1. O Sábado é uma
instituição da religião bíblica e um grande marco civilizacional. O ser humano
não pode viver só para trabalhar. Precisa de ócio, de expressões culturais,
lúdicas e cultuais para que o próprio trabalho possa ter sentido criador e não
ser apenas uma resignação alienante. A polémica constante de Jesus com as
observâncias sabáticas, referida pelos quatro Evangelhos, não era contra essa
admirável instituição, mas por ter sido atraiçoado o seu espírito. A
instituição da liberdade transformada numa prisão. Daí o protesto de Jesus: o Sábado é para o ser humano e não o ser
humano para o Sábado. Enunciou assim um princípio universal acerca da
finalidade de todas as instituições, o qual deve vigiar sempre o seu uso e as
suas reformas.
Hoje, a quarta revolução industrial, as novas tecnologias,
as consequências de algumas formas de globalização e a incerteza de tudo
obrigam a alterar o debate sobre o trabalho.
No calendário cristão, o Domingo não pertence ao fim da
semana, mas ao seu começo, celebrando a renovação da esperança, a virtude da
não desistência. Como o nome indica, nasceu da vitória de Jesus sobre a morte,
proclamado por Deus, Senhor da vida. É o dia em que a Igreja de todos os tempos
e lugares, povos e culturas, convoca os cristãos para a festa da alegria.
Já foram adiantadas muitas explicações para a grande baixa
na frequência da celebração semanal da Eucaristia, sobretudo na Europa. Para
além daquilo que as ciências humanas podem estudar, parece-me que as lideranças
católicas esqueceram que, no momento em que os chamados “mandamentos da Igreja”
perderam a força de uma convicção interior assumida, era necessária uma
pastoral baseada no princípio do próprio Jesus: será que as regras e as formas
destas instituições estavam aptas a servir a via cristã num contexto cultural
inteiramente novo?
Sem a cultura da
criatividade das comunidades, a não confundir com o culto da banalidade, será
sempre curta qualquer reforma litúrgica. Ainda há muito pouco tempo, alguém me
observou que não se pode continuar a dizer solenemente: meus irmãos, estamos
aqui para celebrar a grande festa da nossa fé e, depois, inaugurar apenas uma
grande seca. Textos, muitas vezes belos, que morrem ao ser mal lidos, cânticos
sem alcance musical envolvente, pessoas sem corpo, estacas que se movimentam
apenas para estender a mão em sinal de paz e para receberem a hóstia santa.
Entram na Igreja sem se conhecerem e saem só com as relações que já tinham!
Qual o caminho, para se perceber que a celebração é um acontecimento de revisão
cristã da semana anterior e de relançamento da esperança activa, para uma nova
semana mais criativa?
2. A selecção de
textos bíblicos para celebrar este Domingo são muito belos, mas encerram vários
programas de acção. Isaías não suporta que Jerusalém não seja a festa da paz,
baseada na justiça[1].
S. Paulo[2] obriga-nos, como Igreja
que somos, a fazer uma pergunta: como dar, hoje, voz e vez aos que frequentam
os seus espaços de culto e de cultura para que possam dar o contributo do seu
tempo e das suas competências, não só para reconfigurar as comunidades cristãs
como formas de acolhimento, mas também como provocação a saírem para
reconfigurar a sociedade?
S. Paulo tem uma concepção da diversidade de dons
espirituais na qual nem a diversidade atropela a unidade, nem a unidade suprime
a diversidade. Ao dizer isto não está a enunciar um teorema abstracto. Está
confrontado com um mundo de conflitos, mas prefere essa agitação a uma paz
podre. Não tem o culto do conflito pelo conflito, mas o de transformar a
pujança espiritual das comunidades, canalizando-a para todas as formas de
serviços e neutralizar as tentações de dominação. Não há carisma do Espírito
Santo para abafar os outros. Essa forma de ser Igreja é o contrário de uma
administração central com funcionários que dão contas a um patrão. O espírito
de Cristo tem outro regime: quem desejar ser o primeiro, seja o primeiro a
servir.
Este Domingo é conhecido como o das Bodas de Caná da Galileia. Apresenta uma mulher aflita com a
aflição de todos. É uma cena exclusiva do Evangelho de S. João[3], que tem dado lugar a
muitas interpretações e conjecturas. Não me preocupa muito saber se foi um
acontecimento histórico tal como vem narrado ou se é um conto exemplar, voz de
uma realidade ainda mais bela, profunda e complexa.
Parece ser uma parábola a falar de outra a propósito de um
casamento. À primeira vista, a mãe de Jesus foi convidada e Jesus levou com ele
os discípulos. A Mãe de Jesus dá-se conta de uma vergonha que se avizinha para
o casal. O vinho esgotou-se antes de a festa acabar. Ela não suporta que o
casal possa passar por essa situação humilhante e avisa o filho que a sacode de
forma bem ríspida. Ela conhece-o e limita-se a recomendar aos serventes que façam
de conta que é ele o responsável pela festa.
É conhecido o resultado da intervenção de Jesus. Para
espanto de todos, a água foi transformada em abundante vinho e do melhor.
Recomento a leitura do próprio texto na íntegra. A sua
beleza enigmática o exige.
Esta história devia acabar aqui, mas o Evangelho diz que foi
apenas o começo dos sinais de transformação em que Jesus se iniciou.
3. Muitos leitores desta narrativa podem não se aperceber de um
outro milagre ou sinal, como lhe chama o evangelista, dentro do já referido: a
alteração das relações entre mãe e filho. Até por uma razão simples. O texto
lido na missa acaba antes de terminar. Se no começo desta história o
protagonismo pertence à Mãe de Jesus, depois ela passa a segundo plano e
desaparece: Depois disso, desceu a
Cafarnaum, Ele, a sua Mãe, os seus irmãos e os seus discípulos e ali ficaram
apenas alguns dias[4].
É espantoso! O 4º Evangelho nunca mais fala da Mãe de Jesus.
Só reaparece quase no fim: perto da cruz de Jesus permaneciam de pé a sua Mãe,
a irmã da sua Mãe, Maria, mulher de Clopas e Maria Madalena. Jesus, vendo a sua
Mãe e, perto dela, o discípulo a quem amava, disse à sua Mãe: Mulher, eis aí o
teu filho! Depois disse ao discípulo: eis a tua mãe! E a partir dessa hora, o
discípulo recebeu-a na sua casa[5].
Quem perde ganha. Consta que é uma lei do Novo Testamento. A
Mãe de Jesus teve de O deixar ir fazer família com quem não era da família.
Acabou por ser ela a Mãe da nova família de Jesus.
20. 01. 2019
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