quarta-feira, 26 de setembro de 2018

NÃO VARRER A CASA AO DIABO (1) Frei Bento Domingues, O.P.


1. As narrativas do Novo Testamento insistem em dizer que a linguagem que o Nazareno preferia era a das parábolas. É muito incómoda porque não se lhe pode fixar um sentido único. Muitos cristãos lamentaram, e ainda lamentam, que os autores dos textos dos Evangelhos tenham perdido tempo com histórias enigmáticas. Seria preferível um catecismo, com uma mensagem bem precisa e um catálogo de deveres e proibições, válidos para todos os tempos e lugares. A história da Igreja seria construída de forma linear, sem altos nem baixos, serena como uma pedra. O zero seria o seu único número.

Não foi assim que aconteceu. Jesus abriu uma nova Era de criatividade. Não fechou a história dos povos e das culturas. As parábolas são contra a clausura do sentido dos gestos e das palavras. Todas, porém, encerram inesgotáveis possibilidades de construir a vida humana, individual e social, no horizonte da busca da felicidade, encontrando-a não só na alegria que se recebe, mas, sobretudo, na que se dá. Os Actos dos Apóstolos atribuíram a Jesus uma expressão incrível: há mais alegria em dar do que em receber. Nos Evangelhos já existia uma lei paradoxal: quem ganha (à custa dos outros), perde e quem perde para que os outros possam viver, ganha.

Vem isto a propósito de uma parábola sobre a reforma das diversas cúrias eclesiásticas: «Quando o espírito maligno sai de um homem, vagueia por sítios áridos, em busca de repouso e não o encontra. Diz então: ‘Voltarei para a minha casa, donde saí. Ao chegar, encontra-a livre, varrida e arrumada. Vai, toma outros sete espíritos piores do que ele e, entrando, instalam-se nela. O estado final daquele homem torna-se pior do que o primeiro. Assim acontecerá também a esta geração má[1]

Ao ler e ouvir certas propostas para o Papa limpar o Vaticano, de uma vez por todas, lembro-me desta parábola. Bergoglio chegaria com toda a sua energia e, como grande inquisidor, punha na rua, de alto a baixo e de baixo ao alto, toda a gente do Vaticano e fechava-o para obras. Depois, usando da sua infalibilidade, povoaria aquele Estado só de gente santa e fiel. A sua infalibilidade seria o equivalente à inteligência artificial de robots.

De facto, continuou numa história de humanos, mas com o intuito incontornável de tornar tudo diferente. Não era uma renúncia à reforma nem uma cedência perante as resistências e oposições, de dentro e de fora da Igreja. Em vez de invocar a infalibilidade pontifícia e de pedir que lhe chamassem Santo Padre, optou por propor o estudo e a análise de todas as situações e considerou-se membro de uma Igreja sempre a reformar, feita de santos e pecadores. Situou-se sempre entre estes últimos. Nada disto significava um processo de inibição. Era uma nova forma de coragem: a Igreja não é minha, eu sou da Igreja de todos e eleito Papa para a Igreja de todos. Nem quero que ela continue na mesma, nem eu. Estamos na mesma barca de conversão.

Conhecia e conhece o que foram os trabalhos de Jesus com os seus discípulos. A glória do Crucificado não foi a de ter êxito, mas a de não trair, mesmo diante das piores ameaças.

Não estou a comparar o Papa a Jesus Cristo. Ele próprio acharia isso ridículo. Pretendo sublinhar, apenas, que o caminho seguido pelo Papa Francisco exige o envolvimento de toda a Igreja.

2. Não se pode negar que os adversários e opositores dos caminhos de Bergoglio, em relação à sociedade e à vida interna da Igreja, não o tenham ajudado a sentir a necessidade urgente de estudar métodos que responsabilizem toda a Igreja pelo seu futuro, como sinal e instrumento de transformação da sociedade. Igreja-Sacramento.

Estava a tornar-se perigosa uma convicção falsa e muito divulgada: a reforma da Igreja e das cúrias é uma utopia do Argentino desenraizado. Cresceu com ele e com ele morrerá.

Se havia muitos católicos impacientes com o silêncio dos seus bispos, outros, conscientes de que a Igreja é de todos,  a responsabilidade pelo seu presente e pelo seu futuro não precisa de ser delegada. Alguns começaram a manifestar, de diversas formas, o que lhes ia na alma.

Entre vários textos, importa referir, pelo seu carácter colectivo, a carta da Conferência dos Baptizados/as[2] aos bispos da Igreja de França.

Destaco uma passagem onde existe um apelo à convocatória de um congresso, cujo objectivo seria, ao nível da França, «passar de uma participação facultativa e consultiva dos leigos – homens e mulheres evidentemente! – a uma presença efectiva nos locais de tomada de decisão, de acordo com modalidades a discutir. É o sacerdócio comum dos fiéis, o único citado no Novo Testamento que deve ser não apenas reabilitado, mas no futuro, colocado no próprio centro de decisão ».  

Em paralelo, considera que um "Concílio do Povo de Deus" é incontornável para rever, em profundidade, as relações entre sacerdotes e leigos, para reformular o ministério ordenado que, nas condições disciplinares em que é actualmente exercido, levou aos excessos que conhecemos[3].

3. Falta, em Portugal, um estudo sobre as atitudes e o comportamento dos católicos portugueses em relação ao Papa Francisco e aos seus desígnios. Conhecemos a clara posição do Nós Somos Igreja e de algumas personalidades. Entretanto, há novidades em curso para o governo da Igreja. No passado dia 18, o Papa publicou a constituição apostólica Episcopalis Communio (Comunhão Episcopal) com a qual reforça o papel do Sínodo dos Bispos, sublinhando a importância de continuar a dinâmica do Vaticano II.

O Papa tem o cuidado de sublinhar: apesar de se configurar como um organismo essencialmente episcopal, o Sínodo dos Bispos não vive separado do resto dos fiéis, mas pelo contrário deve ser um instrumento adequado para dar voz a todo o povo de Deus.

O Papa não é o diabo como os tradicionalistas pensam, nem vai deixar o diabo à solta na Igreja, como desejam. Como?

É assunto para o próximo Domingo.



23.09.2018





[1] Mt 12, 43-45
[2] Conférence des baptisé-e-s, Anne Soupa, presidente
        [3] Cf também Lettre au pape François de 31 Agosto 2018,

domingo, 23 de setembro de 2018

O PAPA NÃO ESTÁ SÓ! Frei Bento Domingues, O.P.


1. No mês de Agosto, não pude responder às muitas solicitações telefónicas para comentar os acontecimentos em torno do comportamento do Papa Francisco perante a pedofilia clerical e nos começos de Setembro, também não. Ao agradecer a acolhedora hospitalidade deste Jornal, talvez fosse oportuno esboçar um balanço das campanhas para difamar o Papa, desacreditar os seus objectivos e os seus caminhos de reforma da Igreja. Era urgente criar um clima que desse a impressão de que Bergoglio não era o remédio, mas o veneno. Tinha chegado a hora de o desmascarar.

O cálculo das oposições organizadas para derrotar o projecto reformador do Papa Francisco não estava mal concebido. Impunha-se aproveitar os seus encontros com as Igrejas onde os clérigos pedófilos, padres, bispos e cardeais, fizeram mais vítimas. Era indispensável mobilizar os meios de comunicação para mostrar as dimensões não só da tragédia, mas a incapacidade do Papa em responder, com actos, à indignação das vítimas. O importante era encontrar algumas pistas para dizer que o responsável de tudo era o próprio Papa. Não tinha sentido que ele andasse a pedir perdão, quando, de facto, ele era conivente. Já tinha tido tempo para erradicar essa abominação eclesiástica e veio, afinal, a encobri-la, enchendo a boca contra o carreirismo de seminaristas, padres, bispos e cardeais. Como quem diz: anda a querer reformar a sociedade, a política, a economia que mata, a Igreja a todos os níveis, quando o mais urgente é reformá-lo a ele. Ou se demite ou deve ser demitido, pois é um herético e anda a levar a Igreja para a catástrofe.

Foi tal o entusiasmo com a sua eleição, com os seus insólitos gestos e atitudes, que muitos julgaram que o caminho aberto era irreversível. Esse acolhimento, que parecia universal, distraiu muitos dos seus seguidores: acreditavam, de forma ingénua, que as reformas propostas tinham apenas a oposição dos instalados na cúria romana e nas cúrias episcopais.

Puro engano. Falava-se de alguns movimentos e organizações que não viam com bons olhos os atrevimentos de Bergoglio, mas como a idade era muita e a saúde era pouca, a natureza encargar-se-ia de resolver o problema. Falava-se sempre do próximo Papa. Este já tinha os dias contados. Os dias e os anos passaram e ele, apesar de tudo, resistia e estava sempre a anunciar e a lançar coisas novas.

Por outro lado, os que tinham muita pressa e julgavam que o Papa devia fazer as reformas todas por decreto, sem estar a olhar aos seus deveres de respeito para com os direitos de todas as pessoas, tornaram-se aliados funcionais daqueles que se organizavam para vencer as reformas de Bergoglio. 

2. Em Portugal, mas não só, era estranha a atitude de distância de padres e bispos em relação ao Papa caluniado. Era o cisma do silêncio, de surdos e mudos. De repente, a partir do comunicado exemplar do bispo de Aveiro, António Manuel Moiteiro Ramos, incentivando toda a diocese a um apoio explícito ao Papa Francisco, assim como várias cartas de leigos à própria Conferência Episcopal, esta sentiu que não podia continuar alheia à calúnia. Tarde, mas lá cumpriu o seu dever.

Ao dizer isto, ainda não saí do mundo clerical: Papa, cardeais, bispos e padres. Santo Agostinho[1], no início de um sermão sobre os pastores, já tinha tocado na raiz do clericalismo que envenenou as relações no seio da Igreja, ao dizer: «somos cristãos e somos bispos. Somos cristãos para nosso proveito, somos bispos para vosso proveito. Pelo facto de sermos cristãos, devemos pensar na nossa salvação; pelo facto de sermos bispos, devemos preocupar-nos com a vossa. (…) devemos dar contas a Deus pela nossa própria vida, como cristãos; mas, além disso, devemos dar contas a Deus do exercício do nosso ministério, como pastores.» Inverteu a pirâmide. Antes de ser bispo, é um cristão, mas aqui começam também os equívocos. Cristão parece pouca coisa e padre e bispo, uma promoção na carreira. O importante é chegar a padre e, melhor, chegar a bispo e, se for bispo de Roma, é o Papa de toda a Igreja. Chegou ao topo da carreira. Pura asneira! Ser cristão, isto é, seguidor de Jesus, é a aspiração maior de quem fizer a descoberta do Nazareno. No Baptismo, pela graça do Espírito Santo, o ser humano torna-se membro de um povo sacerdotal, porque participa no sacerdócio de Jesus Cristo. Quando lhe chamam o sacerdócio comum dos fiéis querem dar a ideia de que é um sacerdócio banal, comum a todos. O Novo Testamento (NT) só conhece este sacerdócio. A graça do Espírito Santo significada e acolhida no Baptismo é o que há de mais essencial na lei nova do Evangelho, como lembrou Tomás de Aquino.

Tudo o resto, todas as mediações, sacramentais ou não, são ajudas para o desenvolvimento dessa vida cristã. Nunca será demais repetir. Os padres e os bispos não mandam na Igreja, servem a Igreja. Estão ao serviço das comunidades para que estas percorram na sociedade o caminho aberto por Jesus, que não veio para ser servido, mas para dar a vida. Como sublinha Santo Agostinho, essa é a sua glória. O clericalismo vê tudo ao contrário: o clero é considerado, erradamente, como o mais fundamental na Igreja.

3. Contra esta perspectiva surge uma objecção de peso: se é para servir, não quero ser padre nem bispo e cai por terra a pastoral das, falsamente, chamadas vocações sacerdotais. Não é uma dificuldade desconhecida nas relações entre Jesus e os seus discípulos. Diz S. Marcos que os discípulos não entendiam nada do que o Mestre lhes exigia. Um dia, resolveu tirar a limpo a discussão que ocupava as vocações que arranjara. Perguntou-lhes: o que discutíeis no caminho? Ficaram em silêncio, porque pelo caminho tinham vindo a discutir qual deles era o mais importante. Tiago e João romperam o silêncio: queremos que nos concedas o primeiro e o segundo lugares do grupo. Este sincero atrevimento obrigou o Mestre a uma reunião de emergência, pois os outros dez ficaram indignados por não terem tido a coragem de se anteciparem. Reacção de Jesus: posso perder todas estas vocações, mas não vou alimentar um equívoco. Quem de entre vós quiser ser o primeiro, que seja o servo de todos e fica o problema resolvido. Aconselho a leitura directa e íntegra dos capítulos nove e dez deste evangelista[2].

É normal que certas pessoas, grupos e movimentos desejem que o Papa se cale. Ele não parece disposto a fazer-lhes a vontade. Veremos porquê.

16.09.2018



[1] Séc. V, início do Sermão sobre os Pastores
[2] Mc 9 e 10

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

No abraço de Deus - Pe. José Carlos Mendes

O P. José Carlos Mendes da Costa faleceu na tarde de 4 de setembro de 2018 no Seminário Comboniano de V. N. de Famalicão depois de uma longa luta contra o cancro. Tinha 71 anos.

Quando lhe perguntei que mensagem queria que eu levasse para Moçambique, respondeu: «Diz-lhes que estou em paz com a vida, que estou em paz com Deus.»

Ontem disse-me com voz cansada pelo telefone: «Reza para que eu aceite a vontade de Deus.»

Por vontade expressa o seu corpo foi sepultado no jazigo que os Combonianos têm no Cemitério de São Tiago de Antas.

O P. Zé Carlos nasceu em Oliveira do Hospital a 24 de janeiro de 1947.

Emitiu os primeiros votos no Instituto Comboniano a 15 de agosto de 1970 e foi ordenado padre a 11 de março de 1975.

Desenvolveu o seu serviço missionário em Portugal (Maia, Lisboa e VN de Famalicão), Quénia (1981-1990) e Moçambique (1997-2007).

Alegre, trabalhador, hospitaleiro: eis algumas marcas da sua rica personalidade.

Descansa agora no abraço terno e eterno de Deus. Que a sua partida prematura seja semente de novas vocações missionárias. Ámen.

Leia AQUI os testemunhos em memória do padre Zé Carlos.

José da Silva Vieira – Jirenna

sábado, 8 de setembro de 2018

Uganda, a missão dos Missionários Combonianos no maior campo de refugiados do mundo


Uganda, a missão dos Missionários Combonianos no maior campo de refugiados do mundo



Bidi Bidi acolhe internamente um milhão de refugiados. A experiência do Padre Pasolini cinquenta anos que, há cinquenta anos, atua no país africano









PUBLICADO em 02/09/2018

LUCA ATTANASIO

ARUA



Com cerca de 1,5 milhão de refugiados acolhidos dentro do país, a Uganda conquistou em 2017 o segundo lugar – empatada com o Paquistão – no ranking dos países com maior número de refugiados. Na frente deles, apenas a Turquia (3,5 milhões). De 01 de janeiro de 2018 até à data, nos mesmos meses em que na Itália se temiam invasões fantasmas (8.100 chegadas, 81% menos que no mesmo período de 2017) e que se faziam preparativos para defender a União toda Europeia de improváveis devastações (ao todo, incluindo a Itália, 62 mil migrantes atingiram o território continental, dos quais 16 mil na Grécia e 28 mil na Espanha), centenas de milhares de pessoas desesperadas, em grande parte fugindo do Sudão do Sul, do Congo e do Burundi, atravessaram as fronteiras da Uganda. Superado um período de guerra longo e violentíssimo, este país da África centro-ocidental, com cerca de 45 milhões de habitantes, vive uma fase de relativa estabilidade e destaca-se entre os Estados mais dispostos a acolher. No extremo noroeste do país, no distrito de Yumbe, está localizado o campo de refugiados de Bidi Bidi, o maior assentamento deste tipo no mundo: 282.000 pessoas deslocadas estão acomodadas em abrigos improvisados ​​numa área de 230 quilômetros quadrados.



Como podem tantas pessoas viver assim? Quais são as necessidades e as esperanças? Foi o que perguntámos ao padre Tonino Pasolini, missionário comboniano da diocese de Arua (região onde fica o campo), diretor da emissora Radio Pacis, que desde há muitos anos visita e conhece  Bidi Bidi.

"A minha diocese é a que mais acolheu refugiados no mundo: em dois anos e meio, chegaram mais de um milhão; e a população, que até 2014 era de 1,4 milhão de habitantes, quase duplicou. Dentro do nosso território fica Bidi Bidi, que parece uma cidade. No início, o Unhcr*, que não esperava êxodos tão maciços, destinava cinquenta metros quadrados a cada família. Mais tarde, quando foram atingidos picos de entradas de 6/7 mil pessoas por mês, os espaços familiares foram reduzidos e o campo expandiu-se de forma exponencial".



Padre, o senhor visita regularmente este campo, quais são as condições da vida?

"Felizmente, o Unhcr está fazendo um bom trabalho e a situação no campo é bem gerida. Claro que as necessidades são imensas. A mais imperiosa é a água porque estamos numa zona seca e por isso é preciso transportá-la em caminhões-tanque depois de retirá-la do Nilo. Mas a distribuição, para cerca de 300 mil pessoas, não é certamente simples. Cerca de 82%  da população dos acampamentos é constituída por mulheres e crianças e, naturalmente, a escolarização é um dos maiores problemas a enfrentar. O campo existe desde há dois anos e meio; no começo não havia qualquer possibilidade de atender as crianças. Nos últimos tempos surgiram as primeiras escolas dentro do campo, então esperamos que de agora em diante as coisas melhorem. De qualquer forma, todos querem voltar para casa. Estão exaustos devido aos anos de guerra e  de fome que os forçaram a se mudar de um lugar para outro, mesmo tendo uma casa".



Como reagiu a população autóctone a esta chegada impressionante de refugiados?

"Os ugandeses estão mostrando uma grande capacidade de acolhimento. A Uganda pode realmente andar de cabeça erguida, e eu, que estou há mais de cinquenta anos neste país e me sinto ugandês, estou orgulhoso dos meus concidadãos. Provavelmente todos aqui se lembram dos terríveis anos de guerra durante os quais eram os ugandeses que fugiam e pediam asilo no Sudão ou no Congo; e por isso sabem o que significa sentir-se ou não sentir-se acolhidos. De qualquer modo, deixe-me dizer uma coisa: vejo tanta agitação na Itália e na Europa por causa de alguns milhares de pessoas que pedem asilo e acho que se deveria tomar como exemplo a Uganda, um país que, com todos os seus problemas, consegue ser aberto e hospitaleiro".



Como vocês respondem às necessidades sociais e pastorais dos refugiados?

"A esmagadora maioria dos refugiados Bidi Bidi é sul-sudanesa, portanto cristãos. Mas para nós religiosos, sacerdotes, é muito difícil chegar ao campo, que fica numa área remota e bastante isolada. O Bispo de Arua, Sabino Ocan Odoki, é muito sensível aos problemas dos refugiados e todos nós, incluindo um punhado de missionários que estavam no Sudão do Sul e agora se instalaram na diocese, tentamos fazer o possível para visitar o campo. Consegue-se celebrar a Missa menos de uma vez por mês. O mais positivo é que os fiéis estão se organizando e nomearam uma série de catequistas que atuam como coordenadores pastorais nos campos. Mas nós fazemos outro tipo de trabalho pastoral que é igualmente eficaz...".



Qual?

"Eu dirijo três estações de rádio, chamadas Radio Pacis, que atingem 10 milhões de pessoas no norte da Uganda e chegam até ao Congo e ao Sudão do Sul (onde são falados dialetos comuns ou similares), e que são muito escutadas dentro dos campos. Fazemos transmissões em que participam representantes dos refugiados, da agência, ligada ao gabinete do primeiro ministro, encarregada da situação nos campos, do Unhcr e da Caritas ou World Vision**. Falamos de problemas reais como água, saúde, sementes para cultivo e damos voz às necessidades primárias procurando promover um clima de harmonia e diálogo construtivo. Transmitimos, a cada três horas, programas que falam exclusivamente dos campos de refugiados e das pessoas que lá vivem. Desta forma ajudamos, por um lado os refugiados que podem falar dos seus problemas, por outro os cidadãos ugandeses para que compreendam o sofrimento dos refugiados e sintam empatia. Agora estou procurando patrocinadores para lançar uma quarta estação, localizada a 5 km do Sudão do Sul, que se ocupe especialmente com a questão dos refugiados e que, graças a uma penetração de cerca de 400 km dentro do Sudão do Sul, funcione como um meio de comunicação entre os sul-sudaneses de ambos os lados da fronteira. Não é necessário muito dinheiro, mas o resultado seria muito importante porque pode favorecer a reconciliação, pode fazer ouvir ao mundo a voz dos refugiados. Para nós, a rádio é um verdadeiro instrumento de paz".



* United Nations High Commissioner for Refugees. Em português, ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.

**A World Vision (Visão Mundial) é uma organização não governamental internacional de ajuda humanitária, baseada em princípios do cristianismo e fundada em 1950, na Califórnia.







sexta-feira, 7 de setembro de 2018

MADEIRA E PORTO SANTO - Por mares dantes navegados

"A uma semana da partida para uma nova etapa do projecto “Por mares dantes navegados”, que nos vai levar às ilhas da Madeira e do Porto Santo, por ocasião da celebração dos seis séculos da sua descoberta, apraz-nos registar a grande adesão: vão 55 participantes e, se mais lugares houvesse, mais iriam, pois alguns tiveram de ficar em terra!"   VER MAIS

Eu sou um dos 55....

www.uasp.pt | Faceboock.com/uasp


quarta-feira, 5 de setembro de 2018

PÁROCO DA SARDENHA - Carta ao Papa


de um pároco da Sardenha" A carta do dia: "Caro monsenhor Viganò, eis o pensamento

29/08/2018



Papa Francisco



Publicamos hoje a carta aberta de padre Francesco Murana, pároco de Milis, a monsenhor Carlo Maria Viganò.

***

"Egrégia Eminência,

Escrevo-lhe por meio das páginas de um jornal "de periferia"; essas periferias tão amadas tanto pelo Senhor (que cresceu em Nazaré, ao seu tempo uma aldeia de montanha) quanto pelo atual Pontífice, o Papa Francisco.

Quem escreve é um padre que estudou em Roma e teve muitas oportunidades de encontrar um espaço "confortável e adequado" para se esconder num dos muitos escritórios e dicastérios que o enorme aparato da Cúria Romana oferece.

Mas eu escolhi, já em 1986, vir para as periferias da Sardenha, cortando assim as minhas pernas para qualquer possível "carreira".

Se o Senhor quiser outra coisa de mim, Ele inventará os caminhos para que eu faça outra coisa e em outro lugar.

Nestes anos que passaram (32!) vi acontecer de tudo dentro do clero. Fiquei parado e calado no meu lugar tentando dar. Regozijei-me e regozijo-me porque temos um Papa como Francisco.

Ele é verdadeiramente humano e não é hipócrita (no sentido grego! Não é ator, não faz o papel). É ele mesmo e – por ser sincero - às vezes escorrega para linguagens de pároco e – como eu pároco sou – sinto-me menos sozinho.

Sinto-o vizinho.

Ao contrário, ao senhor, eu o sinto longe.

Além disso, o senhor deveria contentar-se com ter chegado a setenta e sete anos e ter vivido uma vida mais do que confortável e respeitada... Pergunto-lhe: o que mais deseja? Eu sou um padre de aldeia por opção, mas o senhor pensa realmente que não sou capaz de ver nas suas acusações ao Papa Francisco outros motivos e outras intenções?

O senhor acusa o papa Francisco de silêncio.

Mas tem consciência de que pode ser acusado da mesma coisa, visto que acorda agora, depois de cinco anos? Visto que dormiu durante cinco anos, conta-nos agora nas próximas onze páginas o que sonhou? Tenha vergonha.

Diante de todos nós padres, que cuspimos sangue todos os dias, em solidão: vocês brincam de bancar os prelados, servidos e reverenciados em tudo.

Tão viciados pelo poder que não veem mais nada, corroídos pelos ciúmes pelo demasiado tempo de que dispõem, nunca satisfeitos com o que recebem e sempre de olho nos "postos que contam" ocupados pelos outros.

Tenho certeza de que o Papa Francisco é capaz de fritar um ovo e lavar as próprias meias, sozinho.

Do senhor não; do senhor tenho apenas a certeza de que, para conseguir satisfazer um capricho seu, feito "para o bem da Igreja", é capaz de desenterrar o esterco dos outros.



Eu estou na Igreja: o que o senhor fez de bem por mim e pelos paroquianos com quem vivo? Nada. Na língua sarda, o senhor é um "imboddiosu": aquele que pega uma meada alheia e dá nós no fio; obrigando assim a tecedeira a perder tempo para desatá-los e  continuar a tecer ...

O trabalho continuará, mas teremos perdido tempo graças ao ‘imboddiosu’ de plantão.

Graças ao senhor, perdemos – pela enésima vez – cara e tempo.

Ao olhar para o senhor, quero ser outro e em outro lugar".



Padre Francesco Murana, pároco de Milis, diocese de Oristano





terça-feira, 4 de setembro de 2018

A diferença estará (sobretudo) no carácter - DM de 4 Setembro

1. O pecado original da democracia
(dificilmente
corrigido ao longo dos
tempos) é a propensão
para estacionar na «cracia»
(poder) e para quase ignorar
o «demos» (povo).
Este é convocado para
atribuir o exercício do poder.
Depois, resigna-se a suportar
o poder, a sofrer o poder.
2. Sucede que tal percepção
envenena tudo. Muitas
vezes, ficamos só pelas intenções,
pelos enunciados.
O mais elementar conceito
diz que a democracia
é o poder do povo. Olhando,
porém, para a realidade,
o que avulta é que o povo
acaba por ser a maior vítima
da democracia.
José Saramago asseverou:
«Estamos numa situação em
que uma democracia que,
segundo a definição antiga,
é o governo do povo, para o
povo e pelo povo, nessa democracia
precisamente está
ausente o povo».
3. A alternativa não é,
contudo, extinguir a democracia.
A alternativa só pode
ser refundar a democracia,
recentrando-a no povo!
Se a fonte do poder é o
povo, o exercício do poder
devia ser um serviço, uma
missão.
4. Muito se fala no êxito
dos países nórdicos. Apesar
da crise, mantêm-se
na dianteira das escalas do
desenvolvimento.
Frequentemente surgem
apelos para que se importem
os seus modelos, os seus
ideais, os seus programas.
5. Tudo isto é conhecido.
E muito disto é defendido.
Grande parte dos nossos
políticos confessa inspirar-
-se nas ideologias aplicadas
naqueles países.
O que se passa, então, para
que os resultados sejam
(radicalmente) diferentes? Só
encontro uma resposta: o carácter.
E o carácter (dos políticos
e dos cidadãos) não se
pode importar por decreto.
6. Naqueles países, reclamam-
se direitos, mas quase
ninguém foge aos deveres.
A desigualdade entre as
pessoas é quase nula. Os ricos
vivem bem, mas os pobres
também não parecem
muito mal.
Há muita ordem sem haver
demasiada coerção. O
Estado é permanentemente
reorganizado. A cultura é
priorizada.
A corrupção é uma ausência.
Os privilégios praticamente
não existem. Os
deputados e os ministros
recorrem, frequentemente,
aos transportes públicos.
7. Há quem diga que os cidadãos
destes povos são de
uma frieza glacial e pouco
emotivos.
É claro que o paraíso não
mora neste mundo. A perfeição
não é uma oferta da
natureza; é uma constante
aquisição da vontade. E ter
defeitos é sinal de que o caminho
ainda não está totalmente
percorrido.
O certo, porém, é que,
mesmo com reduzida emoção
e alguma frieza, os mecanismos
de solidariedade
funcionam melhor a norte
do que a sul. E o Estado Social,
que nós sentimos tremer,
não dá sinais de vacilar.
8. Curiosamente, a ausência
de alternância política,
que nós registamos,
também se verifica por lá.
Com uma diferença: é que
lá, mesmo quando mudam
os governos, os direitos não
ficam em causa; já entre nós,
por cada alternância que surge,
as conquistas parecem ficar
em risco.
Aqui, à direita e à esquerda,
não parece haver
alternativa à austeridade.
Nos países nórdicos, à esquerda
e à direita, não parece
haver alternativa ao
desenvolvimento!
9. Muitos pensarão que
falar disto é pura demagogia.
No fundo, o que não se
quer é mudar. Nem mudar
a mentalidade, nem a prática
governativa, nem a conduta
cívica.
É por isso que nos limitamos
a sonhar com o sucesso
dos outros. E a lamentar,
persistentemente, o nosso
endémico atraso!
João Teixeira