1.Tinha previsto, para esta
crónica, a ressonância actual do texto do Evangelho seleccionado para a Missa
deste Domingo, cheio de avisos para a escolha das lideranças de qualquer
associação, religiosa ou não. Sem recorrer a todo o passado, a Igreja Católica sofre,
hoje, trágicas consequências de não ter sido atenta ao que escondia o
carreirismo eclesiástico, finalmente denunciado pelo Papa Francisco. As
respostas prontas a um convite, para colaborar nas aventuras de um projeto novo,
podem ser comandadas por desejos contrários aos inscritos no convite. O texto é
de S. Mateus com paralelos nas outras narrativas evangélicas.
No seu retiro no deserto, Jesus
tinha sido assaltado por messiânicas tentações diabólicas. Rejeitou-as radicalmente.
Entretanto, tendo
ouvido dizer que João fora preso, abandonou Nazaré e foi habitar
em Cafarnaum, cidade situada à beira-mar na Galileia dos gentios.
A partir desse momento, Jesus começou a proclamar:
convertei-vos, porque está próximo o Reino dos Céus. Procurou,
entretanto, colaboradores para o seu projeto e, caminhando ao
longo do mar da Galileia, viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro e seu irmão
André que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. Desafiou-os:
vinde comigo e farei de vós pescadores de homens. Deixaram
imediatamente as redes e seguiram-no. Um pouco mais adiante, viu
outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, os quais, com o seu
pai, consertavam as redes, dentro do barco. Chamou-os e eles,
abandonando no mesmo instante o barco e o pai, seguiram Jesus[1]. Sem entrar, agora, nos debates em torno da
chamada instituição dos Doze[2], retenho a prontidão dessas respostas que,
só mais tarde, revelaram os seus equívocos.
O Evangelho segundo S. Marcos destaca, várias
vezes, que os discípulos não entendiam o Mestre. Eles procuravam precisamente o
que Jesus tinha rejeitado. Quando se deu conta desse equívoco, já não podia
voltar a trás. Então, passou a fazer parte dos seus trabalhos a conversão dos
seus discípulos que Ele próprio tinha escolhido! Não entendiam nada do seu
projecto porque estavam cegos pela busca de poder. Havia uma disputa, entre
eles, quem seria o primeiro, quando Jesus tomasse o poder[3].
Os autores dos quatro Evangelhos insistiram que
os discípulos alimentavam todos a mesma ambição. Transcrevo apenas S. Mateus: «Aproximou-se
de Jesus a mãe dos filhos de Zebedeu, com os seus filhos, e prostrou-se diante
dele para lhe fazer um pedido. Que queres? Ela respondeu: ordena que estes
meus dois filhos se sentem um à tua direita e o outro à tua esquerda, no teu
Reino. Resposta de Jesus: não sabeis o que pedis. Podeis beber o cálice que Eu vou
beber? Eles responderam: podemos. Jesus confirmou: na verdade, bebereis o
meu cálice; mas, o sentar-se à minha direita ou à minha esquerda não me
pertence a mim concedê-lo: é para quem meu Pai o tem reservado.
«Ouvindo isto, os outros dez ficaram
indignados com os dois irmãos. Jesus chamou-os e
disse-lhes: Sabeis que os chefes das nações as dominam e os grandes as
tiranizam. Não seja assim entre vós. Pelo contrário, aquele
que quiser tornar-se grande entre vós seja aquele que serve e o que
quiser ser o primeiro dentre vós, seja o vosso servo. O
Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em
resgate por muitos (por todos)»[4].
Não posso desenvolver o que significa e implica o
contraste entre Jesus e as ambições dos seus discípulos, para a reforma da
Cúria Romana e para as lideranças, locais e globais, na Igreja Católica. O
Sínodo da Igreja, em preparação, indica que é uma tarefa de conversão de todas
as comunidades. Infelizmente, esta ocasião, que era para dar voz e vez a
todos, não foi nem está suficientemente divulgada e assumida, mesmo com o prazo
alargado até 2024.
2. Mandaram-me um livro que considero um verdadeiro
acontecimento. Tem o título desta crónica com o
subtítulo A voz do Pe. Alberto Neto (Capela do Rato, 1968-1973). Na
verdade, é a reedição de Padre Alberto – Testemunhos de uma voz incómoda[5].
Na
nota de apresentação, António Marujo (14.12.2022) confessa que, «50 anos depois,
o que mais impressiona ao (re)ler os textos deste livro, é a sua espantosa
contemporaneidade. Ao falar sobre a Igreja Católica ou a escola, sobre a
política ou a liturgia, sobre a liberdade e a participação de todos/todas na
construção de tudo aquilo que a todos/todas pertence, Alberto Neto usava de uma
vitalidade e uma transparência únicas: nele não havia meias palavras nem em
relação a si mesmo nem sobre o poder despótico que então governava Portugal,
nem sobre a Igreja e o catolicismo que ele desejava construir com todas as
pessoas que o escutavam no sentido de ser um testemunho vivo de que outro mundo
(é) possível».
Acrescenta: «Seria, por
isso, uma ausência grave esquecer este livro no momento em que se celebram 50
anos de vigília pela paz que um grupo de católicos decidiu promover na Capela
de Nossa Senhora da Bonança (ou Capela do Rato, então conhecida como a Capela
da JEC – Juventude Escolar Católica), convidando, quem quisesse, à reflexão
sobre a guerra colonial que o regime então mantinha em Angola, Guiné-Bissau e
Moçambique, e na qual morreram inutilmente perto de 100 mil pessoas –
portugueses, angolanos, guineenses, moçambicanos»[6].
Gostaria de assinar esta exactíssima apresentação.
Do livro, o Cristianismo
ou Cristandade?[7]
é um retrato do que, na altura, se estava a passar na Igreja em Portugal e
dos seus movimentos: Cursos para um Mundo Melhor, Cursos para Casais,
Cursos de Cristandade, que nos deixavam encantados. Depois, vem a crítica: «uma
coisa é chocar, uma coisa é impressionar, uma coisa é levantar um problema (…).
Uma coisa é dizer: Zaqueu desce daí que Eu hoje quero ficar em tua casa. Outra
coisa é levar Zaqueu a dizer: Àqueles a quem roubei vou dar quatro vezes mais,
e aos outros ainda dou metade da minha fortuna para que seja mais útil».
3. Fui
muitas vezes convidado para intervir nos Encontros Nacionais da JEC. O Pe.
Alberto Azevedo de Braga, uma autêntica instituição do Liceu Sá de Miranda e da
JEC, era não só um grande amigo, como estava sempre a convidar-me para
encontros e retiros de jovens e não me deixava perder os referidos Encontros
Nacionais. O Pe. Alberto Neto era não só, nesses encontros, uma festa contínua,
como despertava, com liberdade, a liberdade e a alegria dos outros, em relação
a tudo e a todos[8].
Neste mesmo Domingo, faz 90
anos o grande historiador, José Mattoso. Desejo que este meu amigo continue a
ajudar-nos a Levantar o Céu na Terra da Alegria e da Justiça.
22 Janeiro 2023
[1] Mt 4,
12-23; ver a importante nota s da Bíblia de Jerusalém.
[2] Mc 3, 13-19 e par.
[3] Mc 9,
30-37; Mt 18, 1-5; Lc 9, 43-48;
[4] Mc 10,35-45; Lc 22,24-27; Jo 13,1-17
[5] Texto
Editora, 1989
[6] Paulinas
2022
[7] Op.
Cit, pp. 171-176
[8] No dia
24 deste mês, na Biblioteca da Paróquia de S. Tomás de Aquino, às 18.30h, será apresentado
este livro, promovido pelo CRC