terça-feira, 2 de maio de 2023

Uma porta aberta para a liberdade e a vida! - Pe . João, m.c.

 Uma porta aberta para a liberdade e a vida!

(Ano A - Páscoa - 4o Domingo)

  • 1ª leitura: Atos 2,14.36-41:
    No dia de Pentecostes, Pedro, de pé, com os onze Apóstolos, ergueu a voz e falou ao povo: «Saiba com absoluta certeza toda a casa de Israel que Deus fez Senhor e Messias esse Jesus que vós crucificastes».
  • Salmo 22:
    O Senhor é meu pastor: nada me faltará.
  • 2ª leitura: 1 Pedro 2,20-25:
    Vós éreis como ovelhas desgarradas,
    mas agora voltastes para o pastor e guarda das vossas almas.
  • Evangelho: João 10,1-10:
    Em verdade, em verdade vos digo: Eu sou a porta das ovelhas... Eu vim para que as minhas ovelhas tenham vida e a tenham em abundância.

 

Para onde é que vamos a partir daqui?

Estamos no quarto domingo de Páscoa, o chamado Domingo do Bom Pastor, a meio do período de 50 dias do tempo pascal. Depois dos três domingos das aparições do Ressuscitado, agora corremos o risco de perder de vista o fio condutor do nosso caminho. Penso que é útil recordar que estamos a caminhar para a Ascensão do Senhor e para o Pentecostes, o ponto culminante do caminho pascal. As leituras dominicais têm como objectivo preparar-nos para estas duas grandes festas. Fazem-no através de três temas, a partir de três escritos:

1. na primeira leitura, o tema da IGREJA, com a leitura do livro dos Actos dos Apóstolos: vamos refazer os primeiros passos da Igreja, guiados pelo Espírito Santo;
2. na segunda leitura, o tema da VIDA CRISTÃ, com a leitura da primeira carta de São Pedro: como viver como cristãos num mundo hostil;
3. no evangelho, uma grande catequese sobre a pessoa de JESUS, através de alguns textos do Evangelho de São João.

Procuremos não perder de vista a unidade e a harmonia das leituras que a liturgia nos oferece para estes domingos.

 

Em verdade, em verdade vos digo!

O evangelho de hoje começa com esta introdução de Jesus: "Em verdade, em verdade vos digo!"; ou melhor: "Amen, amen, eu vos digo". É uma afirmação que deve despertar a nossa atenção. É uma expressão que introduz uma revelação, à qual o crente responde com o seu assentimento: Amen!
Esta locução introduz as palavras de Jesus em 49 passagens dos Evangelhos sinópticos (Marcos, Mateus e Lucas) e em 25 passagens do Evangelho de João. 
Preparemo-nos para dizer o nosso AMEN com os nossos lábios e com o nosso coração!

 

Eu sou a porta!

"Em verdade, em verdade vos digo: Eu sou a porta das ovelhas". Depois das primeiras afirmações dos versículos 1-5, seria de esperar que Jesus dissesse: "Eu sou o pastor das ovelhas! e tudo teria ficado imediatamente claro. O tema de Deus como Pastor do seu povo está bem presente na Escritura (nos salmos e nos profetas: ver Jeremias 23,1-6; Ezequiel 34,1-31; Isaías 40,10). Assim, esperava-se que o Messias fosse o Grande Pastor. Em vez disso, no estilo enigmático típico do Evangelho de João, Jesus diz: "Eu sou a porta das ovelhas"! Só mais tarde é que diz: "Eu sou o bom pastor" (versículos 11-18). Perguntamo-nos porquê.

De facto, para seguir o Pastor, as "ovelhas" tiveram de ser libertadas dos currais que as mantinham em cativeiro! O primeiro cárcere em que fomos mantidos cativos foi o da morte. Cristo, com a sua morte e ressurreição, abriu as portas do mundo dos mortos e tornou-se a porta da vida. E Cristo quer assumir este papel de porta para proteger o seu rebanho, mas sobretudo para garantir a sua liberdade de movimento: "Se alguém entrar por mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem". Ele vela pelo seu povo, para que as leis ou as instituições não transformem o seu "redil" num lugar de cativeiro ou numa residência de liberdade vigiada, pois ele veio para que tenhamos vida e a tenhamos em abundância. 

Podemos perguntar-nos como vivemos, na Igreja, a liberdade e o sentido de responsabilidade que Deus quer para os seus filhos. E se gerimos as nossas relações em liberdade, com a porta do coração aberta para acolher, sim, mas sem aprisionar ninguém.

 

O Senhor é o meu pastor!... A sério?

O salmo que responde à primeira leitura é o Salmo 22, talvez o mais conhecido e amado do Saltério (a colecção dos 150 salmos): "O Senhor é o meu pastor: nada me faltará". É uma boa ocasião para o rezar, saboreando-o. Mas podemos interrogar-nos também sobre a sua veracidade na nossa vida. 

Não nos acontecerá recitar uma paródia deste salmo com a nossa vida? Como aquele drogado de Harlem (Nova Iorque) que o escreveu na parede da sua cela:

A heroína é o meu pastor, ela sempre me faltará
Ela faz-me dormir debaixo das pontes e conduz-me a uma doce demência
Ela destrói a minha vida e conduz-me pelo caminho do inferno 
por amor do seu nome
Mesmo se eu caminhasse pelo vale da morte
Não temerei nenhum mal porque a heroína está comigo
A minha seringa e a minha agulha dão-me conforto” 

Por vezes, há "drogas" que nos mantêm acorrentados. E há muitos "ladrões e salteadores" que se dizem pastores. São muitas as sereias capazes de nos seduzir sem esperança, se não estivermos bem agarrados, como Ulisses, ao mastro da cruz!

 

Os pastores e o rebanho

As imagens do Evangelho de hoje, pastor e ovelhas, rebanho e redil, tão queridas pelos primeiros cristãos (basta ver as representações de Cristo Bom Pastor nas catacumbas), são hoje um pouco estranhas e desagradáveis para nós. E com certa razão, pelo uso que delas foi feito no passado, uma utilização massificante e instrumentalizante, por pastores sem "cheiro a ovelha" (Papa Francisco). Pastores bem longe de chamar cada um pelo nome, de caminhar à frente do seu rebanho, de estar dispostos a sacrificar a vida! 

Não estão longe os tempos em que se escrevia: "a Igreja, por sua natureza, é uma sociedade desigual, isto é, uma sociedade composta por duas categorias de pessoas: os pastores e o rebanho... Só no corpo pastoral residem o direito e a autoridade... a multidão tem apenas o dever de se deixar conduzir e de seguir os seus pastores como um rebanho dócil" (Pio X, Vehementer nos). Apesar dos esforços para mudar a mentalidade (dos pastores e do rebanho!), o clericalismo continua a resistir à mudança. 

Hoje, Dia Mundial de Oração pelas Vocações, somos convidados a rezar, mais assiduamente e com mais convicção, ao Senhor da messe para que nos dê pastores com os sentimentos de Cristo Bom Pastor!

 

P. Manuel João Pereira Correia, mccj

Castel d'Azzano (Verona), 28 de Abril de 2023

p.mjoao@gmail.com
https://comboni2000.org

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