1. Segundo
os evangelhos sinópticos[1],
Jesus não deu nenhum contributo para o avanço das ciências, nem revelou um
grande pendor metafísico, embora não faltem investigadores que, hoje, o reconheçam
como um filósofo.
O facto é que não deixou nada escrito. A sua breve
intervenção pública acabou num fracasso tão vergonhoso, que ninguém poderia descobrir
alí qualquer caminho de futuro. Aconteceu que os seus seguidores, depois de várias
crises, não recalcaram a sua memória. Alguns judeus continuaram a ver, naquele carpinteiro
de Nazaré, o messias esperado; outros recusaram-no, o que nada tem de
surpreendente. Passados dois mil anos, Daniel Boyarin, conhecido especialista
do Talmude, observa que se há alguma coisa que os cristãos sabem bem a
propósito da sua religião é que ela não é
o Judaísmo. Se há alguma coisa que os judeus sabem bem a propósito da sua
religião é que ela não é não o
cristianismo. Segundo esse professor de Berkeley, reexaminando as suas
fronteiras, nem sempre foi assim nem tem que continuar assim[2].
Mais ainda: certos judeus que o tinham considerado um traidor, como aconteceu com
Paulo de Tarso, acabaram por descobrir que Jesus era e é o Cristo de uma
dimensão tal que não cabia nos horizontes de um só povo. As suas cartas são
reconhecidas como os primeiros escritos cristãos. São textos de interpretação
da significação de Jesus Cristo nas experiências de transformação da vida das
comunidades cristãs.
Nas famosas Epístolas
paulinas, o Jesus pregador da vinda
do Reino de Deus reaparece como Cristo pregado,
esperança da ressurreição e fonte divina de salvação universal, cósmica.
Os fogosos escritos de S. Paulo, deslumbrados pela fé
no Ressuscitado, não apagaram, no entanto, a memória “histórica” de Jesus.
Dispomos de quatro narrativas, com objectivos,
origens e estilos diferentes, mas com o mesmo assunto: Jesus de Nazaré, o amado
de Deus cravado na Cruz e que a morte não pode conter. Os três Evangelhos sinópticos
insistem em Jesus pregador da proximidade do Reino de Deus. Gosto de ler esses
textos imaginando Jesus a contar histórias e a participar em acontecimentos
subversivos.
Os historiadores preocupam-se em destrinçar o que se
pode dizer de Jesus observando o método histórico e o que deve ser atribuído às
reconstruções feitas a partir da fé das comunidades cristãs. Os textos dos
Evangelhos testemunham de Jesus Cristo vivido nas antigas e novas experiências
humanas das comunidades. Não cortam nem com a história nem com a realidade
presente. As Escrituras crescem com os seus leitores. O real não é só o
comprovadamente histórico.
Quando os pregadores repetem as leituras bíblicas da
missa, atraiçoam a sua missão. Não fazem a ponte - nem pedem para ser ajudados
a fazer essa ponte - entre o passado e a nossa actualidade tão complexa.
2. Neste
Domingo, é proclamada a parábola do Filho
Pródigo[3].
Espero que nenhum pregador a vá apresentar como uma boa prática a
recomendar aos pais e educadores. Seria um desastre. Compensar e festejar os
mais mal comportados!? Mas não há nada como ler essa bela narrativa de um filho
estroina, um pai que perde a cabeça e do filho ajuizado, completamente
indignado.
A linguagem das parábolas não é a dos catecismos nem
a dos manuais de boas maneiras. Destina-se, no caso dos Evangelhos, a subverter
as representações que temos de Deus e da religião. A nossa tendência é fazer um
Deus à imagem dos nossos interesses. O que as parábolas dizem, sem dizer, é que
a lógica de Deus é muito diferente da nossa mediocridade e justiça mesquinha.
A parábola não ensina, dá que pensar. Liberta a
imaginação. Não nos deixa acorrentados às religiões que herdámos. A fé cristã,
ao proclamar, na Eucaristia dominical, a parábola do Filho Pródigo vem dizer: não estraguem o Domingo! É a festa das
pessoas em processo de transformação. A Eucaristia - o Papa Francisco tem
insistido muito neste ponto - não é um prémio, uma recompensa para os
bem-comportados, segundo um código de moral convencional. É um convite para a
festa, para a festa de Deus revelada nos gestos e nas palavras de Jesus.
3. Segundo
os Evangelhos, o Mestre revelou-se
um grande contador de histórias subversivas ou consoladoras. Reconstruidas
segundo o que era importante para as comunidades, comunidades criativas, fiéis,
mas não herdeiras da repetição.
Agora, quem conta histórias na missa? Quando é que se
reúnem os participantes, por grupos, para seleccionar, em correlação com os
Evangelhos, as histórias mais significativas e mais interpelantes, no coração
da nossa história?
Os cristãos juntam-se para um jantar de festa. Não é
para dizer que está tudo bem, pois
sabemos que a criação inteira geme e sofre as dores de parto até ao presente[4], mas é por causa da alegria que vivemos
e lutamos para que ela seja completa[5].
06.03.2016
Sem comentários:
Enviar um comentário