UMA
MULHER QUE COMPREENDE TUDO
27 Julho 2025
Frei Bento Domingues, O.P.
1. No
passado dia 22, ocorreu a festa de Maria Madalena, a Apóstola dos Apóstolos, a
primeira festa depois da morte do Papa Francisco que instituiu a sua celebração
litúrgica, passando a figurar no Calendário Romano Geral, ao mesmo título que
as festas dos Apóstolos. E parece que Leão XIV não o quer atraiçoar.
O Papa Francisco não
conseguiu derrubar os muros construídos, expressamente, para impedir a
ordenação das mulheres. Gostava de fazer pontes e acabar com os muros, mas aí,
teve de parar. Tinha de contar com a afirmação de João Paulo II[1] e Ratzinger que se
atreveram a decidir, de forma insólita, o futuro. Portanto, a sua escolha ficava
limitada: abater esse muro ou provocar, na Igreja, um cisma que não podia
desejar. Por essa razão, sentiu-se coagido a dizer algo que não pensava: esse problema está resolvido. Temos
razões para dizer que não foi das melhores opções da sua vida.
Na Igreja não se devia
privilegiar nem homens nem mulheres devido à originalidade própria de cada um.
Quando se privilegia alguém, excluem-se os outros. O sentido do privilégio é
não suportar que os outros possam ser como nós. A paixão pela originalidade de
cada um não exclui ninguém. O gosto do privilégio é não se contentar de ser
como é a sua própria condição. Esse gosto precisa de encontrar algo que não os coloca
em comunhão com os outros, mas que os separa.
A argumentação que exclui as
mulheres dos ministérios ordenados não me parece que tenha qualquer
consistência. De facto, os textos do Novo Testamento (NT) não dizem que Jesus
escolheu mulheres. Estamos a exigir dos textos aquilo de que eles não falam,
mas atestam que foram elas que escolheram o Nazareno, que o seguiram e serviram
e não foram excluídas. É importante não esquecer um pormenor que S. Mateus nos
deixou, no seu estilo: sem contar
mulheres e crianças (Mt 14, 21; 15, 38).
Um dos argumentos, para negar
a Ordenação às mulheres, é dizerem que elas não participaram na Última Ceia,
uma ceia religiosa, sim, mas também familiar e não necessariamente cultual. A
narrativa pretende realçar a Ceia como a grande refeição de toda a sua família.
Os textos dizem, expressamente,
quem era da família de Jesus. Quando lhe disseram que a sua mãe e os seus
irmãos que estavam lá fora e queriam falar com ele, respondeu desta forma que
pode parecer enigmática: a Minha mãe e os meus irmãos são aqueles que estão a ouvir a palavra de Deus e a põem em prática[2].
Todo esse mundo é a minha família.
Sabemos, no entanto, pelo NT,
que Jesus ressuscitado ordenou Maria
Madalena a evangelizar os discípulos, os Apóstolos, que tinham dispersado,
perante a crucifixão do Mestre. Tornou-se a verdadeira Evangelizadora dos
Apóstolos.
Segundo o cenário dos Evangelhos, no primeiro dia
da semana, Maria Madalena foi ao túmulo logo de manhã, ainda escuro, e viu
retirada a pedra que o tapava. Maria estava junto ao túmulo, da parte de fora,
a chorar. Sem parar de chorar, debruçou-se para dentro do túmulo e contemplou dois anjos vestidos de branco, sentados onde tinha
estado o corpo de Jesus, um à cabeceira e o outro aos pés. Perguntaram-lhe:
Mulher, porque choras? E ela
respondeu: Porque levaram o meu Senhor e
não sei onde o puseram. Dito isto, voltou-se para trás e viu
Jesus, de pé, mas não se dava conta que era Ele. E Jesus
disse-lhe: Mulher, porque choras? Quem
procuras? Ela, pensando que era o encarregado do horto, disse-lhe: Senhor, se foste tu que o tiraste, diz-me
onde o puseste, que eu vou buscá-lo. Respondeu-lhe
Jesus: Maria! Ela, aproximando-se,
exclamou em hebraico: Rabbuni! – que quer dizer: Mestre! Jesus disse-lhe: Não me detenhas, pois ainda não subi para o Pai; mas vai ter com os
meus irmãos e diz-lhes: 'Subo para o meu Pai, que é vosso Pai, para o meu Deus,
que é vosso Deus.' Maria Madalena foi e anunciou aos
discípulos: Vi o Senhor! E contou o
que Ele lhe tinha dito[3].
Há uma cegueira cultural que
não nos deixa ver o essencial dos textos. Por exemplo, o Evangelho proclamado
no passado Domingo, fala de duas mulheres que acolheram, na sua casa, Jesus e o
seu grupo. Eram duas mulheres que representavam dois mundos. Marta era do mundo
antigo que fazia o que sempre se exigiu das mulheres, as tarefas da casa. Maria
é a mulher que descobriu Jesus e a sua igualdade com os homens que é escutar a
palavra de Deus e, neste caso, a palavra de Jesus.
Jesus tomou partido: Marta, Marta, tu inquietas-te e agitas-te
com muitas coisas. No entanto, pouca coisa é necessária, até mesmo uma só.
Maria, com efeito, escolheu a melhor parte que não lhe será tirada[4]. É uma mulher que escolheu
ser discípula e Jesus elogiou-a pela escolha que fez.
Hoje, há muitas mulheres,
teólogas e não só, para quem os textos dos Evangelhos testemunham que Jesus
tratou as mulheres do mesmo jeito que tratava os homens. Têm dificuldade em
aceitar a descriminação que recai sobre elas na Igreja.
A situação mudou, está em
mudança, e não são apenas as mulheres que reclamam. Entre nós, Frederico
Lourenço, um grande especialista da literatura grega e latina, tradutor da
Bíblia grega e dos Evangelhos Apócrifos, documentou a importância das mulheres
na vida de Jesus, sobretudo a de Maria Madalena, no texto retirado do Facebook
| mural de Frederico Lourenço, 2022.
É um bom texto para conhecer muitos
aspectos da longa história da descriminação da mulher na sociedade e na Igreja.
No entanto, o que hoje pode ser lido, de forma límpida, nos Evangelhos, é que
foi Jesus que ordenou Maria Madalena
para transmitir e testemunhar, aos reconhecidos Apóstolos, a Ressurreição de
Cristo, fundamento da fé da Igreja.
Frederico Lourenço, entre vários textos refere um
apócrifo, encontrado no Egipto em 1945, que descreve Maria Madalena como uma mulher que compreende tudo, porque
compreendeu o essencial de toda a vida humana. O que é ver nela algo de bem
diferente, não só do cliché da prostituta arrependida, mas da grande figura do
Novo Testamento.
O teólogo dominicano, professor de Oxford, cardeal sem
pompa eclesiástica, também se deteve sobre Maria
Madalena à procura na escuridão. Todos os relatos da ressurreição estão
repletos de questões. Por duas vezes, perguntam a Maria Madalena porque está a
chorar. Ela pergunta onde puseram o corpo. A ressurreição irrompe nas nossas
vidas não como uma afirmação crua dos factos, mas com questões que nos
interpelam.
Se ouvirmos as questões uns
dos outros com respeito e sem medo, encontraremos uma nova forma de viver no
Espírito. Maria ouve o seu nome: Maria!
E responde Rabbuni! Mestre! É
apropriado que ela, cuja vida é movida por um amor compassivo e terno, tenha o
seu vazio preenchido com o seu próprio nome. Ela procurava um cadáver, mas
encontrou mais do que poderia sonhar: o amor que está vivo para sempre[5].
Eis um livro verdadeiramente
apaixonante! Boas Férias