UM
GRANDE FIM DE SEMANA
Frei
Bento Domingues, O.P.
02
Novembro 2025
1. Os cristãos celebram neste fim de semana algo de
extraordinário. Proclamam, neste Sábado, que a morte não é a última palavra sobre
a existência humana. A morte não é o sentido da vida. Caso contrário, seria a
derrota final do ser humano que vive da esperança (1 Ts 4, 13-14).
Jean Delumeau[1], grande historiador
católico, desejava acolher a hora derradeira em condições de poder dizer de
novo a palavra do Salvador: Pai, nas tuas mãos entrego a minha vida.
Morreu em 2020, aos 96 anos. Segundo o diário La Croix, o próprio
historiador preparou o seguinte texto para ser lido no seu funeral: A minha
vida teve as suas dores e as suas alegrias, os seus fracassos e os seus
sucessos, as suas sombras e as suas luzes, os seus defeitos, os erros e as
inadequações, mas também os seus impulsos e as suas esperanças. Terminei a
minha corrida. Possa eu adormecer-me na tua paz e no teu perdão! Sê o meu
refúgio e a minha luz. Rendo-me a ti. Entrarei na terra. Mas que o meu último
pensamento seja o da confiança.
Esta é a linguagem do bom senso da verdadeira expressão da
fé cristã.
2. Este ano, neste fim de semana, a construção
litúrgica oficial celebra, no Sábado, a festa de Todos os Santos, canonizados
ou não, a plenitude da vida humana. No Domingo, celebra os Fiéis Defuntos,
onde cabem todos, todos, todos, como diria o Papa Francisco.
A ambiguidade destas designações exprime a nossa ignorância
acerca da vida depois da morte. A imaginação atreveu-se a saber mais do sabe.
Umas pessoas iriam para o céu, para disfrutar da eterna alegria de Deus. Outras
teriam de ser purificadas pelo fogo para poderem entrar no céu. Outras ainda,
que morriam em pecado mortal, iriam para o inferno, para o sofrimento
eterno.
Estas representações pertencem a determinados momentos da
história religiosa que ainda sobrevivem em muitos lugares: pessoas
completamente realizadas, outras a precisar de purificação e outras condenadas
para sempre.
As concepções que as alimentou não podem reclamar-se da
teologia verdadeiramente cristã. A condenação eterna é uma ofensa à revelação da
Primeira Carta de S. João (4, 8.16): Deus é amor. Tudo o que se disser em
teologia cristã nunca poderá negar esta afirmação eterna. Não é o inferno que é
eterno. Eterno é o amor que Deus nos tem.
Para este grande fim de semana, escolhi a
apresentação do Apocalipse, uma imagem de Deus como futuro absoluto e
incondicional.
O termo apocalipse, ao contrário do que sugere certa
linguagem corrente, é a transcrição de uma palavra grega que significa revelação.
Foi o título dado, que ficou para sempre, àquele que se apresenta como o último
livro da Bíblia, um livro de consolação para a Igreja perseguida pelos
imperadores romanos. Contém o belíssimo poema do grande sonho de uma divina
consolação.
3. Vi, então, um novo céu e uma nova
terra, pois o primeiro céu e a primeira terra tinham desaparecido e a
ameaça do mar já não existe. E vi descer do céu, de junto de
Deus, a cidade santa, a nova Jerusalém, já preparada qual noiva adornada para o
seu esposo. E ouvi uma voz potente que vinha do trono e
dizia: Eis a tenda de Deus com os seres humanos. Ele habitará com eles; eles
serão o seu povo e ele, Deus-com-eles, será o seu Deus. Ele
enxugará todas as lágrimas dos seus olhos; e não haverá mais morte, nem luto,
nem clamor e nem dor haverá mais.
Sim! As coisas antigas passaram! O que
está sentado no trono declarou: Eis que faço novas todas as coisas. E continuou:
Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras. E
disse-me ainda: elas realizaram-se! Eu sou o Alfa e o Ómega, o Princípio e o
Fim. A quem tem sede, eu darei gratuitamente, da fonte de água viva. O
vencedor receberá esta herança e eu serei o seu Deus e ele será meu filho[2].
Este grande poema, que vem no final do Novo Testamento, começa
com este desígnio: Revelação de Jesus Cristo.
Deus encarregou-o de manifestar as coisas que brevemente
devem acontecer e que Ele comunicou pelo anjo que enviou ao seu servo
João, o qual atesta que tudo o que viu é Palavra de Deus e testemunho de
Jesus Cristo.
Feliz o que lê e os que escutam a mensagem desta profecia e
põem em prática o que nela está escrito, porque o tempo está próximo. João
saúda as sete igrejas da província da Ásia: graça e paz da parte d’ Aquele-que-é,
Aquele-que-era e Aquele-que-vem, da parte dos sete Espíritos que estão diante
do seu trono e da parte de Jesus Cristo, a Testemunha fiel, o Primogénito
dos mortos, o Príncipe dos reis da terra! Àquele que nos ama e nos
purificou dos nossos pecados com o seu sangue e fez de nós uma Realeza de
Sacerdotes para Deus, seu Pai.
A Ele pertence a glória e o poder pelos séculos dos séculos.
Ámen! Eis que Ele vem com as nuvens! Todos os olhos o verão, até
mesmo os que o trespassaram. Todas as nações da terra se lamentarão por
causa dele. Sim. Ámen! Eu sou o Alfa e o Ómega – diz o Senhor
Deus – Aquele-que-é, Aquele-que-era e Aquele-que-vem, o Todo-Poderoso.
Eu, João, vosso irmão e companheiro na
perseguição, na Realeza e na perseverança em Jesus, encontrava-me na ilha de
Patmos por causa da Palavra de Deus e do testemunho de Jesus. No
dia do Senhor, fui movido pelo Espírito e ouvi atrás de mim uma voz potente
como de trombeta, que dizia: O que vais ver, escreve-o
num livro e envia-o às sete igrejas: à de Éfeso, de Esmirna, de Pérgamo, de
Tiatira, de Sardes, de Filadélfia e de Laodiceia.
Voltei-me para ver de quem era a voz que me falava. E, ao
voltar-me, vi sete candelabros de ouro; no meio dos
candelabros, vi alguém com aparência humana. (…) Ele tinha
na mão direita sete estrelas e da sua boca saía uma aguda espada de dois gumes;
o seu rosto era como o Sol resplandecente com toda a sua força. Ao
vê-lo, caí como morto a seus pés. Mas Ele colocou a mão direita sobre mim, dizendo:
Não tenhas medo! Eu sou o Primeiro e o Último, o Vivente. Estive
morto; mas, como vês, estou vivo pelos séculos dos séculos e tenho as chaves da
Morte e do Abismo! Escreve, pois, as coisas que vês, as que
estão a acontecer e as que vão acontecer, depois destas. E
este é o simbolismo das sete estrelas que viste na minha mão direita e dos sete
candelabros de ouro: as sete estrelas são os anjos das sete igrejas e os sete
candelabros são as sete igrejas[3].
Dominados por catecismos, falsamente realistas, evitamos este
grande livro do Apocalipse, abandonamos o livro mais espantoso do Novo
Testamento. O que não sabemos explicar, leva-nos a ignorar o que representa a transfiguração
da plural linguagem cristã.
As representações do mundo e do ser humano estão em profunda
e constante alteração. O céu, o inferno, o purgatório, o juízo final são
metáforas dos desejos e dos medos humanos. São representações engrandecidas do além
à imagem do que há de melhor e de pior neste mundo.
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