quinta-feira, 30 de março de 2017
A família continua a ser uma boa nova para o mundo
"O Papa sugere às famílias de se perguntarem várias vezes se estão a viver a partir do amor, para o amor e no amor. “Isso significa concretamente: doar-se, perdoar-se, não perder a paciência, antecipar o outro e respeitar-se. Como seria melhor a vida familiar se a cada dia fossem vividas três palavras simples: permissão, obrigado e desculpa....""
segunda-feira, 27 de março de 2017
UAASP- IV forum- Fátima: dias 1e2 de abril
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domingo, 26 de março de 2017
UMA DISCUSSÃO BRAVA SOBRE A CEGUEIRA Frei Bento Domingues, O.P.
1. Já fui solicitado, várias vezes, para acompanhar
peregrinações à Terra Santa. Nunca me foi possível e nunca fiquei com muita pena.
Não me desagradaria ter os olhos povoados com esses lugares. Até teria algumas
vantagens para ler os Evangelhos e conhecer a geografia das viagens
missionárias de S. Paulo. Não tenho nada contra o chamado ”turismo religioso” e
os seus negócios. Negócio é negócio e pode dar trabalho honesto a muita gente.
Confesso
que a minha branda alergia resulta da própria leitura dos atrevidos textos do
Novo Testamento acerca do culto, dos seus tempos e lugares sacralizados.
No passado
Domingo, S. João não deixou escapar absolutamente nada[i].
Desvalorizou, de forma radical, a importância dos templos: o de Jerusalém, dos
judeus, e o de Garizim, dos samaritanos. A água do poço do patriarca Jacob não
tem mais virtudes do que qualquer outra água. A razão teológica que Jesus apresenta
não deixa margem para qualquer deriva: “Está a chegar a hora – e é agora – em
que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade. São estes
adoradores que o Pai procura. Deus é espírito. Os que o adoram têm de o adorar
em espírito e verdade”.
A
samaritana ficou muito espantada com esta desenvoltura de um judeu que se
sentia bem a conversar com ela, a herética e, aparentemente, sem se importar
muito com a sua abundância de maridos. Percebeu que estava ali alguém que via o
mundo às avessas. Para ela era um profeta de tempos novos.
Ficou
completamente seduzida. Deixou o seu cântaro e foi à cidade dizer às pessoas:
vinde ver um homem que me disse tudo quanto eu fiz! Não será ele o Cristo?
Saíram da cidade e foram confirmar.
Aqui, o
narrador introduz um parêntesis. Os discípulos, que tinham ido comprar
alimentos, não perceberam nada do que se estava a passar e não viram com bons
olhos o Mestre a conversar, a sós, com uma mulher e, para mais, samaritana. A
situação era duvidosa para o bom nome de ambos.
O Mestre, muito
cansado, não mostrou interesse nenhum pelo almoço, o que levantou suspeitas aos
discípulos. De facto, Cristo já estava noutro horizonte. Naquele encontro que
os discípulos não perceberam, viu a revelação de um Deus que não é só para um
povo escolhido: levantai os olhos e vede
os campos como já estão maduros para a ceifa e os discípulos iriam ter a
alegria de colher o que outros semearam.
Para os
costumes da época, era estranho que os samaritanos se deixassem conduzir por
uma mulher. Ficaram tão entusiasmados com o encontro que ela lhes proporcionou
que pediram ao hóspede para ficar com eles. No final desabafaram com a samaritana:
“ já não é pelas tuas palavras que acreditamos; nós próprios ouvimos e sabemos
que este é verdadeiramente o salvador do mundo”.
É a
primeira vez que esta declaração aparece no Evangelho de João. Nós somos
herdeiros de uma fórmula que, por mau uso de séculos, parece gasta. No entanto,
foi na Samaria que Jesus saltou o muro que separa os salvos dos perdidos, os
bons dos maus, os de Deus e os do maligno. De uma fronteira de inimizade, entre
judeus e samaritanos, fez um só mundo, salvo do ódio e do desprezo.
2. Para este Domingo foi escolhida a
narrativa da cura de um cego de nascença[ii].
É uma controvérsia muito longa, muito estúpida e muito cega. Tentaremos,
depois, mostrar a sua actualidade. Antes, importa ver o ridículo. Jesus, ao
passar, viu um homem cego de nascença. Os seus discípulos reproduziram a
ignorância generalizada: Rabi, quem
pecou, ele ou os seus pais para que nascesse cego? Jesus não tinha resposta
para uma questão idiota. Tudo era visto como prémio ou castigo. Quem estava
bem, era amado de Deus, quem estava mal é porque tinha feito algum pecado, o
próprio ou alguém da sua família. Não havia lugar para qualquer interrogação
para além desta moral.
Jesus não
entrou nessa teologia barata, pois, se existe um mal, só damos glória a Deus
tentando libertar a pessoa dessa situação. Foi o que Jesus fez de forma pouco
ortodoxa, quanto ao método e quanto ao dia. O método não foi discutido. O azar
foi o ter posto a ver um cego de nascença ao Sábado! Não era a primeira vez que Jesus se metia em sarilhos por
violar esse dia sacratíssimo, reservado à glória de Deus, mesmo contra a
felicidade humana. Que o homem continuasse cego, o problema era dele, azar, agora
violar o Sábado era cometer um crime contra a melhor das religiões, que até
colocava Deus a descansar ao Sábado!
Deixemos
aos judeus lidar, à vontade, com esses preceitos religiosos. Seria lastimável
pretender imiscuir-se nas suas convicções. No Evangelho de S. João esses
preceitos, como acontece nesta narrativa, não servem a libertação humana. Jesus
disse, de muitas maneiras e, por vezes, à letra e ao espírito, que o Sábado é
para o ser humano e não o ser humano para o Sábado. Era a derrota do
fundamentalismo religioso, não só do seu tempo, mas de todos os tempos e para
todos os tempos, seja qual for a religião, sejam quais forem as suas mediações.
Cego será quem não quiser ver isto.
3. Porque teimar em ler na missa uma discussão tão azeda
sobre a cegueira que pode invadir o culto? É porque esta questão é também uma
questão da Igreja. Actualíssima. Andam por aí algumas pessoas e movimentos a
dizer que este Papa, por querer alterar preceitos desumanos, coloridos de falsa
religião, é herético. O Direito Canónico não pode pretender que os fiéis existam
para o observar. É o Direito Canónico para os fiéis ou são os fiéis para o
Direito Canónico?
Isto não
acontece só na Igreja e nas religiões. Ao longo dos séculos, foram realizadas
grandiosas revoluções científicas, técnicas e políticas. As políticas e todas
as outras esqueceram que lhes incumbe a vocação e o dever de usar os seus
poderes, não para dominar, mas para servir a humanização da vida de todos. Quando
estão ao serviço de desígnios de dominação, perdem-nos, não nos salvam.
26.03.2017
quarta-feira, 22 de março de 2017
ENCONTRO ANUAL - 1º sábado de maio
Caros Colegas e Amigos
Venho lembrar-vos que se aproxima a data do
1º sábado de maio, dia do nosso encontro anual.
Faz no final de abril deste ano 70 anos que os 1ºs Combonianos
chegaram a Portugal. Haverá em Viseu um grande encontro de
muitas personalidades que querem recordar com júbilo merecido
essa data. Por impossibilidades logísticas não podemos fazer o
nosso encontro nesse mesmo dia como chegou a ser pensado
aquando do encontro na Maia do princípio deste ano.
Mantemos ,assim, a nossa data de sempre: 1º
sábado de maio, dia 6.
Aproveito a oportunidade para vos dar a conhecer as notícias que
me acaba de enviar o nosso colega e amigo Pe Manuel Augusto
desde Limone onde se encontra.Um grande abraço para todos
António Pinheiro
Estimado amigo Dr. Pinheiro,
A minha lembrança de amizade, desde Limone
Sul Garda, na Itália, a terra natal de São Daniel Comboni,
onde me encontro desde o início deste ano.
Tinha-me proposto dar notícias... mas vejo
que o tempo passou sem que eu o tenha feito. O inverno foi
duro também aqui, com frio e neve, a embelezar a paisagem. A
neve ainda continua no cimo dos montes, mas o sol voltou e a
primavera está no ar. Com a Páscoa, a aldeia de Limone, nas
margens do lago de Garda, ganha vida com a chegada dos
primeiros turistas; e nós saímos do isolamento com a chegada
de pessoas à procura de um tempo de silêncio e contemplação.
Estamos ainda na Quaresma mas eu
antecipo-me a mandar uma palavra com os meus votos de feliz
Páscoa. Dentro de alguns dias, se Deus quiser e as
circunstâncias o favorecerem, irei para um país do médio
oriente durante o que resta da Quaresma e a Semana Santa, para
dar a alegria da celebração pascal a comunidades cristãs de
migrantes que lá vivem e trabalham.
Aos meus amigos desejo o que procurarei
fazer nos dias desta missão especial: ajudar a encontrar na
memória de Jesus, da sua paixão, morte e ressurreição, um
sentido renovado para a vida; ajudar a reencontrar a alegria
de viver, o desejo de uma vida em plenitude, mesmo quando
tornada difícil por condições de vida adversas, como são
aquelas de países onde a prática cristã não é permitida.
E hoje, quem é que não experimenta
dificuldades na vida? O anúncio pascal – Cristo morreu e
ressuscitou para que tenhamos vida em plenitude - é tão
necessário e nós cristãos devemo-lo uns aos outros, para
continuar a celebrar a Páscoa com alegria e viver a vida em
plenitude.
Regressarei, se Deus quiser, depois da
Páscoa, para vos contar da minha e saber da vossa, que desde
já desejo inundada pela luz da ressurreição de Cristo, repleta
de alegria e gosto de viver. O meu abraço pascal,
Padre Manuel Augusto
Manuel Augusto Lopes Ferreira
Missionari Comboniani
Via Campaldo 18
25010 Limone Sul Garda BS
Italia
00 39 3421835164
domingo, 19 de março de 2017
NÃO REZEM COMO OS GENTIOS Frei Bento Domingues, O.P.
1. Dizem-me que, hoje, no campo
religioso, a espiritualidade é a sua expressão
mais chique e o esoterismo, a mais
democrática pela numerosa oferta de expedientes, sem os aborrecidos mandamentos
das religiões.
Há espiritualidades para
tudo e mais alguma coisa. Cada uma das ordens e congregações religiosas reclamam-se
de uma espiritualidade original, marca da sua identidade. Os diferentes
movimentos do laicado católico alargaram esse pluralismo ao apresentar e
justificar os seus caminhos e mediações pretensamente inconfundíveis.
Redescobriu-se, no
diálogo inter-religioso, que o divino Espírito não é propriedade privada de
ninguém. Existem movimentos agnósticos e ateus que se reclamam de uma profunda
sabedoria espiritual. Mas ficava sempre alguma coisa de fora. A chamada espiritualidade
holística é tão abrangente que nela há lugar para tudo.
O todo é inabarcável e,
como diz o Novo Testamento, o Espírito sopra quando e onde quer, sem pedir licença
a ninguém, resistindo a ser domesticado. As classificações humanas dos carismas
não podem impedir, no seu catálogo, a espiritualidade dos insatisfeitos.
2. Jesus Cristo não pertencia à tribo
sacerdotal. Era um leigo bastante sóbrio no tocante a expressões cultuais. Detestava
o exibicionismo da religião do seu tempo e do seu meio. Os seus discípulos não
percebiam as razões da sua discrição. Segundo S. Lucas, até se queixavam de
serem um grupo sem livro de orações: Senhor,
ensina-nos a orar, como João ensinou os seus discípulos[1].
O anti exibicionismo do
Nazareno era radical: «Quando orardes, não sejais como os hipócritas. Eles
gostam de fazer orações pondo-se em pé nas sinagogas e nas esquinas, a fim de
serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. Mas tu, quando orares, entra no teu
quarto e, fechando a porta, ora ao teu Pai ocultamente e o teu Pai, que vê o
que está oculto, te recompensará[2]».
Na mesma passagem, S. Mateus
destaca que o Mestre não quer nada com os moinhos de orações. São os gentios
que insistem na vã repetição, porque entendem
que é pelo palavreado excessivo que serão ouvidos. O vosso Pai sabe do que precisais antes de lho pedirdes.
A verdade da religião
perde-se no vício do ruído e ganha-se no silêncio da escuta persistente.
Não terá S. Lucas
corrigido a extrema sobriedade de S. Mateus? Não me parece. Com pequenas
diferenças, o Pai Nosso – resumo das
grandes linhas e preocupações do Evangelho – é comum aos dois escritores. S. Lucas
elabora, de facto, uma pedagogia completamente diferente. Criou uma parábola
que parece dizer o contrário de Mateus. Serve-se da experiência do que muitas
vezes acontece: só com muita insistência e aborrecida repetição se obtém
resposta a um pedido incómodo.
A narrativa pode dar a
ideia de que Deus é surdo, que não está para se incomodar, insensível à urgência
de uma pessoa aflita. Mas a parábola é, simplesmente, astuciosa. Dá um salto: a
insistência na oração é fundamental, não para informar a Deus nem para o convencer,
mas para nos convencermos da dificuldade que temos em nos abrirmos ao seu
desígnio que é infinitamente melhor, para nós, do que os nossos cálculos
mesquinhos. Precisamos de muita insistência para converter o nosso desejo ao
desejo amante de Deus. Precisamos de entrar na sua onda, na onda do seu
espírito. Tudo o que se faz, em religião, é apenas para conseguir uma abertura
que nos torne disponíveis para as exigências do Evangelho, segundo o Espírito
de Deus.
Neste sentido, podemos
dizer que Jesus Cristo era um grande espiritual. O caminho e o baptismo de João
serviram, apenas, para lhe mostrar que aquele não podia ser o seu caminho, nem
aqueles banhos rituais e moralistas podiam trazer o Reino de Deus. Contam os
evangelhos que ele entrou em oração – abertura da terra ao céu – e teve a
experiência mística do dom do Espírito Santo. Foi uma divina declaração de puro
amor, mostrando que não é do céu que poderá vir a condenação da terra[3].
3. As Igrejas cristãs, ao longo dos
séculos, encarregaram-se de contrariar a sobriedade e o anti exibicionismo
religioso de Jesus Cristo. Com ritos e ritmos diferentes, com música ou sem
música, encheram livros e livros com orações para todas as horas, para todos os
lugares e circunstâncias, a propósito e a despropósito.
Conheço muitas colecções
de livros com as melhores e piores orações do mundo, com santos especializados,
sempre de serviço, para todas as aflições e ocasiões, para todos os objectos
perdidos e acções de graças para os casos bem sucedidos.
Sempre me pediram para
não me rir, mesmo das expressões mais ridículas da religiosidade e da
superstição. Diziam: se isso ajudar as pessoas a viver, a superar o desespero e
a depressão, talvez não sejam mais prejudiciais do que o recurso permanente às
farmácias e pode ficar mais barato.
A oração exprime a
condição humana, na sua verdade mais pura: o nosso limite e o desejo ilimitado
de felicidade. Elevar a Deus o nosso pedido de socorro ou de acção de graças
revela, para o crente, uma atitude saudável. Significa que acreditamos que não
estamos sós, mas seria grossa asneira supor que Deus é o substituto da
investigação científica, da organização do Estado, do bom funcionamento do
ensino, do serviço nacional de saúde, de hospitais de qualidade, do
funcionamento da Justiça, da solidariedade, etc. Jesus Cristo fez muitas curas
e até andou sobre as águas do mar, mas não deixou a receita. Os seus gestos
dizem que o mundo não tem de ser uma desgraça, mas somos nós os encarregados de
cuidar da casa comum, habitável e bela.
Deus não é tudo. A ideia
de mundo criado supõe um mundo limitado e falível. Não vale a pena discutir se
Deus não podia criar um mundo perfeito. Seria uma absurda réplica de Deus, Deus
repetido.
A oração ajuda a
reconhecer a verdade da nossa condição humana limitada, aberta à transcendência
absoluta do Amor que nos pergunta: Que
fizeste do teu irmão?
19. 03. 2017
quinta-feira, 16 de março de 2017
A CADA ANO A SUA QUARESMA Frei Bento Domingues, O.P.
1. A Quaresma
deste ano está marcada por dois movimentos opostos: o da intensificação da
Reforma da Igreja, anunciada no programa do Papa Francisco e o da contra-reforma,
organizada e com sinais visíveis que mostrem quem está com uma e quem está com
outra. Sabíamos que o hábito não faz o monge, agora querem convencer-nos que o
cabeção e a batina fazem o padre. Quem se apresentar sem estes sinais não
sabemos se está com o caminho aberto por Bergoglio ou não. Terá de o mostrar
pelas suas opções pastorais e de vida pessoal. Quem exige que os fiéis se
ajoelhem na missa durante a consagração e para receber a comunhão parece que
não gosta muito do Vaticano II nem das ousadias do Papa Francisco. Dizem-me que
certos párocos tentam resgatar a memória de lugares marcados na igreja,
anteriores ao Concílio, mediante genuflexórios forrados para joelhos delicados.
Parece que ainda não está previsto dividir o espaço das celebrações colocando
as mulheres atrás e os cavalheiros à frente.
Quando se participa em missas solenes,
com bispo ou cardeal, uma das distracções possíveis é a contagem das vezes que
lhes põem e tiram o solidéu, a mitra e o báculo.
As novas tecnologias, como por
exemplo iPads, tablets e e-readers – coisas que me ultrapassam -, estão a
substituir missais e breviários, livros antigos muito veneráveis e pouco portáteis,
com muitas vantagens económicas, com recursos imagísticos e musicais e prontos
a servir, sem ter de incomodar grupos ad hoc
para baptizados, casamentos e funerais e, ainda, um reportório de homilias
previamente adaptadas aos públicos e pregadores mais diversos. Haverá quem
diga, como a nordestina brasileira, quando na missa substituíram o latim pelo
português: tiraram-lhe a decência.
É muito possível que isto possa
suscitar um novo debate sobre simbologia e ritualidade litúrgica e seus dignos
e indignos suportes.
2. Os recursos oferecidos pelos livros litúrgicos –
ou as suas cópias, electrónicas ou não – para viver a Quaresma, tanto bíblicos
como patrísticos, são uma verdadeira mina para o alimento espiritual e para a
reflexão teológica, em função da transformação da vida nas suas diversas
dimensões. Ao tentar fazer a ponte desse universo litúrgico com o mundo actual,
podemos esquecer que sem as questões que nos surgem a nível pessoal, familiar,
profissional, no contexto económico, político e cultural cairemos na tentação
de colar duas realidades, tornando-as justapostas, sem se desafiarem
mutuamente. Não se pode viver em dois mundos separados: algum deles sairá
sacrificado. O cristianismo é incarnacionista: não há Deus por um lado e o
itinerário humano por outro.
A Quaresma de cada ano, como Páscoa
em devir, nunca é igual à do ano anterior, sobretudo quando vivemos num mundo
em aceleradas mudanças, umas vezes para melhor, outras para pior. O Papa
Francisco inaugurou a sua intervenção com um documento sobre a alegria do
Evangelho, mas denunciando a suprema tristeza de uma economia que mata, quando só
tem sentido como forma de desenvolvimento humano, sustentável, com todos e para
todos. Crescem as faculdades de economia e gestão, os institutos de
investigação económica. Há universidades católicas, muito cotadas, precisamente
no âmbito da economia e da gestão. O Papa manifesta, continuamente, que outra economia é possível. Será que a
economia é ininvangelizável, reino da
divinização do dinheiro?
Na missa do passado Domingo, S.
Mateus descreveu as tentações messiânicas de Jesus. Foram apresentadas como
tentações
diabólicas, isto é, como solicitações
para Jesus trair a sua missão, de forma demagógica ou populista, no seu estado
mais puro, pela exibição do domínio económico, religioso e político. O diabo era muito religioso. Pedia para
ser adorado. Se fosse adorado, acontecia, automaticamente, o milagre económico,
religioso e político.
Para muitas pessoas, a narrativa das
tentações é um faz de conta. Jesus era
divino, não lhe custava nada sacudir as más solicitações. Foi só para nos dar
exemplo.
Se fosse só para nos dar exemplo, não
nos dava exemplo nenhum, pois nós somos humanos, falíveis e muitas vezes
falidos. Se Cristo fosse apenas uma aparência humana, as suas tentações também
não passariam de mau teatro. O Evangelho de S. Lucas, para mostrar que toda a
sua vida foi tentada a trair a missão que livremente assumira, acrescenta: o diabo deixou-o até nova ocasião.
Se esta Quaresma nos ajudar a
descobrir a condição humana de Jesus e os seus limites faremos uma das maiores
conversões da história cristã.
Ao afastarmos tanto Jesus Cristo da
condição humana, obrigando-o a não ser nosso irmão, teremos de encontrar santas
e santos que sejam mais humanos do que ele, que estejam mais do nosso lado.
3. Descobrir
que somos humanos vale bem uma Quaresma. Somos seres tentados. Tentados a trair
a nossa condição. Temos dias em que somos capazes de tudo e outros em que
julgamos tudo perdido. O mais corrente é a nossa mediocridade. Se não
desistirmos dos apelos do Evangelho à nossa conversão, a vida será uma alegre
trabalheira.
Na cristandade foram inventadas
fórmulas para termos algumas férias: confessar-se
ao menos uma vez por ano e comungar pela Páscoa da Ressurreição. Como quem
diz: já que nem toda a gente pode ser santa, demos a todos a oportunidade de um
mini-cristianismo.
Hoje, na Igreja, seja qual for a
tendência das pessoas e dos grupos vamos descobrindo que fazer a vontade de
Deus é a melhor coisa que nos pode acontecer. Porque se for o Deus de Jesus
Cristo, só pode querer e trabalhar pela nossa alegria, sem nunca nos dispensar.
Quando a palavra Deus suscitar a imagem ou a ideia de uma ameaça à nossa
liberdade e à nossa criatividade, esse deus é o diabo, aquele que nos desvia de
nós mesmos. A partir de Jesus, descobrimos que a única coisa que Deus nos quer
é a nossa recriação, ir nascendo de novo, todos os dias, com ritmos diferentes
para a nossa Páscoa eterna.
Como escreveu Agustina Bessa Luís, novo, só o que é eterno.
12.03.2017
terça-feira, 7 de março de 2017
Jantar em Viseu- José Paulo Barata
O nosso colega José Paulo Barata marcou para dia 11 de Março às 20.00 o jantar mensal para os colegas da área de Viseu.
Quem puder aparecer terá certamente a possibilidade de reforçar os laços de amizade gerados na nossa experiência juvenil comboniana.
Para todos o meu abraço esperando encontrar-vos no 1º sábado de maio em Viseu.
domingo, 5 de março de 2017
FÁTIMA DÁ PARA TUDO (3) Frei Bento Domingues, O.P.
1. Fátima pode dar para tudo, mas não dá
para todos! Mesmo a preços loucos, já é impossível arranjar onde dormir de 12
para 13, do próximo mês de Maio. Um antigo colega da Escola Apostólica telefonou-me
indignado com esse tipo de observações: um verdadeiro peregrino não vai a
Fátima para dormir. Vai para se sacrificar e rezar. Penitência e oração é o programa
que os pastorinhos transmitiram, como pedidos de Nossa Senhora. Lembrou-me
ainda como também ele e eu, pelos finais dos anos 40 do século passado,
aguentamos várias vezes, ao relento, com um cobertor, a noite fria de 12 para
13. Quem é capaz de fazer centenas de quilómetros a pé também pode substituir
alguns por uma noite ao relento. Agora, comercializada e aburguesada, tem de
seguir a prática da lei da oferta e da procura. O turismo religioso é um
negócio muito antigo no qual o substantivo e o adjectivo se ajudam numa tensão
fecunda. É sabido que Jesus Cristo não gostava nada desse comércio. Os quatro
evangelistas narram, por esse motivo, a sua indignação no átrio do Templo de
Jerusalém: “Estava próxima a Páscoa dos judeus, e Jesus subiu a Jerusalém.
Encontrou no templo os vendedores de bois, ovelhas e pombas, e os
cambistas nos seus postos. Então, fazendo um chicote de cordas,
expulsou-os a todos do templo com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas dos
cambistas pelo chão e derrubou-lhes as mesas; aos que vendiam pombas,
disse-lhes: Tirai isso daqui. Não façais
da Casa de meu Pai uma feira[i].
O meu
confrade, Frei Henrique Urbano, professor de sociologia e antropologia numa
universidade do Canadá e cofundador do Centro Bartolomeu de Las Casas, de Cusco,
e um dos maiores investigadores da cultura Inca, morreu em Lima, em 2014. Fui
seu colega no Studium Sedes Sapientiae,
em Fátima, nos anos 50 do século passado. Tudo o que acontecia nas visitas ao
Santuário e arredores alimentava o seu inesgotável humor, como vitória do riso
sobre a estupidez. Numa das últimas passagens por Fátima repetia-me: o fenómeno
da Cova da Iria é radicalmente antimarxista. Alí, a superestrutura criou todas
as infraestruturas. Foi a crença, a ideologia religiosa, que criou uma cidade
próspera, não só pela abundância de presenças religiosas permanentes, mas
também com uma rede hoteleira importante no centro do país. Acolhe o religioso
e o profano para congressos, reuniões, celebrações de todo o género. Para lá se
dirigem, todos os anos, milhões de crentes e curiosos, vindos de todo o mundo.
2. Dos acontecimentos de 1917 sabemos o
que é atribuído aos pastorinhos de Aljustrel. Só a Lúcia escreveu as suas
memórias, tardias, em relação aos acontecimentos. Nada de especial. É sempre
assim. O que espanta é a mediocridade das hermenêuticas desse fenómeno. Cansam.
Quando pretendem teologizar ainda aumentam mais o aborrecimento. António Marujo
e Rui Paulo da Cruz deram-se ao trabalho de elaborar uma obra diferente.
Poderia chamar-lhe os heterónimos de Fátima[ii]. Porquê? Recolhem
testemunhos dos documentos das aparições, estudos sobre o contexto dos conflitos
entre a República e católicos, a pluralidade de leituras na Igreja Católica,
diversas leituras da antropologia e da sociologia religiosa, voltam ao fenómeno
das aparições e à beatificação dos pastorinhos, interrogam-se sobre a
actualidade de Fátima, 100 anos depois.
Tudo isto
poderiam ser, apenas, capítulos de um livro bem planeado.
Seria mais ou
menos do mesmo. Mas não. Todos os temas são a várias vozes, bem identificadas,
sem contaminações, mas também não são, apenas, vozes justapostas, de costas
umas para as outras. A Senhora de Maio espera cumprir o que a
escritora Lídia Jorge nela descobriu: “Oxalá este livro […] possa abrir o
capítulo de uma discussão que convém ser serena na forma, mas não poderá evitar
a contradição, o debate e o confronto aberto das ideias em face da crença.
Debate que sempre ultrapassa os níveis da razão e da ciência – mas não os
ignora -, esse patamar de confronto delicado tão difícil de alcançar em
Portugal[iii]”.
Não posso
saber como os entrevistados e os leitores vão reagir à reunião de tantas vozes
tão diferentes. Pelo meu lado, só posso agradecer aos autores a fidelidade com
que reproduziram o meu longo depoimento, Fátima
a várias dimensões, de Janeiro de 2000. É, ainda hoje, o texto em que me
reconheço plenamente.
3. Como já aqui escrevi, não pretendo
saber o que o Papa Francisco virá dizer a Fátima. Importa, porém, estar atento
às últimas disposições deste peregrino. Referindo-se às religiosas e religiosos
– tão inflacionados em Fátima - pediu-lhes para não cederem à tentação da sobrevivência da vida
consagrada e das suas instituições. A cedência a essa tentação torna-os estéreis,
reaccionários, fechados lenta e silenciosamente, nas suas casas e nos seus
esquemas. A tentação da sobrevivência faz-lhes esquecer a graça e transforma-os
em profissionais do sagrado, mas não em
pais, mães e irmãos da esperança a que fomos chamados, a profetizar[iv].
Bergoglio,
por ocasião do número 4000 da revista Civiltà Cattolica, recebeu os padres
jesuítas que nela trabalham e fez-lhes recomendações bem estimulantes. Quis
sublinhar três palavras para irem em frente: desassossego, incompletude,
imaginação. Não podendo explicitar a mensagem de cada uma delas, destaco, como
ele próprio diz: a primeira palavra é Desassossego. Faço-vos uma pergunta: o
vosso coração conservou o desassossego da busca? Só o desassossego dá paz ao
coração de um jesuíta. Sem desassossego somos estéreis. Se quiserdes habitar
pontes e fronteiras deveis ter uma mente e um coração desassossegados. Por
vezes confunde-se a segurança da doutrina com a suspeita pela busca. Não seja
assim para vós. Os valores e as tradições cristãs não são peças raras para
fechar nos cofres de um museu. A certeza da fé seja, ao contrário, o motor da
vossa busca[v].
Isto não é só
para os jesuítas.
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