terça-feira, 12 de setembro de 2023

RETOMANDO O RITMO DESTAS CRÓNICAS Frei Bento Domingues, O.P.

 

 

1. Como toda a gente sabe, o passado mês de Agosto, em Portugal, esteve polarizado pela Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que devia ter acontecido em 2022, mas foi adiada para 2023 devido à pandemia. Este evento acontece de três em três anos. Foi uma iniciativa de João Paulo II, sendo a primeira realizada em Roma em 1986.

A JMJ Lisboa 2023 foi anunciada no dia 27 de Janeiro de 2019, na Missa de Envio da JMJ Panamá. Em Portugal, contou com a colaboração do Presidente da República, do Governo e das autarquias de Lisboa e Loures. Entre nós, o conjunto da Igreja parece ter tomado consciência, muito lentamente, do significado e da importância desse anúncio. No entanto, correu tudo muito bem. Os próprios jornalistas e o Papa, de regresso a Roma, destacaram a qualidade da organização.

 Que marca terá deixado nos jovens presentes em Lisboa, vindos de mais de 180 países? O modelo foi criado pelo Papa João Paulo II e foi seguido, o que levou algumas pessoas a dizer que, além da juventude, havia mitras a mais. O Papa Francisco foi fiel a esse modelo, mas tudo o que disse e fez tinha a sua marca, a sua originalidade, isto é, uma Igreja de todos e não apenas da hierarquia, uma Igreja de portas abertas que não exclui ninguém.

Eis o texto na sua significativa insistência repetitiva: Amigos, quero ser claro convosco, que sois alérgicos à falsidade e às palavras vazias: na Igreja há espaço para todos. Para todos. Na Igreja, ninguém é de sobra. Nenhum está a mais. Há espaço para todos. Assim como somos. Todos. Jesus di-lo claramente. Quando manda os apóstolos chamar para o banquete daquele senhor que o preparara, diz: «Ide e trazei todos», jovens e idosos, sãos, doentes, justos e pecadores. Todos, todos, todos! Na Igreja, há lugar para todos. «Padre, mas para mim que sou um desgraçado, que sou uma desgraçada, também há lugar?» Há espaço para todos! Todos juntos… Peço a cada um que, na própria língua, repita comigo: «Todos, todos, todos». Não se ouve; outra vez! «Todos, todos, todos». E esta é a Igreja, a Mãe de todos. Há lugar para todos. O Senhor não aponta o dedo, mas abre os braços. É curioso! O Senhor não sabe fazer isto [aponta com o dedo em riste], mas isto sim [faz o gesto de abraçar]. Abraça a todos. No-lo mostra Jesus na cruz, onde abriu completamente os braços para ser crucificado e morrer por nós[1]. Dir-se-á que é uma teologia mais gestual do que argumentativa, mas é muito mais convincente.

Pode parecer infantil, mas é na própria Carta aos Romanos, que Paulo se atreve a atribuir ao Espírito Santo a ousadia de usar, em relação a Deus, a linguagem com que as crianças se dirigiam ao pai: Abba, papá[2]. No Evangelho, segundo S. Mateus, é aos adultos que lhes pede que sejam crianças[3].

2. Desde o Programa que apresentou para o seu pontificado – O Evangelho da Alegria, 2013 – mostrou e desenvolveu, na Laudato Sí (2015), que a alegria da Igreja não é de carácter intimista. Exige o trabalho e o esforço de todos os domínios do conhecimento, da cultura e da organização social, incluindo as ciências sociais e humanas, isto é, uma ecologia integral que deve estar sempre em desenvolvimento[4]. Daí a alegria de saber que é, precisamente neste desenvolvimento, que o Papa está a trabalhar e que será apresentado no próximo dia 4 de Outubro.

Ainda em 2015, ao comemorar 50º aniversário do Vaticano II, insistiu noutra tarefa para toda a Igreja, que é o Sínodo. Não apenas dos bispos, mas um caminho comum de leigos, pastores, Bispo de Roma, através do fortalecimento da assembleia dos bispos e de uma descentralização salutar. Lembro que a abertura do novo Sínodo aconteceu nos dias 9 e 10 de Outubro 2021, tanto no Vaticano como nas diferentes dioceses. Desenvolveu-se em três fazes – diocesana, continental, universal – que visavam tornar possível uma verdadeira escuta do povo de Deus e, ao mesmo tempo, envolver todos os bispos em diferentes níveis da vida eclesial. A sua realização global terá duas sessões: Outubro de 2023 e de 2024.

No documento sobre a Fraternidade Humana em prol da paz mundial e da convivência comum (2019) envolve o sentido e o papel das religiões, ao assinar esse texto maravilhoso juntamente com os muçulmanos, mediante o Grão Imame de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb.

O grande contributo de todas as Igrejas cristãs é de mostrar a vocação universal de todos os seres humanos: Fratelli Tutti (2020).

Quando, agora, nos fixamos nos seus dez anos de pontificado, é para não perder a memória do que representaram na transformação da Igreja. Foram anos de muitas controvérsias e de muitas inovações.

Em Outubro de 2022, saiu um livro do Papa Francisco, com o título, O que vos peço em nome de Deus[5]. Nesse livro faz um retrato da situação actual do mundo que, ao mesmo tempo, relança a esperança. O próprio Papa Francisco, entrevistado por Francesca Ambrogetti e Sergio Rubin, explica como viveu os seus dez anos de pontificado[6].

3. É interessante verificar que o Papa Francisco continua fiel às Igrejas das periferias. A prova disso é a sua recente Visita Apostólica à Mongólia[7], um dos grandes países do mundo com apenas cerca de 2,9 milhões de pessoas e situado entre dois grandes países comunistas: a Rússia e a China. Sob o ponto de vista cristão, conta apenas com 2%. A comunidade católica tem cerca 1400 fiéis cuja percentagem populacional é 0,04%!

Esta situação ultraminoritária da população católica da Mongólia serviu, ao Papa, para dizer o que é a essência da própria Igreja, desfazendo alguns mitos.

«Em primeiro lugar, o mito segundo o qual só as pessoas ricas se podem comprometer no voluntariado. É uma ilusão. A realidade aponta para o contrário: não é preciso ser rico para fazer bem; aliás, são quase sempre as pessoas comuns que dedicam tempo, conhecimentos e coração para cuidar dos outros. Um segundo mito a dissipar: a Igreja Católica, que se distingue no mundo pelo seu grande empenho em obras de promoção social, não o deve fazer por proselitismo, como se cuidar do outro fosse uma forma de convencer, visando atrair “para o seu lado”. Não é isso! A Igreja não avança através do proselitismo, avança através da atração. Os cristãos identificam a pessoa necessitada e fazem todo o possível por aliviar as suas tribulações. Apraz-me imaginar esta Casa da Misericórdia como o espaço onde pessoas de diferentes credos e mesmo não-crentes unem os seus esforços aos dos católicos locais para socorrer compassivamente tantos irmãos e irmãs em humanidade.

O que é indispensável para fazer verdadeiramente o bem é um coração bom, um coração decidido a procurar aquilo que é melhor para o outro. Só o amor vence o egoísmo e faz avançar o mundo. Em toda a parte, a Igreja ou é a Casa da Misericórdia ou não é nada[8].

 

 

 

10 Setembro 2023



[1] Papa Francisco, JMJ Lisboa 2023. Paulus / Paulinas, 2023, pp. 44-45

[2] Cf. Rm 8

[3] Cf. Mt 18

[4] Implica o desenvolvimento da chamada Economia de Francisco. Parece-me incontornável o texto de Viriato Soromenho-Marques sobre a Laudato Sí

[5] Em Portugal, foi publicado pela Editorial Presença, em Março 2023

[6] O Pastor, Paulinas Maio 2023

[7] De 31 de Agosto a 04 de setembro 2023

[8] Cf. Discurso do Papa Francisco na despedida da Mongólia

 

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