1. Não estamos
condenados a repetir os mesmos erros. O Concílio de Florença-Ferrara, de 1442,
produziu a seguinte declaração solene: «A Santa Igreja crê, firmemente,
confessa e proclama que ninguém, fora da Igreja católica – e não apenas os
pagãos, mas também os judeus e os cismáticos – não podem tomar parte na vida
eterna, mas irão para o fogo eterno, preparado pelo diabo e os seus anjos (Mt
25-41), a menos que antes do fim da sua vida de novo se lhe tenham unido».
Temos, assim, uma instituição dedicada a meter gente no inferno. Esta Igreja
estava divorciada de Jesus Cristo. Pensava que mandava em Deus. Este teria de a
consultar acerca dos que merecem o céu e dos que já estão condenados.
Vejamos, no entanto, um contraste, que não é o primeiro. No
voo de regresso da visita apostólica à Bulgária e à Macedónia, o Papa Francisco
começou por frisar o que estes países tiveram de sofrer para se conseguirem
constituir como nações, mas esquecemos que o cristianismo entrou no Ocidente
pela Macedónia (Act 16, 9). Em ambos os países existem comunidades cristãs,
ortodoxas, católicas e muçulmanas. A percentagem ortodoxa é muito alta nos dois
países, a dos muçulmanos é menor e a dos católicos é mínima na Macedónia e
maior na Bulgária. O Papa ficou muito impressionado com o bom relacionamento
entre os diferentes credos, entre as várias crenças. Na Macedónia
impressionou-o uma frase do Presidente: «Aqui não há tolerância de religião. Há
respeito». Eles respeitam-se! Num mundo onde falta o respeito pelos direitos
humanos e por tantas outras coisas, inclusive o respeito pelas crianças e pelos
idosos, que o espírito de um país seja o respeito, impressiona!
Passou, depois, ao elogio dos Patriarcas ortodoxos. De todos
só soube dizer bem. Dão um grande testemunho. Encontrei neles irmãos e de
verdade, em alguns, não quero exagerar, mas quero dizer a palavra, encontrei
santos, homens de Deus. Depois existem questões de ordem histórica. Hoje,
dizia-me o Presidente da Macedónia: o cisma entre o Oriente e o Ocidente
começou aqui, na Macedónia. Agora, pela primeira vez, vem o Papa… para
consertar o cisma? Não sei, mas somos irmãos.
Antes de se despedir dos jornalistas, não resistiu a contar
duas experiências-limite que muito o impressionaram: uma com os pobres na
Macedónia, no Memorial da Madre Teresa. Estavam tantos pobres, mas aquelas
irmãs cuidavam deles sem paternalismo, como se fossem seus filhos. Uma
capacidade de acariciar os pobres com ternura. Hoje, estamos habituados ao insulto:
um político insulta outro, um vizinho faz o mesmo e até nas famílias se
insultam entre si. O insulto é uma arma ao alcance da mão, assim como a calúnia
e a difamação. Aquelas irmãs cuidavam de cada pessoa como se fossem Jesus. Eram
uma igreja-mãe. Depois, pude participar na primeira comunhão de 245 crianças.
Eram o futuro da Igreja, o futuro da Bulgária!
Este Papa anda sempre a despedir-se sem nunca o conseguir.
Fica com as comunidades e as pessoas que visita e, como nos Actos do Apóstolos,
conta as suas experiências para semear outras formas de ser Igreja, que não têm
nada a ver com a instituição dos anátemas.
2. Os cristãos
celebram hoje a Ascensão, a Festa de todos os equívocos. Cristo para onde foi?
Abandonou-nos? Mas, por outro lado, não tinha já declarado: Eu estou convosco todos os dias, até à
consumação dos séculos[1]?
A confusão é, por vezes, hilariante[2]. O melhor é recorrer ao
livro dos Actos, o segundo volume de uma obra mais vasta. São a primeira
história da Igreja, embora muito parcial. Vale a pena lembrar o seu propósito:
«No meu primeiro livro, ó Teófilo, narrei as obras e os ensinamentos de
Jesus, desde o princípio até ao dia em que, depois de ter dado, pelo Espírito
Santo, as suas instruções aos Apóstolos que escolhera, foi arrebatado ao Céu. A
eles também apareceu vivo depois da sua paixão e deu-lhes disso numerosas
provas com as suas aparições, durante quarenta dias, falando-lhes também a
respeito do Reino de Deus. No decurso de uma refeição que partilhava com eles,
ordenou-lhes que não se afastassem de Jerusalém, mas que esperassem lá o
Prometido do Pai, do qual – disse Ele – me ouvistes falar. João baptizava em
água, mas, dentro de pouco tempo, vós sereis baptizados no Espírito Santo».
A seguir complica mais as coisas: «Estavam todos reunidos,
quando lhe perguntaram: Senhor, é agora
que vais restaurar o Reino de Israel? Respondeu-lhes: Não vos compete saber
os tempos nem os momentos que o Pai fixou com a sua autoridade. Mas ides
receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas
testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do
mundo».
O programa estava traçado. O reaparecimento dos
mundanos sonhos de dominação política dos discípulos são, de novo e
definitivamente, recusados. Parecia que as despedidas estavam feitas. Mas não.
«Dito isto, elevou-se à vista deles e uma nuvem subtraiu-o a seus olhos. E como
estavam com os olhos fixos no céu, para onde Jesus se afastava, surgiram de
repente dois homens vestidos de branco, que lhes disseram: Homens da Galileia,
porque estais assim a olhar para o céu? Esse Jesus que vos foi arrebatado para
o Céu virá da mesma maneira, como agora o vistes partir para o Céu»[3].
3. Não
era fácil a tarefa dos autores das narrativas a seguir ao Domingo de Páscoa.
Fui abordado, várias vezes, com esta pergunta directa: o
Crucificado e o Ressuscitado são a mesma pessoa? Com esta pergunta vem outra
associada: o que é que sobrevive das pessoas, quando morrem? Mantêm a sua
personalidade essencial? Para onde vão? Onde vivem?
Os textos, no referente a Cristo, coincidem todos com a
conclusão do extraordinário e atrevido sermão de Pedro no Pentecostes: «Saiba,
portanto, toda a casa de Israel, com certeza: Deus constituiu Senhor a Cristo,
a esse Jesus que vós crucificastes»[4].
Tenha-se em conta que a palavra céu, céus, ou reino dos céus
significa Deus. Em Deus vivemos, nos movemos e existimos. Deus é a casa do
mundo.
Perguntar onde fica o céu é confundir uma metáfora com um
lugar. Cristo não se pode despedir do mundo. Pela incarnação é o Emanuel, isto é, Deus connosco. Neste
sentido, Cristo é contemporâneo de todos os povos, de todos os tempos e de
todos os lugares. Então que significam as suas despedidas impossíveis? É o tema
da próxima crónica: o Pentecostes, a recusa de uma despedida.
02.Junho.2019
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