segunda-feira, 2 de abril de 2018

FOI MORTO, MAS ESTÁ CADA VEZ MAIS VIVO! Frei Bento Domingues, O.P.


1. Quando alguém diz «aquele não é bem acabado», está a falar de si próprio e dos outros, porque o ser humano nunca está bem acabado. Não sabemos quem somos, pois, o que seremos é-nos desconhecido. Não somos só o passado nem só o presente, mas o futuro e esse é filho da esperança. A esperança tem muitos nomes. São frequentes as sondagens de opinião que tentam conhecer os desejos, as espectativas e as esperanças de cada um. Não é novidade nenhuma saber que todos desejam ser felizes. Varia muito, no entanto, o que cada pessoa entende por felicidade. A expressão antiga diz bem a nossa condição animal: «haja saúde e coza o forno». É saudável que todos desejem melhorar as suas condições de vida, avançar na carreira como forma de auto-estima, para além do interesse monetário. Mesmo se o dinheiro não der felicidade, dá muito jeito. Muita gente espera a vida inteira o euro-milhões. O Papa Francisco contenta-se com pouco, mas deseja para todos os três Ts, como forma mínima de dignidade: tecto, trabalho e terra. As pessoas gananciosas, para satisfazer os sonhos de riqueza, saltam por cima de tudo e de todos. A lista dos mais ricos de um país ou do mundo não é muito grande. Grande é a distância entre os poucos loucamente ricos e os muitos loucamente pobres e miseráveis. Mas não tem de ser assim.

Conta-se que, quando João XXIII chegou ao Vaticano, perguntaram-lhe: «quantas pessoas trabalham aqui?» «Mais ou menos metade»! A sua primeira medida foi a de aumentar os salários mais baixos, tendo em conta a situação familiar de cada um. Quando expôs esta medida ao gestor financeiro do Vaticano, este disse que era o caminho para a bancarrota. «Não me parece nada, porque desci todos os salários altos. As despesas são as mesmas»[i]. Tinha sido, aliás, a recomendação de S. Paulo. É tudo gente, como Jesus Cristo, que nada sabem de finanças, no dizer do nosso Fernando Pessoa.

As capacidades científicas e técnicas estão sempre a aumentar, mas raramente servem o desenvolvimento equilibrado dos povos. A ciência e a técnica andam mais depressa do que a ética e a sabedoria. A tendência é a concentração de poderes globais de dominação económica, política e bélica.

A minha ignorância, acerca dos efeitos bons e menos interessantes das realidades e das promessas da inteligência artificial, do mundo da robótica, volta a recomendar a leitura de A Quarta Revolução Industrial[ii]. Se os seres humanos puderem ser libertados do mundo aborrecido de tarefas aborrecidas por essas novas criaturas, bem-vindas sejam. Se vierem para mandar em nós, agradeço que os seus inventores se reformem quanto antes.

2. Aos mais velhos foi-nos dado viver um tempo em que se disputavam desejos de um mundo novo. Se Teilhard de Chardin pensava que o mundo pertenceria a quem lhe desse a maior esperança, a Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II, gostou da ideia: «podemos legitimamente pensar que o futuro da humanidade está nas mãos daqueles que souberem dar às gerações vindouras razões de viver e de esperar»[iii].

Muitas pessoas deliciavam-se com o belo e terno poema de Péguy, no qual, Deus não se espanta nem com a fé nem com a caridade. Só a esperança o comove, essa que todas as manhãs nos diz: bom dia![iv].

O filósofo marxista, Ernest Bloch (1885-1977), elaborou a célebre obra O princípio esperança, uma autêntica enciclopédia sobre os sonhos de uma vida melhor. Influenciou a teologia protestante e católica, a partir dos anos 60 do século passado. As perguntas do filósofo são as de sempre: Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Que esperamos? O que nos espera?

Não admira que tenham sido as utopias sociais, económicas, políticas e culturais que marcaram o Concílio Vaticano II e animaram, sobretudo, os grandes debates das teologias do Terceiro Mundo.

3. Georges Bernanos, um grande romancista católico (1888-1948), que nos deixou obras extraordinárias, não era ingénuo: «para reencontrar a esperança é preciso ter ido além do desespero. Quando se vai até ao fim da noite, reencontra-se uma outra aurora»[v]. Estava, nitidamente, marcado pelo percurso do próprio Jesus de Nazaré. Este não anunciou, apenas, a alegria de que, finalmente, o Reino de Deus estava próximo. Tudo o que dizia e fazia era já a pura gratuidade do Amor em acção. Os fiéis ao mundo velho condenaram-no. Acabou na cruz gritando: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste? Parecia o fim, mas não era.

O estilo do Apocalipse, o último livro da Bíblia, é suficientemente surrealista para alertar e consolar as Igrejas cristãs perseguidas, umas muito mais fervorosas do que outras.

Nas cartas às Igrejas da Ásia, o autor do Apocalipse apresenta Jesus Cristo como a Testemunha fiel (o mártir), o Primogénito dos mortos (o ressuscitado). Conta que João, «vosso irmão», encontrando-se na ilha de Patmos, movido pelo Espírito, ouviu uma voz forte que lhe disse: escreve o que vês num livro e envia-o às sete Igrejas: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia. Ao voltar-se para ver a voz que falava, a face dessa figura era como o sol quando brilha em todo o seu esplendor. «Ao vê-lo, caí como morto a seus pés. Ele, porém, colocou a mão direita sobre mim, assegurando: Não temas! Eu sou o Primeiro e o Último, o Vivente; estava morto, mas eis que estou vivo para sempre»[vi].

S. Paulo atreve-se a dizer que, se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, anda a pregar em vão e vazia é também a fé dos seguidores de Cristo[vii].

Na Carta aos Romanos, a ressurreição é postulado cósmico e existencial: «Estou convencido de que os sofrimentos do tempo presente não têm comparação com a glória que há-de revelar-se em nós. Pois até a criação se encontra em expectativa ansiosa, aguardando a revelação dos filhos de Deus»[viii].

Quem nunca leu este capítulo, até ao fim, faça-o agora. Garanto que não ficará decepcionado. É evidente que Paulo escreveu há mais de 2000 anos. A escravidão e a corrupção do mundo em que vivia, hoje, têm novos rostos e novas vítimas. Repetem-se as denúncias de que estamos a globalizar a destruição do nosso planeta, quando temos todos os meios para fazer dele um paraíso, novos céus e nova terra[ix].

Se estamos mortos, ressuscitemos!

Boa Páscoa.



[i] Cf. Henri Fesquet, Fioretti do Bom Papa João, Morais Editora, Lisboa 1964.
[ii] Klaus Schwab, A Quarta Revolução Industrial, Público/Levoir, 2017
[iii] Gaudium et Spes, nº 31
[iv] Le porche du mystère de la deuxième vertu, in Oeuvres poétiques complètes, Gallimard, 1948, pp.169-175
[v] La liberté, pour quoi faire?, Gallimard, 1953, p. 14
[vi] Ap 1
[vii] 1 Cor 15
[viii] Rm 8

[ix] Ap 21

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