Crónicas PÁRA E PENSA
Acontecimento trágico.
Temas para reflexão
Anselmo Borges
Padre e Professor de Filosofia
Esta é a notícia trágica: nos últimos cinco anos
suicidaram-se na Índia pelo menos 13 padres
católicos — em média, um a cada seis meses; nos
primeiros cinco meses deste ano de 2025, já se
suicidaram dois... Evidentemente, a situação é
alarmante e obriga a Igreja na Índia, e não só, a
uma reflexão profundíssima.
Não vou entrar directamente no tema. Mas,
aproveitando este acontecimento trágico e o
facto de estarmos ainda no início de um novo
pontificado, deixo aí três momentos de reflexão
inevitável, que não pode de modo nenhum
continuar a ser adiada, tanto mais quanto,
mesmo entre nós, o número de padres está em
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queda vertiginosa, aumentando sem cessar o
número de paróquias sem padre.
Em termos simples.
1. A Igreja não pode impor como lei o que
Jesus entregou à liberdade. Que é que isto quer
dizer? É necessário acabar com a lei do celibato
obrigatório para os padres. Aliás, essa lei é
relativamente recente e, mesmo hoje, há padres
na Igreja católica normalmente com família — é
o caso na Igreja oriental ou de convertidos da
Igreja anglicana. Concretizando, pergunta-se:
porque é que, dentro de determinados critérios,
não hão-de voltar ao ministério padres que
tiveram de abandonar levados pelo amor e
constituindo família?
2. Jesus não discriminou as mulheres.
Assim, a Igreja também não pode discriminá-las
também no que se refere aos ministérios. Isso é
contra a vontade de Jesus e contra os direitos
humanos. Herbert Haag, talvez o maior exegeta
do século XX, a quem devo o favor de ser um
querido amigo, insistiu constantemente — veja-
se o seu livro “A Igreja Católica ainda tem
futuro?” — que nos primeiros séculos houve
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mulheres que presidiram à Eucaristia; então,
porque é que o que foi possível no princípio não
há-de ser possível hoje?
3. Pode escandalizar, mas é um facto: Jesus
foi leigo, não pertencia à classe sacerdotal. Aliás,
nesta linha, o Novo Testamento evitou a palavra
hiereus (sacerdote). Só mais tarde (século III) é
que a Eucaristia, que era um banquete festivo
dos cristãos no qual se fazia memória da Última
Ceia e dos muitos banquetes de e com Jesus, foi
interpretada como sacrifício ritual, dando
origem, consequentemente, aos sacerdotes,
seguindo-se daí que a Igreja ficou dividida em
duas classes: o clero (ai o clericalismo!) e os
leigos.
4. A Igreja vai continuar a precisar de
ministérios para as diversas funções e serviços?
É claro que sim.
Neste contexto, quero chamar a atenção
para que Bento XVI, quando era apenas
professor Joseph Ratzinger, falou em dois tipos
de padres: uns que continuariam na sua vida
normal, na sua família, nas suas profissões, mas
que as comunidades escolheriam, depois de
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provas dadas, para presidir à comunidade,
orientá-la...; outros que, optando livremente
pelo celibato, escolheriam dedicar a sua vida
integralmente à Igreja, estando entre as suas
tarefas a coordenação e formação dos outros
padres...
5. Neste contexto de temas e problemas, é
inevitável e imprescindível rever toda a questão
da formação nos Seminários, com uma vivência
que corre o risco de fugir à realidade como ela é,
com a ausência do universo feminino e de todas
as exigências até económicas da vida actual e
formando jovens para uma vida que vai ser
tantas vezes de exigência e solidão insuportável
numa sociedade que hoje já não é sequer
sociologicamente cristã. Os padres devem
cuidar; e quem cuida deles?...
Sábado, 16 de Agosto de 2025