segunda-feira, 23 de maio de 2016

Ecos da Guiné: Nª Sª de Fátima! 14 de Janeiro – promessa …

E se nos puséssemos a imaginar que algures, tão longe, um longe tão inóspito, havia uma porta de lata velha, ferrugenta, com uma inscrição a tinta branca?… e se fôssemos observar de perto a ver a inscrição que, a tinta branca meio delida, mais parece cal, enche literalmente a porta por inteiro?… e se, com atenção, decifrássemos as palavras? E se viéssemos a saber que a casa é do chefe da aldeia, que dá pelo nome pomposo de Domingos Alvarenga? E não é ali ao virar da esquina, num talhão qualquer. É nos confins do mundo mais desconhecido. Por acaso é neste mundo, mas parece outro…
Partimos, primeira carrada, (barcada, porque o barco é o pequeno para poder penetrar em meandros quase impossíveis) percorremos as águas mansas duma baía, estávamos em maré baixa a encher lentamente, havia que escolher o trajecto, dados os perigos de encalhar nalgum dos muitos baixios, aqui e além assinalados com varas espetadas adrede, passámos certas margens perigosas, num pequeníssimo areal espreguiçava-se um crocodilo, aves passavam pachorrentas no silêncio duma mata sem sobressaltos, em trinados e cacarejos a ecoar no interior duma selva frondosa, circuito quase perigoso a circular por entre as ramagens que se espreguiçam na água, (a alimentar as ostras nelas dependuradas), por canais minúsculos (que destreza a dos marinheiros!), quantas vezes chamados à atenção para que as braças dos arbustos não nos raspem na cabeça, com muita paciência e muita calma, em meandros quase impenetráveis, eis uma clareira de cascalho e lama. Era uma espécie de charco, fétido e mal cheiroso. Pés na água, na lama, outros às costas dos guias serviçais, penetrámos num trilho de mata densa. Baga-baga aqui, baga-baga mais além, enfronhámo-nos por ali dentro em trilhos primitivos, uma clareira ou outra, provável campo de actividades para a pequenada, cruzámos com dois jovenzitos que carreavam sacos de carvão para carregamento, uma vitela presa por uma corda nem se espantou com tanta gente, entrámos na tabanca Ambuduco. Recebeu-nos uma chusma de garotada, em liberdade de intervalo na escolaridade que, ali ao lado, um professor paciente exercia a arte. Conversa amena em português lídimo como chefe da comunidade, Domingos Alvarenga, bom conhecedor de Lisboa que às vezes visita, pediu informações e recebeu-nos amavelmente à porta de sua casa, a tal porta que, na sua simplicidade e pobreza, ostenta um dístico deveras curioso: JESUS AMA-TE, ANUNCIO CRISTO SINHOR. E, enquanto chegava a segunda carrada (barcada) ali nos entretivemos a falar, a procurar sombra debaixo dos frondosos e imponentes mangueiros, a entabular conversa com este e aquele, enquanto alguns, para gáudio da pequenada iam atirando ao ar uns rebuçados… Era ver a garotada a lançar-se à poeira para ver quem mais colhia. Foto daqui, foto dali, chegam os outros e fomos à capela para celebrar com eles.
A campainha tocou. Era uma sineta, digna dos Jerónimos de Braga, dependurada dum ramo, pequena, é certo, mas suficiente para congregar os cristãos da aldeia, sobretudo jovens. O crioulo do catequista, o Adelino, magnífico no seu português e certamente também na língua autóctone, assim  imagino, traduziu uma emoção grande, de presidência e aniversário, numa mensagem simples de engrandecimento da fé que tão longinquamente dá “meças” a quantas “fés” e comunidades possamos imaginar nesta Europa civilizada. Que ambiente! Que alegria! Que mensagem de espiritualidade, pura e virgem! Muitos foram chegando, outros espreitavam de fora pelas janelas, recinto cheio, de gente e de vida. Orago da capela? Nem imagem existia! Nenhuma! Foi decretado (sem decreto oficial, evidentemente): “Nossa Senhora de Fátima! Eu mesmo mando (ou trago) a imagem”! Em segunda edição, cumpriu-se a promessa mas infelizmente sem irmos à tabanca entregar a imagem, por impossibilidade de viagem. Celebração digna na praia de Orango, com a recomendação e entrega da imagem ao Catequista.
A tarde, primeiro religiosa, depois cultural e turística, prolongou-se. Guerreirinhos, pequenos, mas ágeis, com penachos e vestidos a rigor, num ritmo estonteante, em batidas de pés na poeira imensa do largo, em zigue-zague de atitudes marciais, maneirismos e jogos de corpo, que beleza de “performance” primitiva, indígena… fomos mimoseados com um espectáculo fora do comum, ao ritmo de tambores de pele, habilmente manuseados em sintonia. Claro, as palmas não desmereceram de tanta beleza! Aplauso unânime e sincero. É espectáculo preparado para turistas de Orango. É oficial.
Apressava a ida. O primeiro grupo seguiu enquanto o segundo ficou a saborear mais uns números. Foi mais um dia de actividade salutar e lazer repousante.
Uma manhã de relaxe, à espera da maré alta para, de regresso, rumar a Bissau. Com mais umas horas de planura ao som monótono do roncar dos motores, saudações efusivas de barco para barco, eram dois, quatro horas passadas neste ram-ram, abordámos a praia (?) de Quinhamel, lodo e mau cheiro, que até deu para um escorregão na lama, uma molhadela inoportuna a enroucar o nosso ansião Luciano Guerra, chegámos a Bissau, a que dedicámos o 2º fim de semana da nossa peregrinação.
AO (Alferes capelão)

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