1.
Confesso que a Carta ao Povo de Deus, publicada no passado dia 25, me deixou
desconsolado. Dois anos de trabalhos (2021-2023) só para aquilo? Não podia ser! Agora, já é possível ter acesso
ao Relatório da primeira Assembleia do Sínodo e fiquei consolado com o
que li. É um documento longo e não esconde nada. Em cada número, apresentam as
convergências, as questões que precisam de ser abordadas e as propostas.
Vou
destacar apenas algumas convergências que também evocam a Festa de Todos os
Santos que celebrámos na passada quarta-feira: Uma Igreja de todas as tribos,
línguas, povos e nações[i].
O Sínodo chama, felizmente, a atenção
para os contextos culturais, históricos e regionais em que a Igreja está
presente e que revelam diferentes necessidades espirituais e
materiais. Isto molda a cultura das Igrejas locais, as suas prioridades
missionárias, as preocupações e os dons que cada uma traz para o diálogo
sinodal, e as línguas com as quais se expressam. Isso exigirá que muita
coisa terá de ser revista para marcar a abertura universal da Igreja, mas a partir
da singularidade de cada comunidade.
As igrejas vivem em contextos cada vez
mais multiculturais e multirreligiosos, nos quais é essencial o compromisso de
diálogo entre religião e cultura juntamente com os outros grupos que compõem a
sociedade. Viver a missão da Igreja nestes contextos exige um estilo de
presença, serviço e anúncio que procure construir pontes, cultivar a
compreensão mútua e empenhar-se numa evangelização que acompanha, escuta e
aprende.
Em alguns lugares, o anúncio do
Evangelho tem sido associado à colonização e até ao genocídio. Evangelizar nestes contextos
exige reconhecer os erros cometidos, aprender uma nova sensibilidade para estas
questões e acompanhar uma geração que procura forjar identidades cristãs para
além do colonialismo. Respeito e humildade são atitudes fundamentais para
que cada tribo, língua, povo e nação reconheça que nos complementamos e que o
encontro com diferentes culturas pode enriquecer a experiência e o pensamento
da fé das comunidades cristãs[ii].
Tudo isto vai exigir uma mudança na
própria forma de fazer Teologia. O Papa acaba de dar o seu contributo na Carta
Apostólica dirigida à Academia Pontifícia de Teologia[iii].
2. Era inevitável o confronto provocado pela actual extensão dos conflitos,
com o comércio e utilização de armas cada vez mais poderosas. Esta questão,
levantada em vários grupos, exige uma reflexão e formação mais atentas para
lidar com os conflitos de forma não violenta. Esta é uma
contribuição qualificada que os cristãos podem oferecer ao mundo de hoje,
também no diálogo e na cooperação com outras religiões.
Por iniciativa do Papa Francisco, o dia
27 de Outubro foi proposto às comunidades cristãs para jejuarem e rezarem pela
paz. Francisco concluiu esse dia, na Praça de S. Pedro, com uma hora de oração
conhecida como Oração Pacem in Terris, pedindo que a humanidade aprenda a
acolher e a cuidar da vida – de toda a vida humana! – e a repudiar a loucura da
guerra, que semeia morte e apaga o futuro.
Escolheu o seguinte texto de Isaías para
dar início a esta oração: «Deus julgará as nações e dará as suas leis a muitos povos, os
quais transformarão as suas espadas em relhas de arados e as suas lanças em
foices. Uma nação não levantará a espada contra outra e nem se aprenderá mais a
fazer a guerra» (Is 2, 4).
Esta oração pela paz não integrava
o calendário do Sínodo, mas os dois acontecimentos têm uma relação directa: o
Sínodo não pretende só curar as feridas da Igreja, mas também as de toda a
humanidade – guerra, emergência climática, escravatura, falta de habitação ou
de trabalho… –, disse o padre Timothy Radcliffe, antigo superior geral dos
dominicanos, na conferência de imprensa desse dia. Foi o orientador do retiro
que antecedeu a Assembleia sinodal e publicou um novo livro que já apareceu em
diversas línguas e, em Março, será editado em português, Perguntas de Deus,
perguntas a Deus.
3. Três dias depois do início do
Sínodo (07.10.2023), começou uma nova guerra no Médio-Oriente. O Papa nunca
esquece esta loucura. No Angelus do dia Todos os
Santos, exortou-nos a continuar a rezar por todos os povos que sofrem as
guerras de hoje: Não esqueçamos a atormentada Ucrânia, não esqueçamos a
Palestina, não esqueçamos Israel e não esqueçamos tantas outras regiões afectadas
pela guerra.
O próprio discurso do secretário-geral
das Nações Unidas, António Guterres, no Conselho de Segurança da ONU, a 24 de
Outubro, suscitou várias polémicas. De qualquer forma, Ana Sá Lopes, jornalista
do Público, fala da vingança até ao extermínio do último palestiniano
(29.10.2023). O que é que poderíamos fazer?
O texto Moderados de todo o
mundo: uni-vos! de Pedro Abrunhosa tem de ser atendido: Só
uma solução política que envolva os moderados dos dois lados poderá fazer a
transição da injustiça-absoluta para a paz desejada. Nem Netanyahu nem o
Hamas são capazes desta solução.
Nada
há de heroico em matar um ser humano. Absolutamente nada. Nem em nome da
pátria, nem em nome da história, nem, muito menos, em nome de Deus[iv].
Além do plano meramente político, devemos
acolher a imaginação de todos os pacíficos.
Miguel Marujo lembrou-nos o belo
exemplo da marcha das mães: Há mulheres, muitas, que marcham, vestidas
de branco, lado a lado, sorridentes, em festa – e fazem-no pela paz. São quatro
mil, duas mil israelitas, duas mil palestinianas, que caminharam em direção a
Jerusalém, para pedirem a paz numa terra a que muitos chamam santa e vive em estado
(quase) permanente de guerra e conflito.
Estávamos em 2016, há sete anos, no
dia 19 de outubro, e aquelas mulheres tomaram em mãos a vontade de muitas e
muitos naquelas terras do Médio Oriente – a de lutar pela paz sem armas nas
mãos. Partiram a 4 de outubro de Qasr el Yahud (a norte do Mar Morto) na Marcha
da Esperança, até Jerusalém.
A cantora e compositora israelita,
também ativista por esta causa, Yael Deckelbaum, juntou-se a esse grupo de
mulheres, apresentadas como corajosas, que se tinham unido no movimento Women
Wage Peace, quando em 2014 se registou uma escalada no conflito, com mais
um episódio de guerra entre israelitas e palestinianos[v].
João Rosa contou-me que, por ocasião da vinda do
Papa Francisco às JMJ, em Maio, fez com o seu filho Martim um livro dedicado a
Francisco, Uma Flor em Marte. É um ansejo de paz, utópico, talvez
ingénuo, mas catártico, face à dor de assistir a um tempo de guerra, próxima e
ultrajante, como se não fossemos dignos de nos distinguirmos das outras
espécies animais. Agora, a dor é acrescida e ainda mais agravada pelo
intolerante e odioso conflito Hamas-Israel.
Esse livro ilustrado
é uma forma de gratidão ao Papa: este constitui um privilégio para a humanidade,
desde o dia em adoptou o nome Francisco.
Bem-aventurados todos
os que promovem a paz![vi]
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