1. Como
toda a gente sabe, o passado mês de Agosto, em Portugal, esteve polarizado pela
Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que devia ter acontecido em 2022, mas foi
adiada para 2023 devido à pandemia. Este evento acontece de três em três anos.
Foi uma iniciativa de João Paulo II, sendo a primeira realizada em Roma em
1986.
A JMJ Lisboa 2023 foi
anunciada no dia 27 de Janeiro de 2019, na Missa
de Envio da JMJ Panamá. Em Portugal, contou com a colaboração do Presidente da
República, do Governo e das autarquias de Lisboa e Loures. Entre nós, o
conjunto da Igreja parece ter tomado consciência, muito lentamente, do
significado e da importância desse anúncio. No entanto, correu tudo muito bem.
Os próprios jornalistas e o Papa, de regresso a Roma, destacaram a qualidade da
organização.
Que marca terá deixado nos jovens presentes em
Lisboa, vindos de mais de 180 países? O modelo foi criado pelo Papa João Paulo
II e foi seguido, o que levou algumas pessoas a dizer que, além da juventude,
havia mitras a mais. O Papa Francisco foi fiel a esse modelo, mas tudo o que disse
e fez tinha a sua marca, a sua originalidade, isto é, uma Igreja de todos
e não apenas da hierarquia, uma Igreja de portas abertas que não exclui
ninguém.
Eis o texto
na sua significativa insistência repetitiva: Amigos, quero ser
claro convosco, que sois alérgicos à falsidade e às palavras vazias: na
Igreja há espaço para todos. Para todos. Na Igreja, ninguém é de sobra. Nenhum
está a mais. Há espaço para todos. Assim como somos. Todos. Jesus di-lo
claramente. Quando manda os apóstolos chamar para o banquete daquele senhor que
o preparara, diz: «Ide e trazei todos», jovens e idosos, sãos, doentes, justos
e pecadores. Todos, todos, todos! Na Igreja, há lugar para todos. «Padre, mas
para mim que sou um desgraçado, que sou uma desgraçada, também há lugar?» Há
espaço para todos! Todos juntos… Peço a cada um que, na própria língua, repita
comigo: «Todos, todos, todos». Não se ouve; outra vez! «Todos, todos,
todos». E esta é a Igreja, a Mãe de todos. Há lugar para todos. O Senhor
não aponta o dedo, mas abre os braços. É curioso! O Senhor não sabe fazer isto
[aponta com o dedo em riste], mas isto sim [faz o gesto de abraçar]. Abraça a
todos. No-lo mostra Jesus na cruz, onde abriu completamente os braços para ser
crucificado e morrer por nós[1].
Dir-se-á que é uma teologia mais gestual do que argumentativa, mas é muito mais
convincente.
Pode parecer infantil, mas é
na própria Carta aos Romanos, que Paulo se atreve a atribuir ao Espírito Santo
a ousadia de usar, em relação a Deus, a linguagem com que as crianças se dirigiam
ao pai: Abba, papá[2].
No Evangelho, segundo S. Mateus, é aos adultos que lhes pede que sejam crianças[3].
2. Desde o Programa que apresentou para o seu pontificado – O Evangelho da Alegria,
2013 – mostrou e desenvolveu, na Laudato Sí (2015), que a alegria da
Igreja não é de carácter intimista. Exige o trabalho e o esforço de
todos os domínios do conhecimento, da cultura e da organização social,
incluindo as ciências sociais e humanas, isto é, uma ecologia integral
que deve estar sempre em desenvolvimento[4].
Daí a alegria de saber que é, precisamente neste desenvolvimento, que o Papa
está a trabalhar e que será apresentado no próximo dia 4 de Outubro.
Ainda em 2015, ao comemorar 50º aniversário do Vaticano II, insistiu noutra
tarefa para toda a Igreja, que é o Sínodo. Não apenas dos bispos, mas um
caminho comum de leigos, pastores, Bispo de Roma, através do fortalecimento da
assembleia dos bispos e de uma descentralização salutar. Lembro que a abertura
do novo Sínodo aconteceu nos dias 9 e 10 de Outubro 2021, tanto no Vaticano
como nas diferentes dioceses. Desenvolveu-se em três fazes – diocesana,
continental, universal – que visavam tornar possível uma
verdadeira escuta do povo de Deus e, ao mesmo tempo, envolver todos os bispos
em diferentes níveis da vida eclesial. A sua realização global terá duas
sessões: Outubro de 2023 e de 2024.
No documento sobre a Fraternidade Humana em prol da paz
mundial e da convivência comum (2019) envolve o sentido e o papel das
religiões, ao assinar esse texto maravilhoso juntamente com os muçulmanos,
mediante o Grão Imame de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb.
O grande contributo de todas as Igrejas cristãs é de mostrar
a vocação universal de todos os seres humanos: Fratelli Tutti (2020).
Quando,
agora, nos fixamos nos seus dez anos de pontificado, é para não perder a
memória do que representaram na transformação da Igreja. Foram anos de muitas
controvérsias e de muitas inovações.
Em
Outubro de 2022, saiu um livro do Papa Francisco, com o título, O que vos peço em
nome de Deus[5]. Nesse livro faz
um retrato da situação actual do mundo que, ao mesmo tempo, relança a
esperança. O próprio Papa Francisco, entrevistado por Francesca Ambrogetti e
Sergio Rubin, explica como viveu os seus dez anos de pontificado[6].
3. É interessante verificar que o Papa Francisco continua fiel às
Igrejas das periferias. A prova disso é a sua recente Visita Apostólica à Mongólia[7], um dos grandes países do
mundo com apenas cerca de 2,9 milhões de pessoas e situado entre dois grandes
países comunistas: a Rússia e a China. Sob o ponto de vista cristão, conta apenas com 2%. A
comunidade católica tem cerca 1400 fiéis cuja percentagem populacional é 0,04%!
Esta situação ultraminoritária da
população católica da Mongólia serviu, ao Papa, para dizer o que é a essência da
própria Igreja, desfazendo alguns mitos.
«Em primeiro lugar, o mito segundo o qual só as
pessoas ricas se podem comprometer no voluntariado. É uma ilusão. A
realidade aponta para o contrário: não é preciso ser rico para fazer bem;
aliás, são quase sempre as pessoas comuns que dedicam tempo, conhecimentos e
coração para cuidar dos outros. Um segundo mito a dissipar: a Igreja Católica,
que se distingue no mundo pelo seu grande empenho em obras de promoção social,
não o deve fazer por proselitismo, como se cuidar do outro fosse uma forma de
convencer, visando atrair “para o seu lado”. Não é isso! A Igreja não avança através do proselitismo,
avança através da atração. Os cristãos identificam a pessoa necessitada e fazem
todo o possível por aliviar as suas tribulações. Apraz-me imaginar esta Casa da
Misericórdia como o espaço onde pessoas de diferentes credos e mesmo
não-crentes unem os seus esforços aos dos católicos locais para socorrer
compassivamente tantos irmãos e irmãs em humanidade.
O que é indispensável para fazer verdadeiramente o
bem é um coração bom, um coração decidido a procurar aquilo que é melhor para o
outro. Só o amor vence o egoísmo e faz avançar o mundo. Em toda a parte, a
Igreja ou é a Casa da Misericórdia ou não é nada[8].
10 Setembro
2023
[1] Papa
Francisco, JMJ Lisboa 2023. Paulus / Paulinas, 2023, pp. 44-45
[2] Cf. Rm 8
[3] Cf. Mt
18
[4] Implica
o desenvolvimento da chamada Economia de Francisco. Parece-me
incontornável o texto de Viriato Soromenho-Marques sobre a Laudato Sí
[5] Em Portugal, foi publicado
pela Editorial Presença, em Março 2023
[6] O
Pastor, Paulinas Maio 2023
[7] De 31 de
Agosto a 04 de setembro 2023
[8] Cf.
Discurso do Papa Francisco na despedida da Mongólia
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