segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Sem Deus, que sentido? - Anselmo Borges Padre e Professor de Filosofia

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Crónicas PÁRA E PENSA
Sem Deus, que sentido?

Anselmo Borges

Padre e Professor de Filosofia

O que é a religião? O que deve
entender-se por pessoa religiosa? Onde
se fundamenta a religião? Qual é o
dinamismo que está na base das
religiões? Porque há religião/religiões?

Toda a religião tem a ver com a ética e
também com a estética. Hegel viu bem,
quando afirmou que a arte, a religião e a
filosofia estão referidas ao Absoluto. A
pergunta é, como escreveu o filósofo J.
Gómez Caffarena, se a ética, a estética e
a filosofia acabarão por absorver a
religião, como insinuava Goethe:
“quem tem arte (e moral e filosofia) tem
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religião; quem a não tem que tenha
religião”.

Segundo Lucrécio, “o medo criou os
deuses”. Desde então, isso tem sido
repetido, acrescentando a ignorância e a
impotência, de tal modo que, com o
avanço da ciência e da técnica, a religião
acabaria por ser superada e desaparecer.
Será, porém, verdade que na génese da
religião estão o medo, a ignorância e a
impotência? Ninguém poderá negá-lo. A
questão é saber se esses são os únicos e
decisivos factores e de que modo actuam.
De facto, não é a limitação enquanto tal
que está na base da religião, mas a
consciência da limitação. Na consciência
da finitude, que tem a sua máxima
expressão na consciência da mortalidade,
o Homem transcende o limite e articula
um mundo simbólico de esperança de
sentido último e salvação. Como disse
Hegel, a verdade do finito encontra-se no
Infinito, e Kant viu bem, ao referir a
religião à esperança de um sentido final.
Segundo ele, o interesse da filosofia pode
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reduzir-se às seguintes perguntas: “O
que posso saber? O que devo fazer? O
que me é permitido esperar? O que é o
Homem? À primeira pergunta responde a
metafísica, à segunda a moral, à terceira
a religião e à quarta a antropologia”.
Assim, é possível que a ciência e a
técnica obscureçam a força do apelo
religioso. Mas, permanecendo a finitude e
a sua consciência, -de erguer-se
sempre a pergunta pelo Fundamento e
Sentido últimos.

Como disse E. Ciorán, “tudo se pode
sufocar no Homem, salvo a necessidade
do Absoluto, que sobreviverá à destruição
dos templos e mesmo ao
desaparecimento da religião”. Na mesma
linha, afirmou L. Rougier: “A Igreja pode
declinar. O sentimento religioso grávido
de um impulso para o ideal, de uma sede
do Absoluto, de uma necessidade de
superar-se, que os teólogos chamam
Transcendência, subsistirá.” O que, do
ponto de vista biológico, une a
Humanidade é a interfecundidade. Do
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ponto de vista espiritual, o que a une é a
pergunta radical pela totalidade e o seu
sentido, o Sentido último.

O Homem é o animal que pergunta
pelo seu ser e pelo ser. A razão humana
não cria a partir do nada. Na base do ser
humano, há uma “passividade originária”,
como repetia o meu saudoso mestre e
amigo Miguel Baptista Pereira: quando
damos por nós, já lá estamos, ninguém
foi consultado nem decidiu vir a este
mundo e ser quem é; depois, um dia, a
morte chega e leva-nos. A razão humana
constrói, portanto, a partir do dado e,
feito todo o seu percurso, sabe que
acende a sua luz na noite do Mistério. Se
pergunta, é porque ela própria é
perguntada pela realidade, que é
ambígua. Precisamente na sua
ambiguidade, provocando, por isso,
espanto positivo e negativo, a realidade e
a existência convocam para a pergunta
radical: o que é o Ser?, o que é o
Homem? Quando, no processo evolutivo,
se deu a passagem do animal ao homem,
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apareceu no mundo uma forma de vida
inquieta que leva consigo
constitutivamente a pergunta pelo
Sentido de todos os sentidos, portanto, a
pergunta pelo Sentido último. A dinâmica
religiosa deriva da experiência de
contingência radical e da esperança num
sentido final. A mesma experiência tem
um duplo pólo: a radical problematicidade
do mundo e da existência e a referência
em esperança a uma resposta de Sentido
último, plenitude, felicidade, orientação,
identidade, salvação. Este domínio da
busca de sentido aparece de modo tão
central na vida humana que a História da
Humanidade não se compreende sem a
história da consciência religiosa, não
sendo de esperar o fim da religião e das
religiões. Neste contexto, não é ousado
afirmar que todo o ser humano é
religioso, na medida em que é
confrontado com a pergunta pela
Ultimidade. poderíamos falar de
irreligiosidade, no caso de alguém se
contentar com a imediatidade empírica,
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recusando todo e qualquer movimento de
transcendimento, o que não é possível,
pois isso é contraditório.

É inevitável a pergunta: Sem Deus,
que sentido teria a vida?

Sábado, 25 de Outubro de 2025

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