quarta-feira, 5 de setembro de 2018

PÁROCO DA SARDENHA - Carta ao Papa


de um pároco da Sardenha" A carta do dia: "Caro monsenhor Viganò, eis o pensamento

29/08/2018



Papa Francisco



Publicamos hoje a carta aberta de padre Francesco Murana, pároco de Milis, a monsenhor Carlo Maria Viganò.

***

"Egrégia Eminência,

Escrevo-lhe por meio das páginas de um jornal "de periferia"; essas periferias tão amadas tanto pelo Senhor (que cresceu em Nazaré, ao seu tempo uma aldeia de montanha) quanto pelo atual Pontífice, o Papa Francisco.

Quem escreve é um padre que estudou em Roma e teve muitas oportunidades de encontrar um espaço "confortável e adequado" para se esconder num dos muitos escritórios e dicastérios que o enorme aparato da Cúria Romana oferece.

Mas eu escolhi, já em 1986, vir para as periferias da Sardenha, cortando assim as minhas pernas para qualquer possível "carreira".

Se o Senhor quiser outra coisa de mim, Ele inventará os caminhos para que eu faça outra coisa e em outro lugar.

Nestes anos que passaram (32!) vi acontecer de tudo dentro do clero. Fiquei parado e calado no meu lugar tentando dar. Regozijei-me e regozijo-me porque temos um Papa como Francisco.

Ele é verdadeiramente humano e não é hipócrita (no sentido grego! Não é ator, não faz o papel). É ele mesmo e – por ser sincero - às vezes escorrega para linguagens de pároco e – como eu pároco sou – sinto-me menos sozinho.

Sinto-o vizinho.

Ao contrário, ao senhor, eu o sinto longe.

Além disso, o senhor deveria contentar-se com ter chegado a setenta e sete anos e ter vivido uma vida mais do que confortável e respeitada... Pergunto-lhe: o que mais deseja? Eu sou um padre de aldeia por opção, mas o senhor pensa realmente que não sou capaz de ver nas suas acusações ao Papa Francisco outros motivos e outras intenções?

O senhor acusa o papa Francisco de silêncio.

Mas tem consciência de que pode ser acusado da mesma coisa, visto que acorda agora, depois de cinco anos? Visto que dormiu durante cinco anos, conta-nos agora nas próximas onze páginas o que sonhou? Tenha vergonha.

Diante de todos nós padres, que cuspimos sangue todos os dias, em solidão: vocês brincam de bancar os prelados, servidos e reverenciados em tudo.

Tão viciados pelo poder que não veem mais nada, corroídos pelos ciúmes pelo demasiado tempo de que dispõem, nunca satisfeitos com o que recebem e sempre de olho nos "postos que contam" ocupados pelos outros.

Tenho certeza de que o Papa Francisco é capaz de fritar um ovo e lavar as próprias meias, sozinho.

Do senhor não; do senhor tenho apenas a certeza de que, para conseguir satisfazer um capricho seu, feito "para o bem da Igreja", é capaz de desenterrar o esterco dos outros.



Eu estou na Igreja: o que o senhor fez de bem por mim e pelos paroquianos com quem vivo? Nada. Na língua sarda, o senhor é um "imboddiosu": aquele que pega uma meada alheia e dá nós no fio; obrigando assim a tecedeira a perder tempo para desatá-los e  continuar a tecer ...

O trabalho continuará, mas teremos perdido tempo graças ao ‘imboddiosu’ de plantão.

Graças ao senhor, perdemos – pela enésima vez – cara e tempo.

Ao olhar para o senhor, quero ser outro e em outro lugar".



Padre Francesco Murana, pároco de Milis, diocese de Oristano





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