1. O Cardeal
norte-americano, Joseph William Tobin, arcebispo de Newark, nasceu em 1952.
É o mais velho de 13 irmãos, entre os quais, 8 são mulheres. Numa entrevista,
revela a sensação generalizada de frustração e retrocesso produzida pela
continuada proibição das mulheres receberem as ordens sagradas na Igreja
Católica. Vive num país e numa cultura em que todas as áreas da vida se vão
abrindo às mulheres, menos na Igreja. Este género de obstáculos acaba por as
afastar. Está, no entanto, optimista. É desejo do Papa Francisco
reconhecer-lhes um papel mais activo. Esse desejo não se pode realizar, apenas,
com algumas nomeações isoladas para certas funções na Cúria Romana. Lembra, de
forma astuta, que para alguém ser nomeado cardeal, isto é, para o próprio
governo da Igreja, não é preciso ter o sacramento da Ordem, pois, no século
XIX, houve cardeais leigos. Conclusão: não há nenhum obstáculo, de ordem
teológica, que impeça a nomeação de mulheres para o cardinalato, para ajudar o
Papa no governo da Igreja.
Parece-me
uma posição habilidosa. Se as mulheres passarem a ter influência na orientação
e no governo da Igreja, poderão ajudar a que os argumentos pseudo-teológicos,
que as impedem de receber o sacramento da Ordem, sejam revistos e acabem com a
ideia da chamada impossibilidade definitiva[1]. Este
arcebispo propõe: já que não as deixam entrar pela porta, sugiro que entrem
pelo telhado!
2. Na Revista Brotéria apareceram dois artigos interessantes
sobre o sacerdócio e a mulher[2].
O
texto de Stella Morra é muito estimulante. Recomendo a sua leitura integral.
Começa por uma citação do Concílio de Calcedónia (451): “Não se ordene como
diácono uma mulher antes dos quarenta anos e não sem um diligente exame. Se,
por acaso, depois de ter recebido a imposição das mãos e ter exercido durante
algum tempo o ministério, ousasse contrair matrimónio, desprezando dessa forma
a graça de Deus, seja excomungada juntamente com aquele que se uniu a ela”.
Apesar
do carácter hilariante desta citação, isto significa, no entanto, que a
ordenação actual de diaconisas não constitui grande novidade. O importante será,
agora, determinar as competências que elas deverão ter na Igreja. Já temos a
ordenação de homens casados como diáconos permanentes. Espero que, pelo menos,
as mulheres também possam ser casadas e diaconisas.
O
artigo de Vasco Pinto de Magalhães, SJ, fixa-se em duas feministas, Lucetta
Scaraffia e Ana-Maria Pelletier, para mostrar que, segundo elas, o papel das
mulheres na Igreja pode conseguir-se sem passar pelo sacerdócio, respeitando,
assim, melhor, pela diversidade, a imagem de Deus: homem e mulher.
Este
argumento parece-me algo falacioso. A mulher e o homem só poderão ser imagem de
Deus no caso de haver tarefas exclusivas para homens e tarefas exclusivas para
mulheres? Um médico não poderia exercer a medicina se a esposa, também médica,
exercesse a mesma profissão? Seria uma anulação desta diversidade, um atentado
à imagem de Deus? Uma médica não anula a sua condição feminina por ser médica.
Tanto ela como ele, exercendo a mesma profissão, não anulam a sua diversidade
humana nem, por esse motivo, deixam de exprimir a imagem de Deus, ao que me
parece.
Quando
se pretende, com esse argumento, negar a ordenação sacramental às mulheres, por
muita mais razão deviam exigir, para respeitar a imagem de Deus, um sacramento
do Baptismo para homens e outro para mulheres.
Nunca
ninguém se atreveu a propor, para salvaguardar a imagem de Deus, dois
sacramentos do Baptismo. S. Paulo, na Carta
aos Gálatas, afirma: todos vós, que
fostes baptizados em Cristo, vos revestistes de Cristo. Não há judeu nem grego,
não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; pois todos vós sois um só em
Cristo Jesus[3].
Não consta que, pelo mesmo baptismo, as mulheres deixem de ser mulheres e os
homens deixem de ser homens. O modo das mulheres viverem em Cristo será
necessariamente diferente do dos homens. Por outro lado, não há mulheres clonadas
nem homens clonados. Têm todos sensibilidades diferentes. A diferença má é a
que resulta da desigualdade. Todos unidos em Cristo, na sua diferença. O que
Paulo afirma é que não se pode invocar a
diferença para criar a exclusão.
Julgo
que, para S. Paulo, Cristo sente-se tão bem na vida das mulheres como na dos
homens.
3. O Baptismo é a fonte do
sacerdócio cristão. Como não há dois Baptismos, as mulheres são tão sacerdotes,
na sua diferença, como os homens. Chamar-lhe sacerdócio comum resulta,
precisamente, dessa condição primordial na qual assenta toda a vida cristã. O
Novo Testamento chama sacerdote a Cristo e aos que receberam o Baptismo.
Aqueles que são designados, correntemente como “sacerdotes”, padres e bispos,
são antes de mais, sacerdotes como todos os outros cristãos. Os diáconos, os
padres e os bispos, pelo sacramento da Ordem, pela imposição das mãos, não
perdem a condição cristã, não se colocam num mundo à parte, ficam com o encargo
do sacerdócio de todos. Sto. Agostinho exprimiu esta realidade de forma
exemplar: convosco sou cristão, para vós sou bispo. Chama-se ministério
sacerdotal porque está ao serviço do povo sacerdotal.
Quanto
na Lumen Gentium (nº 10) se diz que o
sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio
ministerial ou hierárquico são diferentes um do outro na sua essência, e não
apenas em grau, mas ordenam-se um para o outro, com efeito, um e outro
participam do sacerdócio de Cristo, segundo o seu modo peculiar.
Se
o principal é o sacerdócio baptismal, comum a homens e mulheres, que obstáculo
poderá existir, de ordem teológica, isto é, de condição cristã, para que seja
impossível conferir o sacramento da Ordem às mulheres? Se não existe obstáculo
a que as mulheres recebam o sacerdócio baptismal, que obstáculo haverá, na
condição feminina que as incompatibilize, para
sempre, com a possibilidade de serem chamadas a receber o Sacramento da
Ordem? Quem pode o mais também pode o menos.
Como
nem todos os homens querem ser padres, também nem todas as mulheres querem ser
ordenadas. O que está em causa é uma outra interrogação: que deficiência haverá
nas mulheres para que não possam ser chamadas à ordenação presbiteral ou
episcopal para servirem, com a sua sensibilidade, as comunidades cristãs, para
as colocar ao serviço da sociedade?
As
consequências das trapalhadas não ficam por aqui…
14.01.2018
[2]
Brotéria 185 (2017), Stella Morra, O
sacerdócio e o lugar da mulher, pp. 1013-1026; Vasco Pinto Magalhães, SJ, A Mulher entre os múltiplos feminismos – o
lugar da Mulher na Igreja, pp.1027-1036.
[3]
Gal 3, 27-29
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