1. Uma senhora
inglesa confessava a uma amiga teóloga: Quando
vou à Igreja sinto que tenho de deixar lá fora o meu cérebro. Não é caso único.
Em vários documentos do Vaticano II, nomeadamente na Constituição sobre a
Igreja[1],
a participação na Eucaristia é fonte e
cume de toda a vida cristã. No documento da V Conferência do episcopado
latino-americano[2],
afirma-se que “todas as comunidades e grupos eclesiais darão fruto na medida em
que a eucaristia for o centro da sua vida e a Palavra de Deus for o farol de
seu caminho e da sua actuação na única Igreja de Cristo[3]”.
Por falta de presbíteros, só no Brasil, 70% dos católicos estão privados da
Eucaristia. Mas se na América Latina, a situação é difícil, que dizer de
Africa? Na Europa, a situação é caricata. Os padres são cada vez menos e correm
de um lado para o outro, não só aos Domingos, mas também nos dias de semana, dados
os constantes pedidos de Missas. Decidiu-se, no pontificado de João Paulo II,
que as mulheres, por não serem homens, não podem ser chamadas ao presbiterado.
Por outro lado, confessa-se que não existe nenhuma objecção à ordenação de
homens casados, mas o resultado é igual ao das mulheres: a seara é grande, mas
os feitores recusam ao Senhor da messe a hipótese de chamar e diversificar mais
operários.
Por razões de teologia incompetente, de miopia pastoral, de confiança cega
em grupos e movimentos pseudo-salvadores,
a situação eclesial agrava-se de dia para dia.
2. Até agora, tem havido bastante má vontade do comando
masculino das instituições romanas e episcopais em reconhecer o papel das
mulheres na Igreja. Não foi difícil designar uma mulher como mãe da Igreja, a
mãe de Jesus. Nada de espantar, a ladainha dos atributos de Maria dá para isso
e muito mais. Há mulheres canonizadas e está reconhecido que algumas têm muito
a ensinar ao conjunto das comunidades cristãs. Foram declaradas Doutoras da
Igreja. Excepções…
Os textos do Novo Testamento foram, provavelmente, escritos por homens. Apesar
do seu normal machismo cultural e religioso, não puderam evitar a presença actuante
das mulheres que tiveram um comportamento muito superior ao dos discípulos.
Estes manifestaram sempre a sua vontade de poder e, quando viram o Mestre crucificado,
abandonaram-no. Pelo contrário, tanto os Evangelhos sinópticos como o de João
manifestam que elas, do começo ao fim, seguiram Jesus com dedicação extrema –
financiaram o projecto - sem nunca pedirem nada em troca[4]. Tanto a Samaritana como
Marta, irmã de Lázaro, fizeram declarações de fé muito mais profundas e
abrangentes do que a de Pedro. As mulheres foram as primeiras testemunhas da
ressurreição e Maria Madalena foi constituída por Jesus como a apóstola dos apóstolos, como dirá S.
Tomás de Aquino.
3. O Papa Francisco, como já revelou em várias
circunstâncias e textos, anda empenhado em reconhecer a urgência e o alcance do
papel cristão das mulheres na Igreja. Não o faz para entrar na onda importante
dos movimentos feministas. Para ele, isso é pouco. Bergoglio tem uma razão mais
simples e fundamental: não há dois
baptismos, um para homens e outro para mulheres. Não há uma identidade cristã
própria dos homens e uma, secundária, de mulheres. Não existe apartheid sacramental, mas dão-nos a
ideia do contrário. Como dizia uma criança de 12 anos: parece-me a mim que, de
facto, Deus gosta de mulheres, mas dizem-me que Deus prefere os homens. É o
resultado da triste imagem oferecida pelos ministérios
ordenados!
O terreno está armadilhado contra as mulheres[5]. A restauração das diaconisas não me parece que vá ser
difícil. O Papa deseja ir mais longe. Acaba de abrir uma grande janela, ao ver
tantas portas fechadas. Pela sua expressa vontade, a celebração litúrgica de
Santa Maria Madalena, a 22 de Julho, passou a figurar, no Calendário Romano
Geral, ao mesmo título que as festas dos apóstolos, uma forma de evidenciar a
missão e exemplo desta mulher na Igreja. Isto pode parecer um bocado ridículo:
quase dois mil anos, para reconhecer que, afinal, Jesus não estava assim muito
errado: fazer de uma mulher a evangelizadora dos evangelizadores, a apóstola
dos apóstolos. Quem pode o mais, como não há-de poder o menos, ser chamada a presidir
a uma celebração da Eucaristia?
19.06.2017
[4]
Lc 8, 2s, financiam o projecto de Jesus; Mc
15, 40s e Mt 27, 56, seguiram Jesus até à cruz. Se nos Sinópticos o
Ressuscitado aparece primeiro às mulheres, que devem anunciar aos discípulos o
ocorrido, em João, 20, 11-18, é M. Madalena – não Pedro! – que recebe a missão
de ser a apóstola dos apóstolos.
[5]
Cf. A. Cunha de Oliveira, Jesus de Nazaré e as mulheres. A propósito de Maria Madalena, Angra
do Heroísmo, 2011
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