NOVO
ANO: MUITO QUE MEDITAR, MUITO QUE FAZER
Frei Bento Domingues,
O.P.
29 Dezembro 2024
1. Em 2025, a Igreja Católica celebra o Jubileu
(o Ano Santo). Não é um acontecimento inédito. Já o Antigo Testamento fala de
um Ano Jubilar de 50 em 50 anos[1], um tempo que devia ser de
clemência e de libertação para todo o povo, a fim de restabelecer a justiça de
Deus nos diferentes âmbitos da vida: no uso da terra, na posse dos bens, na
relação com o próximo, sobretudo os mais pobres e os que tinham caído em desgraça[2]. Seria importante, no
entanto, perguntar o que foi feito dessa bela instituição.
O Papa Bonifácio VIII instituiu o chamado Ano Santo, em 1300. O
Papa Francisco já estabeleceu um especial programa litúrgico, em Roma, para os
peregrinos, dos seus espaços mais emblemáticos, procurando, assim, superar o
mero sentido turístico.
É de destacar um gesto original: no dia
26, o Papa foi à prisão Rebibbia, em Roma, como
um peregrino de esperança, a mesma
esperança à qual o Jubileu 2025 é dedicado, abrindo a Porta nessa
prisão, inaugurando nela o Ano Santo.
O texto para o Dia Mundial da
Paz 2025 é uma síntese notável, assumindo não só o que escreveram os seus
antecessores, remontando à célebre Pacem
in Terris (1963), como aponta o verdadeiro conteúdo das práticas do Ano
Santo.
Também nos
dias de hoje, o Jubileu devia ser um acontecimento que nos impelisse a procurar
a justiça libertadora de Deus em toda a terra. Gostaríamos de estar atentos ao desesperado grito de ajuda. Sentimo-nos
chamados a unir-nos à voz que denuncia tantas situações de exploração da terra e de opressão do próximo. Estas injustiças assumem,
por vezes, o aspecto daquilo a que João Paulo II definiu
como estruturas de pecado, porque não
se devem apenas à iniquidade de alguns, mas estão, por assim dizer, enraizadas
e contam com uma cumplicidade generalizada.
Cada um de nós deve sentir-se, de alguma
forma, responsável pela devastação a que a nossa casa comum está sujeita, a
começar pelas acções que, mesmo indiretamente, alimentam os conflitos que
assolam a humanidade. Assim, fomentam-se e entrelaçam-se os desafios
sistémicos, distintos, mas interligados, que afligem o nosso planeta.
Refiro-me, em particular, às
desigualdades de todos os tipos, ao tratamento desumano dispensado aos
migrantes, à degradação ambiental, à confusão gerada intencionalmente pela
desinformação, à rejeição a qualquer tipo de diálogo e ao financiamento
ostensivo da indústria militar. Todos estes são factores de uma ameaça real
à existência de toda a humanidade.
No início deste ano, Bergoglio incita-nos
a escutar este grito da humanidade para nos sentirmos chamados, todos nós,
juntos e de modo pessoal, a quebrar as correntes da injustiça para proclamar a
justiça de Deus. Alguns actos esporádicos de filantropia não serão suficientes.
Em vez disso, são necessárias transformações culturais e estruturais, para que
possa haver também uma mudança duradoura.
2. Razão tinha S. Basílio de Cesareia
(século IV) que perguntava: mas que coisas são tuas?
De onde as tiraste para as incluir na tua vida? […] Não saíste totalmente nu do
ventre da tua mãe? Não voltarás, de novo, nu para a terra? De onde vem o que
tens agora? Estas interrogações continuam a ser essenciais.
Como diz Francisco, tal como
as elites do tempo de Jesus, que se aproveitavam do sofrimento dos mais pobres,
também hoje, na aldeia global interligada, o sistema
internacional, se não for alimentado por uma lógica de solidariedade e
interdependência, gera injustiças que, exacerbadas pela corrupção, aprisionam
os países pobres. A lógica da exploração do devedor também descreve
sucintamente a actual crise da dívida,
que aflige vários países.
Não nos devemos cansar de
repetir que a dívida externa se tornou um instrumento de controle, através do
qual alguns governos e instituições financeiras privadas dos países mais ricos
não hesitam em explorar, indiscriminadamente, os recursos humanos e naturais
dos países mais pobres, para satisfazer as necessidades dos seus próprios
mercados.
A dívida ecológica e a dívida
externa são dois lados da mesma moeda. Este Ano Jubilar convida a comunidade
internacional a actuar no sentido de perdoar a dívida externa, reconhecendo a
existência de uma dívida ecológica entre o Norte e o Sul do mundo. É um apelo à
solidariedade, mas sobretudo à justiça.
3. A dignidade da vida humana
tem de ser respeitada e promovida em todas as suas etapas. Cada pessoa tem o
direito de olhar o futuro com esperança, procurando o desenvolvimento e a
felicidade de toda a família. Um gesto que deve marcar este Ano Jubilar é a eliminação
da pena de morte em todas as nações. É, aliás, uma punição tão radical que
aniquila toda a esperança humana de perdão e de renovação.
Neste tempo marcado pelas
guerras em 22 países, o Papa Francisco propõe que, pelo menos, uma percentagem
fixa do dinheiro gasto, em armamento, seja utilizada para a criação de um fundo
mundial que elimine, definitivamente, a fome e facilite a realização de
atividades educativas, nos países mais pobres. Devemos tentar eliminar qualquer
pretexto que possa levar os jovens a imaginar o seu futuro sem esperança, ou
como uma expectativa de vingar o sangue derramado por seus entes queridos. O
futuro é um dom que permite ultrapassar os erros do passado e construir novos
caminhos de paz. A
guerra é sempre uma derrota, sempre! É fonte de
riqueza para poucos e fonte de morte para povos inteiros.
Aqueles que empreenderem,
através dos gestos propostos, o caminho da esperança, poderão ver cada vez mais
próxima a tão desejada meta da paz. O Salmista confirma-nos nesta promessa:
quando a verdade e o amor se encontrarem,
a justiça e a paz abraçam-se (Sal 85, 11). Como dizia João
XXIII, a verdadeira paz só pode vir de um coração desarmado da ansiedade e do
medo da guerra.
A Mensagem para o Dia da Paz
2025 termina com uma oração. É a oração que nos abre aos dons de Deus:
Perdoa-nos as nossas ofensas,
Senhor, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido, e, neste círculo de
perdão, concede-nos a tua paz, aquela paz que só Tu podes dar para aqueles que
deixam o seu coração desarmado, para aqueles que, com esperança, querem perdoar
as dívidas aos seus irmãos, para aqueles que confessam sem medo que são vossos
devedores, para aqueles que não ficam surdos ao grito dos mais pobres.
Bom Ano!