Uma porta aberta para a liberdade e a vida!
(Ano A - Páscoa - 4o Domingo)
- 1ª leitura: Atos 2,14.36-41:
No dia de Pentecostes, Pedro, de pé, com os onze Apóstolos, ergueu a voz e falou ao povo: «Saiba com absoluta certeza toda a casa de Israel que Deus fez Senhor e Messias esse Jesus que vós crucificastes».
- Salmo 22:
O Senhor é meu pastor: nada me faltará.
- 2ª leitura: 1 Pedro 2,20-25:
Vós éreis como ovelhas desgarradas,
mas agora voltastes para o pastor e guarda das vossas almas.
- Evangelho: João 10,1-10:
Em verdade, em verdade vos digo: Eu sou a porta das ovelhas... Eu vim para que as minhas ovelhas tenham vida e a tenham em abundância.
Para onde é que vamos a partir daqui?
Estamos
no quarto domingo de Páscoa, o chamado Domingo do Bom Pastor, a meio do
período de 50 dias do tempo pascal. Depois dos três domingos das
aparições do Ressuscitado, agora corremos o risco de perder de vista o
fio condutor do nosso caminho. Penso que é útil recordar que estamos a
caminhar para a Ascensão do Senhor e para o Pentecostes, o ponto
culminante do caminho pascal. As leituras dominicais têm como objectivo
preparar-nos para estas duas grandes festas. Fazem-no através de três
temas, a partir de três escritos:
1.
na primeira leitura, o tema da IGREJA, com a leitura do livro dos Actos
dos Apóstolos: vamos refazer os primeiros passos da Igreja, guiados
pelo Espírito Santo;
2. na segunda leitura, o tema da VIDA CRISTÃ,
com a leitura da primeira carta de São Pedro: como viver como cristãos
num mundo hostil;
3. no evangelho, uma grande catequese sobre a pessoa de JESUS, através de alguns textos do Evangelho de São João.
Procuremos não perder de vista a unidade e a harmonia das leituras que a liturgia nos oferece para estes domingos.
Em verdade, em verdade vos digo!
O
evangelho de hoje começa com esta introdução de Jesus: "Em verdade, em
verdade vos digo!"; ou melhor: "Amen, amen, eu vos digo". É uma
afirmação que deve despertar a nossa atenção. É uma expressão que
introduz uma revelação, à qual o crente responde com o seu assentimento:
Amen!
Esta locução introduz as palavras de Jesus em 49 passagens dos
Evangelhos sinópticos (Marcos, Mateus e Lucas) e em 25 passagens do
Evangelho de João.
Preparemo-nos para dizer o nosso AMEN com os nossos lábios e com o nosso coração!
Eu sou a porta!
"Em
verdade, em verdade vos digo: Eu sou a porta das ovelhas". Depois das
primeiras afirmações dos versículos 1-5, seria de esperar que Jesus
dissesse: "Eu sou o pastor das ovelhas! e tudo teria ficado
imediatamente claro. O tema de Deus como Pastor do seu povo está bem
presente na Escritura (nos salmos e nos profetas: ver Jeremias 23,1-6;
Ezequiel 34,1-31; Isaías 40,10). Assim, esperava-se que o Messias fosse o
Grande Pastor. Em vez disso, no estilo enigmático típico do Evangelho
de João, Jesus diz: "Eu sou a porta das ovelhas"! Só mais tarde é que
diz: "Eu sou o bom pastor" (versículos 11-18). Perguntamo-nos porquê.
De
facto, para seguir o Pastor, as "ovelhas" tiveram de ser libertadas dos
currais que as mantinham em cativeiro! O primeiro cárcere em que fomos
mantidos cativos foi o da morte. Cristo, com a sua morte e ressurreição,
abriu as portas do mundo dos mortos e tornou-se a porta da vida. E
Cristo quer assumir este papel de porta para proteger o seu rebanho, mas
sobretudo para garantir a sua liberdade de movimento: "Se alguém entrar por mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem".
Ele vela pelo seu povo, para que as leis ou as instituições não
transformem o seu "redil" num lugar de cativeiro ou numa residência de
liberdade vigiada, pois ele veio para que tenhamos vida e a tenhamos em abundância.
Podemos
perguntar-nos como vivemos, na Igreja, a liberdade e o sentido de
responsabilidade que Deus quer para os seus filhos. E se gerimos as
nossas relações em liberdade, com a porta do coração aberta para
acolher, sim, mas sem aprisionar ninguém.
O Senhor é o meu pastor!... A sério?
O salmo que responde à primeira leitura é o Salmo 22, talvez o mais conhecido e amado do Saltério (a colecção dos 150 salmos): "O Senhor é o meu pastor: nada me faltará". É uma boa ocasião para o rezar, saboreando-o. Mas podemos interrogar-nos também sobre a sua veracidade na nossa vida.
Não
nos acontecerá recitar uma paródia deste salmo com a nossa vida? Como
aquele drogado de Harlem (Nova Iorque) que o escreveu na parede da sua
cela:
“A heroína é o meu pastor, ela sempre me faltará
Ela faz-me dormir debaixo das pontes e conduz-me a uma doce demência
Ela destrói a minha vida e conduz-me pelo caminho do inferno
por amor do seu nome
Mesmo se eu caminhasse pelo vale da morte
Não temerei nenhum mal porque a heroína está comigo
A minha seringa e a minha agulha dão-me conforto”
Por vezes, há "drogas" que nos mantêm acorrentados. E há muitos "ladrões e salteadores" que
se dizem pastores. São muitas as sereias capazes de nos seduzir sem
esperança, se não estivermos bem agarrados, como Ulisses, ao mastro da
cruz!
Os pastores e o rebanho
As
imagens do Evangelho de hoje, pastor e ovelhas, rebanho e redil, tão
queridas pelos primeiros cristãos (basta ver as representações de Cristo
Bom Pastor nas catacumbas), são hoje um pouco estranhas e desagradáveis
para nós. E com certa razão, pelo uso que delas foi feito no passado,
uma utilização massificante e instrumentalizante, por pastores sem
"cheiro a ovelha" (Papa Francisco). Pastores bem longe de chamar cada um pelo nome, de caminhar à frente do seu rebanho, de estar dispostos a sacrificar a vida!
Não estão longe os tempos em que se escrevia: "a
Igreja, por sua natureza, é uma sociedade desigual, isto é, uma
sociedade composta por duas categorias de pessoas: os pastores e o
rebanho... Só no corpo pastoral residem o direito e a autoridade... a
multidão tem apenas o dever de se deixar conduzir e de seguir os seus
pastores como um rebanho dócil" (Pio X, Vehementer nos). Apesar dos esforços para mudar a mentalidade (dos pastores e do rebanho!), o clericalismo continua a resistir à mudança.
Hoje,
Dia Mundial de Oração pelas Vocações, somos convidados a rezar, mais
assiduamente e com mais convicção, ao Senhor da messe para que nos dê
pastores com os sentimentos de Cristo Bom Pastor!
P. Manuel João Pereira Correia, mccj
Castel d'Azzano (Verona), 28 de Abril de 2023
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