terça-feira, 26 de abril de 2016

A ALEGRIA DO AMOR (II) Frei Bento Domingues, O.P.


1. Quando tudo parece sem remédio, surge o Papa Francisco a dar uma estranha solidez à esperança, a virtude das situações difíceis. É normal que nem todos vejam assim os seus gestos. Mesmo dentro da própria Igreja, existem grupos, movimentos e personalidades que se opõem à sua orientação, usando diversos métodos para neutralizar a sua influência. A prática mais corrente é a da resistência passiva. Fazem de conta que as suas iniciativas, convocatórias e tomadas de posição não têm nenhuma importância. As pessoas com responsabilidades diocesanas e paroquiais sabem que as rotinas bastam para barrar o caminho a propostas desestabilizadoras.

 Outro método frequente é a desqualificação de Bergoglio. O que este argentino propõe de mais acertado já estava dito pelos seus antecessores. Quando procura ser original, não passa de um demagogo do terceiro mundo. A sua perspectiva social, condensada em três T- trabalho, tecto (casa) e terra –, apresentada no Vaticano, ao acolher os Movimentos Populares[1], como anseios e direitos sagrados de qualquer família, é um exemplo de pregação irresponsável. O jesuíta, C. Theobald, mostrou, pelo contrário, a originalidade e a pertinência do estilo concreto do Papa Francisco, atento à existência social infinitamente diversa e plural[2].

Enquanto ficava por aí, tinha de facto, muitas passagens da doutrina social da Igreja a seu favor. Agora, tudo se agravou. Em nome de ajustamentos pastorais, a Exortação A Alegria do Amor, deu instrumentos àqueles que procuram destruir a concepção católica da família.

Compreendo que o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o Cardeal Ludwig Müller, viva momentos atribulados. Tinha revelado publicamente que se sentia investido da missão de estruturar teologicamente o pontificado do Papa Francisco, pois este não era um teólogo profissional. Não sei se por vaidade ou megalomania, lutou até à última para desautorizar as posições que acabaram por vingar na Amoris laetitia. Paradoxalmente, é este documento que exige revisões no ensino da teologia moral, denunciando a moral fria de escritório[3]. Terá ele a humildade suficiente para repensar a sua teologia algo enfatuada?

2. O Movimento Internacional Nós Somos Igreja reconhece que esta Exortação Apostólica introduz uma nova época na ética sexual, na linha do Concílio Vaticano II. Agora, são essencialmente as igrejas locais, incluindo as ciências teológicas e todos os fiéis, que têm a obrigação de desenvolver as linhas gerais, as ideias e as iniciativas básicas definidas por Francisco. Quando afirma que nem toda a discussão doutrinária, moral ou pastoral deve ser decidida com uma intervenção do magistério (nº 3), o Papa Francisco devolve à Igreja a liberdade de diálogo e de desenvolvimento da doutrina, que muitos papas anteriores restringiram em excesso. Explicitamente, o Papa também exige a reflexão dos pastores e teólogos, sobre as ciências teológicas[4].

Bergoglio reparte as responsabilidades pastorais, precisamente porque todos somos Igreja. Ele convoca, não substitui, mas dá o seu contributo e, neste caso, incontornável. Fala da alegria do amor com muita alegria e pouca solenidade. Sabe que hoje muitos noivos escolhem para a celebração do casamento o hino de S. Paulo[5] à caridade. Como esta é confundida com uma esmola, passou a ser traduzida por amor e o Papa embarcou nesta opção. As leituras na missa têm tão pouca sorte, que a homilia ou as repete ou interpreta o que ninguém ouviu. Como este pontífice tem muita experiência dessa desgraça, resolveu comentar este hino, estrofe a estrofe. Confesso que não conheço nada de mais adequado para os CPM[6] e os retiros de casais.

3. O que será que permite a este Papa tanta desenvoltura humana, pastoral e teológica ao relacionar-se com as crianças, os idosos, os doentes, os sem-abrigo, os refugiados, inscrevendo tudo em responsabilidades locais e globais?

Se não me engano, é devido ao amor que move o seu pensamento, os seus passos e as suas mãos. Se fosse apenas um conhecimento científico da realidade, este criava, automaticamente, uma distância analítica, especulativa, como o daqueles que sabem tudo, mas não mexem uma palha. A sua teologia é unitiva: é um conhecimento que nasce da alegria do amor e alimenta a investigação contínua e concreta. Não é daqueles que fazem um curso de teologia, ou até um doutoramento, e ficam dispensados de pensar e investigar até ao fim da vida. Como nada os surpreende, também não surpreendem ninguém.

Na apresentação do documento final dos movimentos que se dedicaram a Escutar a Cidade[7], tive a alegria de ouvir a teóloga Cátia Sofia Tuna, cruzando experiência social e cultural, prática teológica e espiritualidade, apontando caminhos a percorrer e metas a atingir, para escutar sempre a voz de Deus, nas vozes do mundo.



24.04.2016





[1] Encontro Mundial dos Movimentos Populares, 28. Outubro. 2014
[2] L’enseignement social de l’ Église selon le pape François, NRT 138 (2016) 273-288
[3]  Amoris laetitia, n.311-312
[4] Comunicado de imprensa do IMWAC, Munique / Roma, 8 de Abril de 2016
[5] 1 Cor 13, 1-13
[6] Cursos de preparação para o matrimónio
[7] Contributos para o Sínodo da Diocese de Lisboa

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