1. Tenho uma
grande dívida em relação a frei Henrique Urbano. Já fiz, neste jornal, breves
referências a esta figura extraordinária, mas sempre com a ideia de lhe dedicar
uma crónica[1]. Nasceu em Portugal, em
Fermentelos, a 27 de
Setembro de 1938. Frequentámos juntos, alguns anos, a Escola Apostólica de Aldeia Nova e o Studium Sedes Sapientiae, em Fátima, nos anos 50 do século passado.
Era músico, poeta e apaixonado pelas Ciências Humanas.
Em Montreal (Canadá), fez um Mestrado sobre as relações
entre Sociologia e Teologia Pastoral. Ainda antes do Doutoramento, já tinha entrado,
a tempo inteiro, no Departamento de Sociologia
da Universidade de Laval, onde
ensinou até à sua jubilação, a 30 de Maio de 1999. Doutorou-se nessa
Universidade em Sociologia, com uma tese sobre Mythes et utopies, no mundo inca.
Além do trabalho na Universidade e de acordo com ela,
foi-lhe possibilitada uma carreira paralela, na América Latina. Com
outros dominicanos que tinham sido meus colegas em Toulouse, durante um trimestre de cada ano e nos anos sabáticos, trabalhou na
fundação e no desenvolvimento do Centro
de Estudios Regionales Andinos “Bartolomé de Las Casas”, em Cuzco (Peru),
com apoio financeiro de várias organizações canadianas. Dirigiu, durante vários
anos, a Revista Allpanchis sobre
questões sociológicas e antropológicas andinas e fundou a Revista Andina, com colaboração internacional, considerada então como
a melhor revista de estudos neste domínio. Promoveu os estudos
latino-americanos na Universidade Laval, dirigiu várias teses de Mestrado e de
Doutoramento e organizou colóquios no Canadá e outros países. Coordenou
intercâmbios entre a Universidade Laval e diversas instituições da América
Latina durante vários anos.
Além deste Centro de Investigação,
fundou a Casa Campesina, para ajudar
os camponeses que precisavam de quem os guiasse na administração e na saúde,
quando vinham à cidade. Fundou também o Colégio
Andino, onde se ministravam cursos sobre todos os problemas
latino-americanos.
Seria importante desenhar o
contexto político e eclesial em que foi fundado e se desenvolveu esse complexo
Centro, a começar pela reforma agrária de Juan Velasco Alvarado, passando pelo Sendero Luminoso, do maoísta e
terrorista Abimael Guzmán e pela Teologia
da Libertação de Gustavo Gutierrez que, mais tarde, se tornou dominicano.
2. Entrei nesse mundo em 1992, a partir de um Congresso
Internacional, no México, promovido pelo Centro Bartolomé de Las Casas de Cuzco, para o qual me pediram uma
conferência sobre Teologia nas Fronteiras.
Aí, ficou decidido que eu passaria a ir, anualmente, dar aulas de Teologia da
inculturação nesse Centro. Entretanto, verificou-se a urgência de fundar um
Instituto com o objectivo de diálogo activo entre ciências humanas e teologia,
complementando o trabalho desenvolvido nesse Centro.
Trabalhei anos a fio em Santiago
do Chile, na fundação e configuração do Instituto
Pedro de Córdoba. O nome deste dominicano foi escolhido porque tinha sido o
responsável pelo célebre sermão de
Montesinos (1511), em defesa dos índios explorados, na ilha La Española (actualmente Haiti e República
Dominicana).
Foi por causa da minha colaboração
nesses Centros que, depois, fui convidado para dar cursos na Colômbia e na
Argentina.
No ano 2000, quando se dá um
crescimento muito significativo da indústria do turismo, Henrique Urbano
iniciou as suas actividades na Universidade
de São Martinho de Porres (USMP Lima-Peru).
Foi designado director do Instituto de Investigação de Turismo e Hotelaria que
estabeleceu um Programa de cooperação com várias universidades estrangeiras,
sobretudo do mundo ibero-americano. Obteve para a Universidade de São Martinho,
a cátedra da UNESCO, Cultura, Turismo e Desenvolvimento. Fundou a revista Turismo e Património e foi o criador e
primeiro director do Programa de Doutoramento em Turismo (2002), único na
América Latina, com estudantes peruanos e estrangeiros.
3. Foi com surpresa que o meio intelectual internacional
ligado aos estudos andinos recebeu a notícia da morte do investigador português,
Henrique Oswaldo Urbano de Carvalho, que se destacou como etno-historiador,
antropólogo e sacerdote dominicano. A sua partida aconteceu em Lima, Peru, a 24
de Setembro de 2014.
Em 2016, para
recordar e homenagear a sua vida e obra (1938-2014), foi publicada a Historia y Cultura en el Mundo Andino, editada
por Johan Leuridan Huys, Decano da USMP, e por outras
personalidades, representantes de várias instituições académicas. Esta obra traz
novas luzes sobre os contributos de frei Henrique e analisa, com detalhes antes
desconhecidos, as marcas deixadas pelo grande investigador português, sobretudo
na renovação dos estudos andinos e sobre as crónicas e a evangelização colonial
no Peru[2].
Segundo o In Memoriam Henrique Urbano, assinado pelos professores Simon
Langlois, Nicole Gagnon, Alexandra Areliano e Jean Gould, «além do seu trabalho
de cientista rigoroso, deixa a recordação de um homem sempre sorridente, uma
personalidade cativante, mostrando uma atitude positiva contagiante e sempre de
um humor muito próprio. De espírito imaginativo e algo poético, produziu uma
obra de língua subtilmente cáustica, marcada por um olhar crítico muitas vezes
mordaz. Na sua carreira universitária, em Laval e em outras Universidades,
deixou muitos discípulos e profundas e generosas amizades».
Não podemos reproduzir, aqui, a
vasta bibliografia de frei Henrique, mas quem desejar conhecê-la pode sempre
recorrer ao Google.
Era uma lei sagrada do monge: fica na tua cela e ela ensinar-te-á tudo. Com
o aparecimento dos Dominicanos e Franciscanos, no século XIII, Mateus de Paris,
monge, observa: para estes o mundo é a
sua cela e o oceano o seu claustro. Frei Henrique pertencia a essa nova era
da vida religiosa.
12.05.2019
[1] Dediquei-lhe a conferência
de encerramento do Colóquio Rastos
Dominicanos: de Portugal para o Mundo (09-11 de Outubro 2018).
[2] Sobre a originalidade da investigação de Henrique
Urbano, ver Germán Morong Reyes y
Alberto Díaz Araya, Henrique Urbano
(1938-2014): De los ciclos Míticos Andinos a los senderos de la idolatría
colonia, in Chungara, Revista de Antropologia Chilena, Vol. 47 (2015),
7-11.
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