1. Há dias, um
amigo dizia-me, com ar sentencioso: a vida de uma pessoa, comparada com a
duração do mundo, não é apenas breve, é insignificante. Vós, os católicos, tendes
a mania de negar a evidência, inventando a ideia de vida eterna quando, de
facto, não passa de um fruto enganador da megalomania do desejo. Para não
entrar numa discussão estéril, citei-lhe uma frase de Manuel da Fonseca, mais
radical e evidente: isto de estar vivo,
ainda vai acabar mal!
A conversa tinha começado pelos rumores em torno do Sínodo
dos Bispos. Segundo este amigo, está a preparar-se a primeira grande derrota do
Papa Francisco. O seu raciocínio era simples: os bispos de todo o mundo dispõem
de um passado e do Direito Canónico que lhes oferece a ilusão - assim como à
Cúria vaticana - de mandar no imaginário de uma realidade universal, com uma
longa história de muitas configurações culturais e religiosas: a Família. Para
eles, as normas contam mais do que a felicidade ou infelicidade das pessoas e
dos casais. O Papa Francisco, pelo contrário, acordou para as exigências do
humanismo cristão, mas não conseguiu acordar os outros bispos do sono
dogmático.
Anselmo Borges fez
muito bem em apresentar um artigo de J. M. Castillo que mostra e documenta que
não existe nenhuma declaração dogmática que imponha a indissolubilidade
absoluta do casamento[i]. Nestas crónicas,
notifiquei, desde 1993, as posições que justificavam a possibilidade do acesso
dos divorciados recasados à Eucaristia,
assim como a discussão aberta em torno da indissolubilidade do Matrimónio que o
Direito Canónico impôs[ii].
Além disso, se a vida das pessoas é muito breve, a ética
inter-geracional não pode pensar apenas em termos do tempo curto das pessoas,
mas insistir no tempo longo: o mundo não começou agora nem vai acabar hoje. Não
é saudável deixar para o futuro o que já é possível resolver. A espiritualidade
do provisório, do pão nosso de cada dia, é parecida com o dito do poeta: não há
caminho, o caminho faz-se caminhando. De qualquer modo, o Evangelho de Jesus
Cristo segue a lei do alívio dos oprimidos, não a atitude farisaica que carrega
os abatidos sempre com mais pesos.
2. Ao que parece,
há agitações no Sínodo e fora do Sínodo, com ameaças de cismas, de cisões na
Igreja e não sei que mais!
Parece-me que se está a esquecer algo de muito elementar:
estamos perante o Sínodo dos Bispos sobre a Família, não do Sínodo das Famílias
traçando orientações para a sua caminhada segundo as diferenças de continentes
e culturas. Este virá a seguir. Agora estamos perante o Sínodo dos bispos
celibatários, com responsabilidades inalienáveis na Igreja universal,
confrontando pontos de vista antropológicos, cristológicos e pastorais para
oferecerem um bom contributo para a felicidade das famílias. Não alimento
sonhos delirantes nem visões apocalíticas sobre esta grande reunião.
Procurou-se esquecer o Vaticano II (1962-1995) que foi a
grande revolução católica do séc. XX. Agora, estamos a colher as consequências
desse vazio. Foram várias gerações que o não aprofundaram e que ouviram, a
vários níveis, as vozes que apresentaram a sua memória como uma desgraça para a
Igreja. Quando se julgava que estava enterrado para sempre, surge o Papa
Francisco estragando esse cálculo.
Muitos queixam-se de que é o no seio do clero mais novo que
surgem os padres mais reacionários. Talvez. São, porém, facilmente cooptados
pelos movimentos e grupos que desejam neutralizar o impacto Bergoglio, a nível
interno da Igreja e da sociedade. São manipulados que tentam manipular.
3. Em vez de
perder tempo com as atoardas sobre os possíveis cismas na Igreja, devido à
livre discussão que o Papa Francisco introduziu na sua orientação pastoral,
talvez fosse melhor começar a pensar e a desenhar o próprio Sínodo das
Famílias, segundo os continentes geográficos e culturais, a partir das
paróquias, dos movimentos, dos casais, de forma inclusiva, em termos de
caminhada, mais ou menos longa, segundo os contextos. Os Bispos têm mensagens e
orientações para as famílias, mas não serão as famílias que vivem experiências
de êxitos e fracassos matrimoniais a poderem apontar caminhos possíveis para a
felicidade familiar?
Várias vezes nestas crónicas, destaquei a falta de senso
quanto ao acesso dos divorciados recasados à Comunhão Eucarística, cuja
simbólica é uma ceia. Como é possível convidar uma pessoa para jantar e
dizer-lhe: vem, mas não podes comer!? Além disso, recomenda-se a estes pais -
cuja norma os impede de comungar - que preparem e acompanhem a comunhão dos
filhos. De repente, a criança pode pensar: mas a comunhão será só para
crianças? Aí começa a debandada.
18.10.2015
[i] Anselmo Borges, Casamento católico: indissolúvel? DN 10.10.2015; José Maria
Castillo, El Papa puede admitir a la
eucaristía a los divorciados vueltos a casar, Religión Digital, 26.08.2015
[ii] Frei Bento Domingues, A Humanidade de Deus, p. 203-206, 1995; As Religiões e a Cultura da Paz, p 88-91, 2002. Cf. Fidélité et Divorce, Rev. Lumière &
Vie, n.206, 1992 ; Francisco Gil
Delgado, Divórcio en la Iglesia. História y Futuro, 1993; Michel Legrain, Os
Divorciados e a Igreja, 1995
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