1. Começamos hoje a celebração
litúrgica do Advento. É um fervoroso convite a entrar neste tempo de vigilância
para estarmos atentos ao Deus que vem a toda a hora, a todo o momento, na vida
das pessoas, na vida do mundo, embora nós não nos demos conta, se não
estivermos atentos. A própria liturgia do Domingo existe para romper com essa
desatenção ao permanente advento de Deus, na evolução da natureza e da história
humana.
Este ano, no pátio da igreja de Santa Isabel, foi antecipada
uma nova forma de evocação do Advento. Vários grupos inter-religiosos participaram
numa vigília para acolher e questionar a COP28 (28ª Conferência das Partes das
Nações Unidas sobre Mudanças do Clima).
Organizada
em parceria com a Rede Cuidar da Casa Comum, esta vigília prolongou-se por 13 horas, tantas
quantos os dias da Conferência do Dubai. Durante a vigília, houve colóquios,
debates, música, poesia com pessoas de várias expressões religiosas. Pode e seria bom ser replicada noutros locais.
Foi a
perspectiva da citada COP28 do Dubai, iniciada a 30 de Novembro (2023), que tinha
motivado o Papa Francisco a escrever a Exortação Apostólica Laudate Deum
sobre a crise climática, que regista uma intensa carga política.
Segundo o
Papa, é impossível esconder a coincidência dos fenómenos climáticos negativos e
globais com o crescimento acelerado das emissões de gases com efeito estufa,
sobretudo a partir de meados do século XX. A esmagadora maioria dos estudiosos
do clima defende esta correlação, sendo mínima a percentagem daqueles que
tentam negar esta evidência. Infelizmente,
a crise climática não é propriamente uma questão que interesse às grandes
potências económicas, preocupadas em obter o maior lucro ao menor custo e no
mais curto espaço de tempo possíveis. Vejo-me obrigado a fazer estas
especificações, que podem parecer óbvias, por causa de certas opiniões
ridicularizadoras e pouco racionais que encontro mesmo dentro da Igreja
Católica (nº13 e 14).
No momento
em que comecei a escrever esta crónica, dispunha do programa da participação do
Papa Francisco na COP28. Ele próprio tinha informado: vou para o Dubai a 1 de
Dezembro até ao dia 3, que é o começo da celebração do Advento litúrgico. Esta
viagem não acontecerá como estava prevista.
O Papa, desde sábado (25), encontrava-se num estado gripal, com uma
inflamação do sistema respiratório. Por meio de um comunicado, a Sala de
Imprensa do Vaticano declarou: O quadro clínico geral melhorou, mas os médicos
pediram ao Papa que não fizesse a viagem planeada para os próximos dias por
ocasião da Cop28. Francisco concordou com grande pesar. Entretanto, seriam
definidas as modalidades da participação da Santa Sé na Conferência das Partes.
O comunicado insistia em que o Papa e a
Santa Sé continuavam dispostos a fazer parte das discussões que ocorrerão nos
próximos dias. Ficaram em aberto as modalidades que essa participação poderá
revestir.
Francisco seria o primeiro Papa a discursar
numa COP, tendo lançado um desafio aos participantes, na já referida Exortação Apostólica,
publicada a 4 de Outubro 2023. O convite para a sua participação na cimeira do
clima foi feito pelo presidente dos Emirados Árabes Unidos, Mohammed bin Zayed
Al Nahyan. Bergoglio esclareceu os motivos que o levavam a Dubai: «Não podemos
renunciar ao sonho de que a COP28 leve a uma decidida aceleração da transição
energética, com compromissos eficazes que possam ser monitorizados de forma
permanente. Esta Conferência pode ser um ponto de viragem».
Francisco já tinha
estado em Abu Dhabi, em Fevereiro de 2019, por ocasião da assinatura do célebre
documento sobre a Fraternidade Humana para a Paz Mundial com Ahmad
Al-Tayyeb, o grande imã da Universidade e Mesquita al-Azhar. Talvez se possa
dizer que foi o grande ensaio da Encíclica Fratelli Tutti (2020), um dos
textos mais marcantes deste Papa.
2. Neste
tempo de Advento, não podemos esquecer o paradoxo apontado por Clara Raimundo[1].
Este ano não haverá festejos do Natal na cidade onde, segundo a tradição
cristã, nasceu Jesus. Se o paradoxo é enorme, não é tão grande como a tristeza
e a dor que pairam nas ruas de Belém, na Cisjordânia, e que se revelam nos
semblantes dos poucos que as percorrem. «Belém, como qualquer outra cidade
palestiniana, está de luto e triste… Não podemos comemorar enquanto estivermos
nesta situação», afirma Hanna Hanania, presidente da câmara cessante. O
município decidiu, assim, cancelar os eventos de Natal e retirar todas as
decorações da cidade. Unindo-se ao apelo dos Patriarcas e Líderes das Igrejas de Jerusalém,
Hanania pede a todos que se concentrem na oração: «Rezaremos a Deus para que
haja paz, na terra da paz».
No dia 26
do mês passado, o Papa lembrou, no Angelus, que a atormentada Ucrânia
comemorou o Holodomor, o genocídio provocado
pelo regime soviético que causou a morte de milhões de pessoas por fome, há 90
anos. Essa ferida lacerante, em vez de sarar, torna-se ainda mais dolorosa com
as atrocidades da guerra que continua a fazer sofrer aquele querido povo.
Por todos os povos dilacerados
pelos conflitos, continuemos a rezar sem nos cansarmos, porque a oração é a
força da paz que quebra a espiral do ódio, rompe o ciclo da vingança e abre
caminhos de reconciliação que não se esperam.
Hoje, damos graças a Deus
porque finalmente há trégua entre Israel e a Palestina e alguns reféns foram
libertados. Rezemos para que todos eles sejam libertados o mais depressa
possível, rezemos para que entre mais ajuda humanitária em Gaza e para que se
insista no diálogo: é a única via, a única via para a paz. Aqueles que não
querem o diálogo não querem a paz.
Francisco confessa que em Israel e na Palestina, além de
todas as atrocidades da guerra, fomos para além das guerras: isto não é
guerra, isto é terrorismo. Por favor, avancem para a paz, rezem pela paz.
3. Já foi
dito, já foi escrito que, fora do diálogo, não há paz, não há salvação[2].
Ora, o tempo em que nos encontramos não é propriamente de diálogo, de
democracia participada. É talvez, como diz Nuno Severiano Teixeira, «atravessado por uma onda
populista transnacional que atravessa a Europa e a América e é consequência de
uma globalização desregulada, do descontentamento dos seus perdedores
e da crise de representação política, isto é, da incapacidade de os partidos tradicionais
representarem essas populações e responderem aos seus problemas»[3].
Se
Advento significa vigilância, não podemos fazer de conta que isto não tem nada
a ver connosco nem com as nossas Igrejas. Celebrar o Advento de Deus, no devir
da natureza e da história humana, história de que Ele faz parte no espantoso
mistério da Incarnação, não devemos estranhar que o Papa, em Laudate Deum,
tenha sido tão forte na dimensão política desse documento, louvada por uns,
lamentada por outros.
03 Dezembro 2023
Sem comentários:
Enviar um comentário