1.
O
poema bíblico da criação, ao celebrar a vitória sobre o caos e ao exaltar a harmonia
humana e divina do universo, é fundamental para não desesperarmos dos trabalhos
que exige a sua urgente recriação[1].
O desequilíbrio ecológico tem muitas causas. Mas as
crenças que exaltam o individualismo, o progresso ilimitado, a concorrência
irracional, o consumismo, o mercado sem regras movido apenas pela ganância, tendem
a ignorar que não vale tudo. Esquecem que não dispomos de outro universo suplente
como alguma imaginação delirante supõe.
Sem o sentido do sagrado, do mistério, sem sabedoria e
ética, consentimos, dia a dia, em degradar a natureza que nos degrada a todos.
Dispomos, no entanto, de recursos científicos e técnicos para poder dizer que,
hoje, pode ser mais harmonioso do que ontem.
As televisões encheram-se de imagens do fogo que, em
Portugal no longo verão de 2017, dizimou a floresta em grande escala associada
à tragédia da morte de dezenas de pessoas. A destruição em curso da Amazónia,
pulmão da humanidade, foi ridicularizada pelo próprio presidente do Brasil. A
Austrália em chamas tornou-se irreconhecível. Como se tornou hábito repetir,
sem grande convicção, a crise climática tornou-se a questão incontornável. O
próprio Papa a propôs na Encíclica Laudato
Si’ que explicita contributos fundamentais sobre a educação ambiental e a
conversão ecológica[2].
Lamentavelmente, ainda não penetrou na pastoral constante das paróquias e dos
movimentos da Igreja Católica.
O contributo dos cientistas e a mobilização da opinião
pública são indispensáveis para se criar um ambiente social e cultural que leve
os decisores políticos a tomar medidas colectivas de âmbito mundial, pois a crise
afecta o futuro de todos os povos. A revista Time elegeu, em 2019, a jovem Greta Thunberg Personalidade do Ano
pela coragem interpelante da sua intervenção. Goste-se ou não do estilo,
mostrou grande eficácia entre os jovens.
A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças
Climáticas, em Madrid (02-15.12.2019) mostrou sobretudo o caminho que falta
percorrer para vencer a cegueira dos países com maiores responsabilidades
mundiais. A urgência era clara: em 2019 teria de haver um compromisso efectivo
que reforçasse os objectivos decididos no Acordo de Paris de 2015, quanto às
políticas para limitar o aquecimento global. Foi impossível chegar a esse
compromisso.
A geopolítica de Madrid revelou
que, do lado dos que diziam "não" ao compromisso, estavam os EUA, o
Brasil, a Índia e a China; do lado oposto, estava uma coligação de pequenos
Estados insulares – os mais afectados pelos efeitos das alterações climáticas,
como a subida do nível das águas – e a União Europeia.
2. Não é saudável
ficar no reino poluído das lamúrias. Importa por isso destacar que, no passado
dia 11, Lisboa recebeu o “testemunho” de Oslo, o prémio de Capital Verde Europeia 2020. Não é de admirar que na cerimónia
oficial de abertura estivessem presentes: Marcelo
Rebelo de Sousa, António Guterres, António Costa e o presidente da Câmara de
Lisboa, Fernando Medina.
Este galardão parecia um privilégio das
cidades do Norte, pois é a primeira vez que é reconhecido a uma cidade do Sul.
Mas este reconhecimento dos passos já dados e dos projectos em vias de execução
são, para Lisboa, sobretudo um encargo acerca do que falta fazer em espaços
verdes, transportes públicos, ciclovias, alterações climáticas, eficiência
energética, uso da água, lixo e reciclagem.
É algo explicitamente assumido pela autarquia,
mas que será impossível realizar sem o empenhamento voluntário e militante dos
cidadãos.
Isto é possível. Por exemplo, se o objectivo da autarquia é ter mais 100
mil árvores na cidade até 2021, em relação às 800 mil existentes actualmente, no
passado Domingo, mais
de 4500 pessoas plantaram 20 mil árvores em 4 locais de Lisboa, como arranque
da cidade Capital Verde Europeia 2020.
O Programa, ao longo do ano, para sensibilizar a
opinião pública, prevê um conjunto de conferências, iniciativas com escolas e
universidades, espectáculos, exposições e festivais sobre o tema da
sustentabilidade ambiental. Estes eventos devem ser um incentivo para que não
seja apenas um acontecimento local, mas inspirador do que é possível fazer em
todo o país.
3. O
Domingo é a Páscoa semanal, anterior à solenidade anual e, também, à escrita
dos textos do Novo Testamento (NT). É um acontecimento originante para que toda
a semana permaneça aberta à experiência espiritual da transcendência. O ser
humano não deve exercer apenas o seu domínio sobre a natureza. Pertence-lhe estabelecer
com ela uma “relação franciscana”, como diz P. Ricoeur, uma atitude de
contemplação poética que inspire criação e recriação de beleza. É o grande dia
ecológico.
Para os cristãos, sem a
celebração da Eucaristia – partilha do pão e do vinho, fruto do trabalho humano
– o Domingo perde o seu Espírito. Por azares da história, a disciplina actual
dos ministérios ordenados impede o acesso de muitas comunidades à celebração
mais central da fé cristã. O mandato de Jesus – tomai e comei, tomai e bebei – é traído por desinteligência do que
é o sacerdócio e do que são os ministérios na Igreja.
No NT, o grande sacerdote
é Cristo que deu a vida por todos. Sacerdotes são todos os que, pelo Baptismo,
renascem para a vida cristã. Os padres e os bispos são serviços do sacerdócio
de Cristo e do povo cristão. São funções da comunidade para a comunidade. É
para isso que são ordenados. Não é para mandar como julgava a imaturidade dos
discípulos que Jesus escolheu e com os quais lutou até ao fim, para a sua conversão: quem quiser ser o primeiro coloque-se ao
serviço de todos, porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para
servir e dar a vida por todos.
Celibato ou não celibato
não estão ligados, ontologicamente, ao exercício dos ministérios ordenados. O
carisma do celibato não é, de si, o carisma de um padre ou de um bispo. Na
Igreja Católica houve sempre mulheres e homens que optaram por viver o celibato
como uma grande graça e é característica de todas as congregações religiosas.
O cardeal Ratzinger foi
Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Enquanto tal, criou o deserto
teológico na Igreja Católica. Queria ser o único. Foi eleito Papa e resignou
porque já não se sentia com forças para enfrentar a poluição do Vaticano. Não é
Papa emérito, não é Papa, pura e simplesmente. Neste momento, não há dois
Papas. Não lhe fica bem alinhar com a campanha dos adversários das reformas
urgentes propostas pelo único Papa actual.
19. Janeiro. 2020
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