1. “Não é
necessário acreditar em Deus para se ser boa pessoa. Em certo sentido, a ideia
tradicional de Deus não está actualizada. Pode-se ser espiritual, sem se ser
religioso. Não é preciso ir à Igreja e dar a esmola. Para muitas pessoas, a
natureza pode ser uma igreja. Na história, algumas das melhores pessoas não
acreditavam em Deus, enquanto alguns dos piores actos foram cometidos em Seu
nome.”
Estas declarações, atribuídas a este Papa, circulam
na internet, em forma de postal. Talvez
não tenham sido ditas assim de seguida. Parecem-me um arranjo de várias declarações.
Servem aos seus adversários para dizerem que temos um Papa a difundir a
indiferença religiosa; para os seus admiradores, ele é tão firme e límpido na
sua fé cristã, que não a confunde com o sectarismo ideológico ou religioso. A
verdade e o amor venham de onde vierem, são fruto do Espírito Santo. Vejamos.
Não se pode esquecer a declaração de S. João: Nunca ninguém viu a Deus[1].
Jesus, em tudo o que fez, disse e sofreu, mostrou que Ele é um amor infinitamente
mais misterioso do que poderíamos imaginar. Devemos, no entanto, como dizia S.
Tomás de Aquino, procurar saber como Deus
não é para não cair na tentação de O encarcerar nos nossos conceitos e
favorecer o ateísmo.
O amor que
Deus nos tem não depende nem dos nossos méritos, nem das nossas catalogações religiosas,
morais ou ideológicas. Não pode ser privatizado. Quem se atreve a dizer que
Deus é nosso, da nossa Igreja e de mais ninguém, perdeu o sentido do ridículo.
As metáforas que forjamos acerca da divindade
precisam de ser revistas, pois podem envelhecer e morrer. Metáforas mortas não ajudam
a viagem mística, a pregação do Evangelho da alegria nem a descoberta de novos
caminhos da graça divina.
Como observa o teólogo Tomáš Halík[2],
que nos próximos dias estará em Portugal, Deus vem ao nosso encontro mais como
pergunta do que como resposta. A sua pergunta é inquietante: “que fizeste do
teu irmão?” Toda e qualquer religião, que não seja purificada pelo alcance
universal desta pergunta, absolutiza o desejo de dominar em “nome de Deus”. Como
diz C. S. Lewis, é a suprema perversão: de
todos os homens maus, os religiosos são os piores.
2. Chegados
a este ponto, perguntar-se-á: mas que tem isto a ver com os Sínodos dos Bispos,
acolhidos e interpretados na Amoris
Laetitia? Eles não se reuniram para discutir a ideia de Deus! Nesta época
de aceleradas mudanças sociais e culturais, o que está em causa são as formas
de ajudar as famílias a redescobrirem hoje a alegria do amor, pois tudo o que
temos no Novo Testamento é para que a
nossa alegria seja completa[3].
A pastoral da Igreja é para que todos
tenham vida e a tenham em abundância[4].
No Comunicado de Imprensa do movimento Nós Somos Igreja – já o lembrámos no
passado Domingo - o Papa entregou o
futuro das famílias aos bispos, aos teólogos,
às Igrejas locais, mas não concluiu: tivemos um tempo de debate em que os
Bispos, depois de consultarem as suas dioceses, disseram o que tinham a dizer. Agora
acabou. Apliquem o que foi decidido!
Puro engano.
O Papa Francisco não se contentou com recolher e transmitir o que recebeu dos dois
Sínodos, acrescentando alguns retoques. Com esta Exortação alargou, de forma
activa, o Sínodo a toda a Igreja. Inaugurou uma nova época de responsabilização
das Igrejas locais, não só dos bispos, pois a Igreja local não se confunde com
os bispos e as cúrias diocesanas. O cap. VIII exige a mobilização de todos os
católicos para enfrentar os novos desafios, vendo, ouvindo e acolhendo os
contributos das outras Igrejas cristãs, das outras religiões e de todas as
pessoas de boa vontade, para agir com sabedoria e misericórdia.
3. Na Exortação A Alegria do Amor, Bergoglio explicitou a lógica da sua orientação:
“O Sínodo referiu-se a diferentes situações de fragilidade ou imperfeição. A
este respeito, quero lembrar aqui uma coisa que pretendi propor, com clareza, a
toda a Igreja para não nos equivocarmos no caminho: Duas lógicas percorrem toda
a história da Igreja: marginalizar e reintegrar. (...) O caminho da Igreja,
desde o Concílio de Jerusalém em diante, é sempre o de Jesus: o caminho da
misericórdia e da integração. (...) O caminho da Igreja é o de não condenar
eternamente ninguém; derramar a misericórdia de Deus sobre todas as pessoas que
a pedem com coração sincero (...). Porque a caridade verdadeira é sempre
imerecida, incondicional e gratuita. Por isso, temos de evitar juízos que não
tenham em conta a complexidade das diversas situações e é necessário estarmos
atentos ao modo como as pessoas vivem e sofrem por causa da sua condição“.[5]
Já não há muitas famílias católicas quimicamente puras. Que espiritualidade
cultivar, nestas situações complexas, para encontrar os caminhos da alegria do
Amor?
01.05.2016
Sem comentários:
Enviar um comentário