1. Todos os anos nasce a
pergunta: o dia 25 de Dezembro é uma data histórica ou uma construção simbólica?
Actualmente, a Igreja Católica, as Igrejas Protestantes e as Igrejas Ortodoxas
de Constantinopla, de Alexandria, de Antioquia, da Roménia, de Chipre e da
Grécia celebram o Natal no dia 25 de Dezembro. Todas as outras Igrejas
Ortodoxas o celebram no dia 6 de Janeiro, quando a Igreja Católica celebra a
Epifania. A Igreja da Arménia celebra o Natal a 18 ou 19 de Janeiro.
Estas datas têm todas a ver com a resistência do sol ao
seu aparente apagamento e com as festas pagãs a propósito do solstício de
Inverno. Os romanos festejavam, a 25 de Dezembro, a festa do Sol invencível, a
qual foi decisiva para situar a festa do nascimento do verdadeiro Sol, luz do
mundo, nossa luz, Jesus Cristo.
A
palavra solstício significa "sol parado". A partir desta data, a
duração do dia começa a crescer. Por isso, na antiguidade greco-romana, o
solstício de inverno simbolizava a vitória da luz sobre a escuridão.
As
narrativas evangélicas da infância de Jesus são diferentes em Mateus e em Lucas
e a sua poética também. Mas, quer uma quer outra, significam sempre o Natal de
Jesus ou, como escreveu S. Mateus, Deus-connosco. Esta significação é
extensiva às outras narrativas do Novo Testamento. Todas dizem que Deus está
com todas as pessoas, de todos os povos, para que todas possam renascer,
tornar-se cristãs. O universalismo cristão tem, aqui, a sua fonte.
Não vou
entrar nos problemas da evolução histórica desta convicção cristã. Mas não vale
tudo. Alguns dos chamados novos movimentos religiosos, que se apresentam para
renovar a Igreja, tornaram-se os seus maiores problemas – idolatria, abuso de poder,
escândalos sexuais. Como prevenir esta deriva sectária e os seus abusos?[1].
2. A própria existência de vários textos
fundadores da fé cristã mostra que não são a cópia uns dos outros. Mesmo os
chamados quatro Evangelhos foram precedidos da convicção de Cristo actuante na
diversidade cultural das diferentes comunidades. Foram surgindo em contextos
sempre novos da evangelização, desde os primeiros tempos.
A
criatividade, no interior das comunidades cristãs, foi considerada fruto do
Espírito de Cristo que suscita não só a diversidade, mas também a sua unidade. Criatividade,
unidade e diversidade viveram sempre em tensão em todos os tempos e lugares.
Os
cuidados com a ortodoxia não podem tentar sufocar a liberdade do Espírito de
Deus porque foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Paulo insiste em
não nos deixarmos prender, de novo, ao que nos escravizou[2].
Podemos ouvir, hoje, esse grande aviso no coração dos próprios trabalhos do
sínodo em curso. Este só tem sentido se for para abrir o presente à liberdade
de Deus na criatividade da Igreja. Não se pode meter vinho novo em odres
velhos. Por isso, não nos admiremos dos movimentos tradicionalistas que
nunca desejaram o novo, mas o velho. Não podemos esquecer que é preciso um
discernimento constante para não confundir as verdadeiras com as falsas
reformas, como diria Yves Congar[3].
3. Desde
há bastante tempo que o Natal se tornou uma festa de família, que deveria ser
para todas as famílias, considerem-se elas cristãs ou não. Os próprios laços
familiares vão mudando de sentido com as transformações da própria família ou
da ausência de família por doenças, guerras ou catástrofes. Daí, a diversidade
das suas festas: Natal dos hospitais, das prisões, dos sem abrigo e das
múltiplas iniciativas das mais diferentes instituições. Ao contrário do que
muitas pessoas julgam, não me parece que se devam desvalorizar essas
iniciativas com o pretexto de que não resolvem problema nenhum e servem, apenas,
para criar momentâneas ilusões.
No
entanto, os cristãos não podem esquecer que o nascimento de Jesus é
apresentado, em S. Lucas, como a festa dos que não frequentavam o Templo ou as
Sinagogas – os pastores que cuidavam dos seus rebanhos, mesmo durante a noite.
Vale a pena escutar esse texto:
«Um Anjo apareceu-lhes e a glória do Senhor envolveu-os
de luz e ficaram assustados. O Anjo disse-lhes: Não tenhais
medo, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo. Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Cristo-Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um recém-nascido envolto em
panos e deitado numa manjedoura. De repente, juntou-se ao Anjo
uma multidão do céu, louvando a Deus e dizendo: Glória a Deus
nas alturas e paz na terra a todos os seres humanos, de todos os tempos e
lugares!»[4].
É seguindo esta
lógica que o Papa Francisco acaba de nos lembrar: o anúncio cristão é
alegria para todos! Quando nos encontramos verdadeiramente com
o Senhor Jesus, a maravilha deste encontro invade a nossa vida e pede para ser
levada além de nós mesmos. É isso que Ele deseja, que o seu Evangelho seja para
todos. Com efeito, nele existe um “poder humanizador”, um cumprimento de vida
destinada a cada homem e mulher, porque Cristo nasceu, morreu e ressuscitou
para todos. Para todos, sem excluir ninguém!»
Mas observa: «Talvez que a maior tentação consista em considerar o chamamento
recebido como um privilégio. Por favor, não! O chamamento não é um privilégio,
nunca! Não podemos dizer que somos privilegiados em relação aos outros, não! O
chamamento é para um serviço. E Deus, quando escolhe alguém, é por amor de
todos e para ir ao encontro de todos!
Também
para evitar a tentação de identificar o cristianismo com uma cultura, com uma
etnia, com um sistema. Desse modo, perderia a sua natureza
verdadeiramente católica, isto é, para todos, universal. Não é um
grupinho de eleitos de primeira classe. Não nos esqueçamos: Deus escolhe alguns
para todos. É este o horizonte da universalidade. O Evangelho não é só
para mim, é para todos, não o esqueçamos».
Como
já tinha escrito na Evangelli gaudium (nº 14), «todos têm o direito de receber o Evangelho. Os cristãos têm o dever de
o anunciar, sem excluir ninguém, e não como quem impõe uma nova obrigação, mas
como quem partilha uma alegria, indica um horizonte maravilhoso, oferece
um banquete apetecível. A Igreja não cresce por proselitismo, mas por
atração».
«Irmãos e irmãs, sintamo-nos ao serviço do destino
universal do Evangelho, que é para todos, e distingamo-nos pela capacidade
de sair de nós próprios. Para ser verdadeiro, o anúncio deve-nos fazer sair do
egoísmo e ter a capacidade de superar todos os limites»[5].
As
festas do Natal anunciam e denunciam o Natal que falta!
26 Novembro 2023
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