O
MUNDO PODE MUDAR SE NÓS MUDARMOS
Frei Bento Domingues, O.P.
07 Setembro 2025
1. Esta
crónica não é o começo nem o fim de férias. A minha praia foi uma Clínica na
Idanha. Tenho de agradecer, através do generoso acolhimento do Público, a tantas pessoas que me
mantiveram em contacto com o que se passava no país e no mundo.
Fiquei a saber que, neste Verão,
em Portugal, ardeu 3% do território. Não tinha de ser um desastre ecológico
inevitável, se cuidássemos da Ecologia Integral proposta pelo Papa Francisco e
continuada por Leão XIV. A Ecologia Integral não é feita apenas de belos
princípios de relação com a Natureza.
Acontecimentos muito simples
podem servir para contrariar o que parece inevitável. Setembro é o mês de
começos e recomeços. O início do Ano Lectivo deve ser um programa de novidades.
É o mês da abertura do futuro. Em vez de estragar, de destruir, podemos
alterar. Não estamos condenados ao mundo como está. A educação, se for aberta e
verdadeiramente democrática, poderá ajudar a sustentabilidade de um progresso
para todos. Os mais novos poderão ser os protagonistas da alteração das
sociedades, a nível nacional e global.
As grandiosas Jornadas
Mundiais da Juventude, de Lisboa (2023) e de Roma (2025), se não foram apenas
uma exibição oca, têm de mostrar frutos novos de transformação da sociedade e
da Igreja.
No dia 1 deste mês, ocorreu o
X Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, cujo tema é Sementes de Paz e Esperança. Nas
palavras do Papa Leão XIV, na sua Mensagem deste ano, «a semente entrega-se
inteiramente à terra e aí, que deve morrer para dar fruto, a vida germina,
mesmo nos lugares mais inesperados, numa surpreendente capacidade de gerar
futuro».
No dia 5, o Papa inaugurou o Burgo Laudato Si’, criado por desejo do Papa Francisco em 2023 nos Jardins das
Vilas Pontifícias em Castel Gandolfo. É um projecto de conscientização e
formação para sermos fieis às exigências da Ecologia Integral. Funciona como um
espaço para aprofundar a ligação com a Criação, concretizando a Encíclica Laudato Sí’. Visa contribuir para
aprofundar as questões ambientais e promover estilos de vida mais sustentáveis.
Graças à criação
deste projecto, a beleza dos Jardins das Vilas Pontifícias tornou-se o cenário
natural para o desenvolvimento de um espaço aberto a todas as pessoas de boa
vontade para que a Terra volte a ser o nosso mundo. Ao criar o Burgo Laudato Si', nos espaços de Castel
Gandolfo, o Papa Francisco quis demonstrar que os princípios descritos na
Encíclica Laudato Si' poderiam tornar-se
realidade. O projeto foi desenvolvido em três direções: formação em ecologia
integral, economia circular e generativa e sustentabilidade ambiental.
2. Já a 9 de Julho, o Papa Leão XIV,
em Castel Gandolfo, começou por dizer: Neste lindo dia, antes de mais nada,
gostaria de convidar todos, começando por mim mesmo, a viver o que estamos a
celebrar na beleza de uma catedral, que se poderia dizer natural, com as plantas e tantos elementos da criação que nos
conduziram aqui para celebrar a Eucaristia, usando o novo formulário da Missa pelo cuidado da criação, fruto dos
diferentes Dicastérios do Vaticano.
Estes textos não
são só palavras, falam de realizações da sabedoria ecológica. A fé sem obras é
morta, como disse nos começos do Cristianismo a Carta de S. Tiago, «De que aproveita, irmãos, que alguém
diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento
quotidiano, e um de vós lhes disser: Ide em paz, tratai de
vos aquecer e de matar a fome, mas não lhes dais o que é necessário ao corpo,
de que lhes aproveitará? Assim também a fé: se ela não
tiver obras, está completamente morta. Mais ainda: poderá alguém
alegar sensatamente: Tu tens a fé e eu tenho as obras; mostra-me então a tua fé
sem obras, que eu, pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé»[1].
Esta realização do Papa lança, implicitamente,
uma interrogação às Igrejas de todo o Mundo e, nomeadamente, às de Portugal:
que podem elas fazer para concretizar o exemplo do Burgo Laudato Si’?
Como viu o Papa Francisco, a Ecologia Integral é
uma convocatória a crente e não crentes. De facto, a Igreja ou as Igrejas – o conjunto dos cristãos – não estão
isoladas na defesa da vida na Terra. «A vida, ubíqua como é, continua a ser um profundo
mistério científico. Talvez isto surpreenda muita gente, mas a verdade é que,
até ao momento, os cientistas não partilham uma definição consensual de vida
nem, já agora, uma compreensão mesmo ao nível mais primitivo, de como surgiu na
Terra. Ou em temos mais simples e directos: continuamos sem saber o que é a
vida e como começou». Esta é uma passagem do livro O Universo Consciente. Um
Manifesto para o Futuro da Humanidade, de Marcelo Gleiser, físico e
astrónomo premiado, que faz um apelo admirável ao advento de um novo iluminismo
e a um reconhecimento da preciosidade da vida, fazendo uso da razão e da
curiosidade – os pilares da ciência – para estudar, proteger e em última
análise preservar a humanidade face à actual crise existencial das alterações
climáticas.
3. Colhi do mesmo autor a seguinte
passagem: «O Universo só tem uma história porque nós estamos cá para a contar.
Através da nossa diligência e engenho, juntámos os principais capítulos da
longa saga que começou com o Big Bang
há 13,8 mil milhões de anos. Esta história desenrola-se na vastidão do espaço e
narra o drama da matéria a dançar ao ritmo de forças de atração e repulsão, a
moldar-se em estruturas cada vez mais complexas que se tornaram átomos,
estrelas, galáxias, planetas, vida, nós. A forma como contamos uma história faz
toda a diferença. E chegou o momento de recontar a história de quem somos, na
perspetiva de uma nova mentalidade. Este livro é sobre a vida na Terra, sobre a
sua relevância cósmica, sobre o mandato moral da humanidade para se erguer
acima do passado e remodelar o futuro coletivo. Escrevo-o com um sentido de
urgência e esperança.
O advento da vida
mudou tudo. A vida é matéria com propósito, com um desejo de existir»[2].
Para Marcelo
Gleiser, ciência e espiritualidade não se opõem: «Pouco ou nada sabemos sobre
como a vida surgiu da não-vida na Terra e como evoluiu para se tornar
inteligente, dadas as muitas contingências da história única do nosso planeta.
A origem da vida continua a ser um mistério, enquanto a evolução da vida
unicelular simples para a vida inteligente não é um caminho necessário – e
ainda menos inevitável – para a evolução da vida. A vida preocupa-se com estar
bem adaptada ao seu meio, de modo a poder reproduzir-se com êxito e não com a
capacidade de construir foguetões ou escrever poesia. (…) A nossa história não
é, porém, apenas uma narrativa científica. Abrange múltiplas dimensões
culturais, sendo a ciência uma delas. Não há como negar que o Universo em
expansão é vasto e que o nosso planeta não passa de um pequeno grão numa vulgar
galáxia em espiral»[3].
O mundo pode
mudar se nós mudarmos.
Sem comentários:
Enviar um comentário