quarta-feira, 23 de maio de 2018

A natural evolução da espécie real- Laureano


Os príncipes e as infantas,
Que, filhas de reis, princesas
São em terra espanhola
E eram na portuguesa,
Hoje regem-se por outros
Parâmetros de conduta,
Os seus amores reais
Nada têm de realeza,
De civis estados vários
São, e vária natureza.
E quanto a fidelidade,
Ó Garrett, é uma tristeza!

Exemplos há com fartura:
Na Espanha aqui pegada,
A mais velha das infantas
Nem na América, coitada,
Se entendeu com o marido,
E acabou divorciada.
O irmão, esse casou
Com mulher que foi casada.
O rei, não dado a disfarces,
Vê-se que não gostou nada,
Mas a rainha, discreta,
Vai sorrindo, resignada,
Pensando:”Do mal, o menos”,
Pois que já se comentava
Que o filho passava a idade
Sem arranjar namorada
Que o levasse ao altar,
À cerimónia sagrada.
Seria que propendia
Para a natureza errada?...
E consola-se, dizendo:
“Mais vale isto do que nada.”

Das princesas da Suécia
A mais nova, mais prendada
Em termos de formosura,
Do palácio disparada
Sai, para espanto de todos,
Pois não é recomendada
A permanência de alguém
Que a deixe saciada
Dos prazeres sexuais,
Enquanto não for casada.
A maninha, que não quer
Ficar-lhe atrás em nada,
Vendo que por nascimento
Ficou mais adiantada,
Apesar de na lindeza
Lhe estar bem distanciada,
Toca a seguir-lhe o exemplo,
Numa tese comprovada
De que a cara da mulher,
A parte primeiro olhada,
No conceito masculino
Não é a mais apreciada.
Vai daí, convida o homem
Por quem está apaixonada
E vão para Nova Iorque
Passar uma temporada.
De regresso, para não
Perder o fio à meada,
Cada vez que sente falta
Da comida bem provada
Mete-se no carro e ala,
Lá vai ela pela estrada,
Lá vai ela ter com ele
Para uma noite bem passada.
(Não vai o rato à montanha,
Vai esta ao rato, e mais nada!)
A vida duma princesa
É deveras agitada.
E maior agitação
Vem de tórrida paixão
Que contraria o canónico.
Ai, paixão, a quanto obrigas!,
Paixão que manda às urtigas
O chamado amor platónico.
(E à futura rainha
Não convém erva daninha!)
Por isso é que tal namoro
Muito devia ao decoro.
Sendo, então, mais tolerado
Fazer amor com o marido
Do que com o namorado
(Embora este e aquele
Sejam o mesmo Daniel),
P’ra calar o diz-que-diz
Do público sempre atento,
Engendra um final feliz
À bela real história:
Anuncia o casamento.
E todos cantam Victória!

O herdeiro da Noruega,
Em façanha pioneira
De eficiência e rapidez,
Escolheu boa maneira:
Para não ficar à espera
Duma gestação inteira
Que lhe concedesse um filho,
Foi casar com mãe solteira
E ficou logo a ser pai,
Deixando a família à beira
Dum ataque de nervoso
Miudinho. “Que doideira!”
– Hão-de ter pensado os pais.
“Está bonita a brincadeira!”

“Nada de novo no Reino
Da Dinamarca”. Fazia
Sentido e ainda faz
O adágio que corria
Mundo. Porque na verdade
Mesmo que na monarquia
Se passem coisas estranhas,
Já é normal hoje em dia.
Ninguém pense que é quimera
Ou ficção ou fantasia
A notícia de que o príncipe
(O mais novo) repartia
O coração por mulheres
Quando o casamento ia
Ainda de vento em popa
E o fim não se previa.
De um momento para o outro,
Da mulher se divorcia,
Deixando-a com três filhos,
Com um ar de nostalgia,
Dois olhos amendoados
E uma alma vazia.
Casou com outra mulher,
É assim a democracia.

No principado do Mónaco
A cena não é diferente
Quanto a amores principescos.
O príncipe ora regente,
Do qual tudo leva a crer
Não haverá descendente,
É caso paradigmático:
Dizia frequentemente
Que não tinha encontrado
A mulher que totalmente
Lhe enchesse as grandes medidas;
Referiu seguidamente,
Virando o bico ao prego,
Que não estava realmente
Preparado p’ra casar;
Depois, para variar,
Diz que vai anunciar
O noivado brevemente.
Assume a paternidade
Dum petiz que mensalmente
Tem pensão assegurada
– E retroactivamente!
E para calar as bocas
Segundo as quais claramente
Não gosta do feminino,
Reparem bem: finalmente
O artista faz o pino:
Não quer mais palavras ocas,
Diz que vai casar, e fá-lo!
Todos falam, eu não falo,
Porque, enfim, este relato
Não estuda o psicológico,
Só mencionando o contrato
Pré-nupcial, como é lógico.

Mas rainha dos escândalos,
Direi que é, seguramente,
A mais nova das princesas,
A par, evidentemente,
Da celebérrima inglesa,
De que já seguidamente
Falarei. A monegasca,
Talvez a mais dissidente
Da prática de viver
Estatutariamente,
Sempre se esteve nas tintas
Para o socialmente
Correcto. Mas ninguém sabe
Se age conscientemente
Ou p’ra chamar a atenção,
Como eterna adolescente.
Só que lhe assiste o direito
De agir livre, livremente.
Experimentou as drogas,
Casou repetidamente,
Um marido guarda-costas,
Teve, outro, também valente,
Que foi domador de feras,
Menos dela, resistente.
Até deu voz a canções,
Quis viver intensamente.

Chego agora a Inglaterra
Onde a “princesa do povo”
Trouxe dentro de um sorriso
Ao país um reino novo.
Do olhar cândido e belo
Das crianças que educava
Recolheu a inocência
Que nos olhos se estampava.
Viu-a o herdeiro do trono
Na sua simplicidade
E naquele mesmo instante
Regressou à mocidade.
Ele, p’ra quem o casamento
Parecia ser martírio,
Anunciou o noivado,
O reino entrou em delírio.
Casam. Têm dois rebentos,
A seguir espreita o perigo:
Ela diz que ele o trai
Com um amor já antigo.
Ele cai, ela reage
E cai também. Mas que queda!
Não está com meias medidas,
Paga co’a mesma moeda.
Passa a andar com uns e outros
(Cada qual por sua vez),
Desde empregados da corte
Até um paquistanês.
E com vista a que o marido
Não julgue que eram só ditos,
Ela própria afirma ao mundo
Que lhe anda a pôr os palitos.
Abomina paparazzi,
Mas alguém diz, com razão:
Haveria paparazzi
Se existisse discrição?
E é com o amante egípcio
Por quem tem paixão ardente
Que em cega noite de amor
Morre em trágico acidente.
O viúvo regressou
Aos braços do amor primeiro,
Ainda a mãe ocupa o trono,
Continua ele herdeiro.
Os rebentos estão uns homens
Iguais ao resto da malta
– Iguais é como quem diz,
Que dinheiro não lhes falta
Nem espaço no palácio
(Quartos eram às dezenas)
Para uma farras valentes
Com umas valentes pequenas.
O mais velho namorou,
Depois de um tempo, acabou
Com o namoro. Passada
Uma temporada larga,
Reencontra a namorada
Exibindo em passerelle
Um vestido transparente.
Arrepiou-se-lhe a pele,
E então voltou à carga,
Ficando ali já assente
Noivado e casamento.
Chegado o grande momento,
Todo o reino e mundo unido
Assistia comovido
Ao casório sem igual.
Depois, na vida real,
No palácio ela vivia
Em solidão, e olhava
Para o ar a ver se o via,
Enquanto ele pilotava
O helicóptero. Assim,
Rainha quando ele for rei,
Longo ano se passou,
E finalmente, feliz,
A princesa engravidou,
Antes não. Porque não quis
Ou não quis ele? Não sei.
O mais novo embriagou-se,
Encheu manchetes, drogou-se,
Fez trinta por uma linha,
Pondo os nervos da rainha
Em franja, à flor da pele,
Pobrezinha Isabel.
Não dando às miúdas negas,
Foi em pelota, em Las Vegas,
Que deu mais sentido à vida,
Exibindo o rabo ao mundo
(Vendo bem, é o que no fundo
A nobreza faz, vestida).
Mas antes fora nazi,
Vestiu-lhe, ao menos, a farda.
O que é cíclico repete-se,
Assim, qualquer dia mete-se
Noutro escândalo, não tarda.
A rainha, abelha-mestra,
A tudo assiste, impotente
Para travar a dinâmica
Moderna. Porque esta gente
Usa pente de oiro fino,
Topo de gama é o carro,
Tem sapatinhos de prata,
Contudo tem pés de barro.
Mas como os reis é que mandam,
Não se lhes nota fraqueza
– Virtude da realeza.
Ao povo, sempre mandado,
Já nada causa estranheza.

Lauro Portugal, in “Versos Inversos”, Prefácio, 2009 (adapt.)

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