resigna-se a suportar
o poder, a sofrer o poder.
2. Sucede que tal percepção
envenena tudo. Muitas
vezes, ficamos só pelas intenções,
pelos enunciados.
O mais elementar conceito
diz que a democracia
é o poder do povo. Olhando,
porém, para a realidade,
o que avulta é que o povo
acaba por ser a maior vítima
da democracia.
José Saramago asseverou:
«Estamos numa situação em
que uma democracia que,
segundo a definição antiga,
é o governo do povo, para o
povo e pelo povo, nessa democracia
precisamente está
ausente o povo».
3. A alternativa não é,
contudo, extinguir a democracia.
A alternativa só pode
ser refundar a democracia,
recentrando-a no povo!
Se a fonte do poder é o
povo, o exercício do poder
devia ser um serviço, uma
missão.
4. Muito se fala no êxito
dos países nórdicos. Apesar
da crise, mantêm-se
na dianteira das escalas do
desenvolvimento.
Frequentemente surgem
apelos para que se importem
os seus modelos, os seus
ideais, os seus programas.
5. Tudo isto é conhecido.
E muito disto é defendido.
Grande parte dos nossos
políticos confessa inspirar-
-se nas ideologias aplicadas
naqueles países.
O que se passa, então, para
que os resultados sejam
(radicalmente) diferentes? Só
encontro uma resposta: o carácter.
E o carácter (dos políticos
e dos cidadãos) não se
pode importar por decreto.
6. Naqueles países, reclamam-
se direitos, mas quase
ninguém foge aos deveres.
A desigualdade entre as
pessoas é quase nula. Os ricos
vivem bem, mas os pobres
também não parecem
muito mal.
Há muita ordem sem haver
demasiada coerção. O
Estado é permanentemente
reorganizado. A cultura é
priorizada.
A corrupção é uma ausência.
Os privilégios praticamente
não existem. Os
deputados e os ministros
recorrem, frequentemente,
aos transportes públicos.
7. Há quem diga que os cidadãos
destes povos são de
uma frieza glacial e pouco
emotivos.
É claro que o paraíso não
mora neste mundo. A perfeição
não é uma oferta da
natureza; é uma constante
aquisição da vontade. E ter
defeitos é sinal de que o caminho
ainda não está totalmente
percorrido.
O certo, porém, é que,
mesmo com reduzida emoção
e alguma frieza, os mecanismos
de solidariedade
funcionam melhor a norte
do que a sul. E o Estado Social,
que nós sentimos tremer,
não dá sinais de vacilar.
8. Curiosamente, a ausência
de alternância política,
que nós registamos,
também se verifica por lá.
Com uma diferença: é que
lá, mesmo quando mudam
os governos, os direitos não
ficam em causa; já entre nós,
por cada alternância que surge,
as conquistas parecem ficar
em risco.
Aqui, à direita e à esquerda,
não parece haver
alternativa à austeridade.
Nos países nórdicos, à esquerda
e à direita, não parece
haver alternativa ao
desenvolvimento!
9. Muitos pensarão que
falar disto é pura demagogia.
No fundo, o que não se
quer é mudar. Nem mudar
a mentalidade, nem a prática
governativa, nem a conduta
cívica.
É por isso que nos limitamos
a sonhar com o sucesso
dos outros. E a lamentar,
persistentemente, o nosso
endémico atraso!
João Teixeira

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