quinta-feira, 29 de setembro de 2016

SALMAN RUSHDIE em entrevista ao DN...

...
Pode a fé ser um dos pontos de encontro entre essas duas tradições?
Honestamente, espero que não. Adorava poder não escrever mais sobre religião, não sou uma pessoa religiosa e acho a religião um pouco chata. Acaba por aparecer porque cá está ela, de novo, sentada no meio da sala, impondo-se. Este fenómeno do regresso da religião como um tema público é muito estranho. Se fores da minha idade, e te lembrares dos anos 60, ninguém falava sobre religião. Eu tinha 21 anos em 1968. Discutíamos sobre todos os temas, direitos civis, Vietname, mas ninguém falava de religião. A ideia de que a religião faria este regresso era inimaginável.
...
Estamos a caminhar para um mundo pós-religião?
Acho que não estamos. Essa é provavelmente a parte mais fantasiosa do livro [risos]. As antigas religiões politeístas, como a grega e a romana, têm algo comum: chega um momento em que Deus se retira da vida humana. Nos mitos nórdicos, a história é diferente, mas tem o mesmo fim. Há uma batalha e no fim os deuses derrotam os inimigos, mas também são destruídos por eles. Ambas as tradições têm a ideia de que a maturidade da humanidade requer deixar para trás a dependência nos deuses. Isto faz-me pensar que a vida humana é exatamente assim. Começamos como crianças, com figuras semelhantes a deuses, os nossos pais, guias, conselheiros, punidores, e chegamos a um ponto em que não precisamos mais disso. Saímos de casa dos pais e construímos as nossas vidas. Esse seria o meu desejo para a humanidade. É tempo de o fazer: a humanidade tem de sair de casa dos pais.
Porque é tão difícil?
Porque somos fodidos. Há algo errado connosco, ainda dependemos deles.
Esse caminho está mais avançado em algumas religiões do que noutras?
O cristianismo foi responsável por bastante, na sua altura. Neste momento, o perigo vem do Islão. Não há dúvidas. Não de todo o Islão, mas de uma certa mutação. Os sauditas propagaram o wahhabismo. Isso está a oprimir pessoas no mundo islâmico, primeiro, e no resto, depois. Não é algo intrinsecamente único ao Islão. Mas neste momento, sim, temos de aceitar que vem sobretudo de lá. São tempos muito perigosos. Não há forma de o negar.
...
Porque regressa ao tema?
É a grande questão do mundo em que vivemos. E não é garantido, de forma alguma, que a racionalidade irá ganhar. Alguém me disse que o que está a acontecer na América é um conflito entre o superego e o id. De um lado, uma pessoa séria, com experiência; do outro, este louco, o rapaz mais traquinas da escola, a partir coisas, a mentir, a gritar loucamente, a abusar das pessoas. E há uma hipótese de que ele ganhe. Isso mostra que um país inteiro pode sucumbir à irracionalidade.
...
Incomoda-o a falta de hierarquia nas redes sociais?
Incomoda-me a forma como a internet atacou a ideia de verdade. Uma mentira e um facto têm o mesmo peso. E uma mentira, devido ao efeito de repetições, pode adquirir maior força do que a verdade. Também me preocupa a anonimidade. As pessoas são muito mais descorteses, são rudes, agressivas, hostis, sórdidas. E não seriam se estivessem no mesmo quarto com a pessoa com quem falam. Dá-nos permissão para ser muito menos civilizados.
...
Seria muito diferente se tivesse ficado na Índia?
Sempre me vi como um beneficiário das consequências da migração. Neste momento, as pessoas têm muitas suspeitas sobre migração, mas, na minha vida, tem-me dado o mundo. Algumas vezes, tenho inveja do escritor que fica num mesmo local toda a sua vida e conhece-o muito, muito profundamente. Mas também já não vivemos num tempo em que esses microcosmos existam. O mundo entra-te estejas onde estiveres. Quando Flaubert escreveu Madame Bovary, podia estar numa pequena cidade da província, não fazer nenhuma referência ao mundo exterior, e contar a história destas pessoas.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

A BÍBLIA AINDA VALERÁ A PENA? Frei Bento Domingues, O. P.




1. Ao longo destas crónicas, referi, muitas vezes, os trabalhos de exegetas de língua portuguesa ou não, que vão multiplicando investigações, cursos e livros de introdução à leitura da Bíblia. Encadernada num só volume, pode esconder a realidade de uma biblioteca de diversos autores, estilos e géneros literários muito diferentes, construída ao longo de vários séculos da antiguidade judaica e cristã. Lida e interpretada por judeus e cristãos em contextos culturais e religiosos muito diferentes, não é uma literatura morta, como a ignorância supõe.

 A minha preferência, quanto às obras de introdução, vai para um precioso livro de J. T. Barrera[1] que oferece uma visão abrangente da investigação sobre a história da Bíblia. Segundo o autor, o seu conteúdo foi amadurecendo lentamente na preparação de cursos de “Literatura do Antigo Testamento”, ministrados no Departamento de Hebraico e Aramaico da Universidade Complutense de Madrid. Incorpora também materiais de trabalho em vários cursos de Doutoramento sobre “Os Manuscritos do Mar Morto”. É um livro-texto com características de uma obra enciclopédica em muitos casos e de ensaio científico noutros. Avisa: o enciclopédico nunca pode ser exaustivo e o ensaio científico nunca é definitivo. Uma obra aberta.

De André Paul[2], foi traduzida para português a história da génese cultural da Bíblia. O autor descreve o percurso simultaneamente religioso, literário e político que fez da Bíblia a verdadeira criação cultural do Ocidente.

A relação portuguesa com a tradução da Bíblia não é gloriosa. Segundo Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1851-1925), acerca do período medieval, a literatura portuguesa, em matéria de traduções bíblicas, é de uma pobreza desesperadora. Na Wikipédia, dispomos de indicações da história das traduções da Bíblia em língua portuguesa.

O documento da Comissão Pontifícia Bíblica sobre a interpretação da Bíblia na Igreja (1993), embora relembre a identidade teológica da exegese católica, deixou, finalmente, a pesquisa científica à solta. Os textos não nasceram em nenhuma fábrica divina. Até as referências postas na boca de Deus espelham o que há de melhor e pior da condição humana. Não admira que surjam como escolas de santidade e de crime.   

2. Frederico Lourenço é um autor premiado e conhecido como ficcionista, ensaísta, poeta e tradutor. Depois de dez anos na Universidade de Lisboa, é, actualmente, professor na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Foi celebrada a tradução da Ilíada e a Odisseia de Homero, assim como um volume de poesia grega. Em 2015, publicou um conjunto de leituras da Bíblia[3].

“Para que fique bem claro: (…) Não sendo, todavia, de um ponto de vista religioso (cristão ou outro) que aqui escrevo sobre a Bíblia, também não escrevo sob um prisma irreligioso: sou sensível (diria mesmo hipersensível) ao apelo do Divino. (…) Não tenho nenhum problema em afirmar que, pessoalmente, considero Jesus de Nazaré a figura mais admirável de toda a história da Humanidade”[4].

3. Frederico Lourenço resolveu entrar numa aventura admirável: traduzir a Bíblia grega, Antigo e Novo Testamentos, para português. Preparação não lhe falta nem na cultura grega nem na nossa. A avaliação do resultado pertence a qualquer leitor, tanto mais que o texto não é bilingue. Será interessante ver como vai ser recebido pelos exegetas. Em ambos os casos importa conhecer o seu ponto de vista e os critérios em que assenta o seu trabalho, explicitados na introdução. O objectivo é dar a conhecer o texto bíblico. Até aí, nada de novo. No entanto, procura que, tanto a tradução como os comentários para a compreensão do texto grego, não sejam de carácter doutrinário, confessional e apologético.

O volume I desta Bíblia é constituído pelos 4 Evangelhos. Vai da foz para a nascente. Confessa que temos de nos dar por felizes pelo facto destes textos maravilhosos terem sobrevivido a qualquer tentação de dar ao cristianismo um Evangelho único, artificialmente purgado de problemas, de frases e de palavras difíceis. São justamente as palavras difíceis (e muitas vezes intraduzíveis) que nos obrigam a pensar no que significou e significa ainda a extraordinária mensagem de Jesus, assim transmitida de modo tão desafiante para o crente e como para o não crente. São quatro prismas diversos. Se há verdade que todos os dias nos é confirmada pela observação objectiva da realidade humana é que, no cerne do seu valor ético, a mensagem de Jesus continua tão válida, tão certeira e tão urgente como era há dois mil anos.

A Bíblia pode ser lida de muitas maneiras. A pior de todas é não ser lida.

25.09.2016



[1] Julio Trebolle Barrera, A Bíblia Judaica e a Bíblia cristã. Introdução à história da Bíblia, Petrópolis, Vozes, 19992.
[2] André Paul, A Bíblia e o Ocidente. Da biblioteca de Alexandria à cultura europeia, Instituto Piaget, 2014.
[3] Frederico Lourenço, O Livro Aberto: Leituras da Bíblia, Lisboa, Cotovia, 2015.
[4] Ib, p.13-14.

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Nova Direção Geral das Missionárias Combonianas

As Irmãs Missionárias Combonianas concluíram a eleição da nova Direção-Geral do Instituto. O novo Conselho Geral ficou assim composto:

Superiora Geral - Sr. Luigia Coccia

Conselheiras Gerais - Sr. Rosa Matilde Tellez Soto, Sr. Kudusan Debesai Tesfamicael, Sr. Ida Colombo, Irmã Eulália Capdevila Enríquez.

O Capítulo Geral das Missionárias Combonianas teve início no dia 5 de setembro e segue até o dia 30 deste mês, com a participação de 52 irmãs provenientes de 28 nações.

O lema do Capítulo: “Ousar a mística do Encontro para viver a Missão Comboniana hoje”.

À nova superiora Geral e seu Conselho desejamos as maiores bênçãos de Deus e que São Daniel Comboni interceda ao Pai pelas missões espalhadas em quatro Continentes: África, Américas, Europa e Médio Oriente.

domingo, 11 de setembro de 2016

QUE FAZER DA MISSA? Frei Bento Domingues, O.P.


1. Nasci e cresci numa aldeia onde toda a gente ia à Missa. Era obrigatória: faltar era pecado e matéria de confissão. Era dita em latim e de costas para o povo, com os homens à frente e as mulheres e as crianças atrás. Durante a homilia, os homens saíam para fumar um cigarrito. Da Missa, aproveitava-se a reza do terço. O padre, depois dos avisos, em português, voltava ao latim: ite missa est. Missão cumprida?

A palavra missa vem do verbo latino mittere, enviar, mandar, dispensar, mas também missão e míssil. Seja como for, o sentido das palavras depende do seu uso.

A própria expressão Ite missa est já existia no latim profano antes de passar para a liturgia cristã. Como diz Ávito de Viena (470-518), essa fórmula era usada para terminar as audiências do paço e dos tribunais de justiça: “Nas igrejas e nas cortes do imperador e do prefeito dizia-se missa est quando o povo era despedido da audiência.”

Nos primórdios do Cristianismo, o culto era dividido em duas partes: a primeira, composta de orações, leituras, cânticos e a pregação, era aberta a todos; a segunda, a eucaristia propriamente dita, era reservada aos baptizados. Por isso, no final da 1ª parte, os catecúmenos também eram despedidos com o Ite, missa est, "Ide, a vossa celebração terminou". É o que sugere Santo Agostinho: “Depois do sermão faz-se a missa, isto é, a despedida ou envio dos catecúmenos”. Pouco a pouco, a palavra foi-se aplicando ao conjunto da celebração. Já no século IV, na Peregrinatio Sylviae, é dito que “O sacerdote abençoa os fiéis e faz-se a missa, isto é, a despedida ou o envio”. Actualmente, em português, depois da bênção final, a despedida é feita com a fórmula: Ide em paz e que o Senhor vos acompanhe (Ite, missa est).

Essa informação não me trouxe nenhuma alegria. Por outro lado, hoje, a Missa já não é em latim nem de costas para o povo, mas continua aborrecida e sem ter em conta a realidade daqueles que a procuram.

2. Repetiram-me, todo este Verão, que a Missa precisa de uma reforma profunda. Algumas queixas eram bem identificadas: três leituras e um salmo muito longe do nosso tempo, remetendo-nos sempre para um passado, que já não nos diz nada; as chamadas orações eucarísticas são pouco variadas e parecem existir apenas para enquadrar a chamada consagração do pão e do vinho, a matéria da comunhão, e um enigmático pedido de Jesus, fazei isto em memória de Mim.

Será que esses reformadores querem agora Missas à la carte?

A situação real é muito mais grave do que estas amostras de descontentamento podem sugerir.

Repetimos, em todas as Missas, o pedido de Jesus. Essa repetição cumpre um desejo ou repete uma traição?

3. Será Jesus que precisa que nos lembremos dele ou seremos nós que, sem olhar para o seu percurso, nos tornamos incapazes de encontrar o nosso próprio caminho? Será Cristo que precisa da celebração da Eucaristia ou somos nós? Ele pede-nos uma fidelidade a um ritual ou exige que continuemos, com Ele, o Evangelho da Alegria para os dias de hoje? A missa é um encontro com o passado ou uma fonte de desassossego do nosso presente? Um despertador ou um calmante? Não celebramos a Eucaristia porque ela faça falta a Jesus, mas porque nos é fundamental.

Os liturgistas garantiram, nas celebrações da Eucaristia, a presença da memória do Antigo e do Novo Testamento, mediante uma distribuição abundante das suas leituras. O passado não falta. Mas a Eucaristia é só uma memória do passado? Um acontecimento do passado? Uma visita a esse grande museu literário?

Onde estão as narrativas da vida dos que participam nas celebrações? Essas são as páginas brancas do Evangelho de que falou o Papa Francisco na sua viagem apostólica à Polónia, no encontro com os sacerdotes, religiosos e seminaristas. Só vale a pena irmos à Missa para sairmos modificados.

Uma Igreja pode estar cheia de gente, sem gente. Como poderá acontecer a transfiguração da vida das pessoas da comunidade cristã se as pessoas não estão lá com a realidade complexa da sua vida de semana? É uma assembleia clandestina de si mesma. Só se ouvem as vozes do passado e o presente é confiscado pelo clero, o único que tem voz e vez.

Não é totalmente verdade. Conheço um clérigo, chamado Papa Francisco, que não falou aos jovens sem antes os ouvir e interrogar, de muitos modos. Não para os adular nem para receber o seu aplauso, mas para recolher as suas inquietações e lhes lançar novos desafios. Não quer jovens adormecidos, pasmados, entontecidos. Não viemos ao mundo para vegetar, para fazer da vida um sofá que nos adormeça. Viemos para deixar uma marca.

Quando se pergunta que fazer da Missa, não pode ser apenas, nem sobretudo, para lhe encontrar um ritual mais simpático, mais agradável, uma antologia de leituras mais encantatórias.

A pergunta real é outra. Em que Igreja precisamos de nos transformar, para celebrar uma Eucaristia que nos responsabilize e nos faça sair para a transformação da sociedade?

Importa criar uma circulação permanente entre o que se passa no mundo e na Missa. Uma Missa sem mundo em transfiguração só pode gerar um mundo sem missa e sem o seu desejo.



11.09.2016

sábado, 10 de setembro de 2016

Ecos da AAA dos Seminários de Coimbra

Ecos da AAA dos Seminários de Coimbra .


img_5165-800x382

Como habitualmente, no segundo sábado de setembro, rumámos ao Seminário da Imaculada Conceição na Figueira da Foz, para o nosso convívio anual, este ano com a presença de D. Virgílio Antunes – Bispo da diocese de Coimbra, que desde que veio para a diocese, fez questão de estar logo no primeiro encontro.
Encontros sempre carregados de alegria pelo reencontro de amigos, alguns que por vários motivos, se reencontram passadas algumas dezenas de anos pela 1ª vez.
Hoje ainda tivemos a presença de antigos alunos, já passados dos 90 anos de idade e ainda com grande alegria de viver e recordar os anos passados nos seminários e continuam a agradecer o quanto importante e decisivo foi para as suas vidas, o terem estado no seminário.
José Roque