quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Do Monte Tabor ao Monte do Templo - Pe. Manuel João, MC

 Do Monte Tabor ao Monte do Templo

Ano B - Quaresma - 3º Domingo
João 2,13-25: “Não façais da casa de meu Pai casa de comércio!”

Eis-nos chegados ao terceiro domingo da Quaresma. Do deserto (para um encontro profundo connosco mesmos) subimos ao Tabor com Jesus (para um encontro transfigurador com Deus). Hoje subimos a Jerusalém, ao Templo do Senhor, para rever e purificar a nossa relação com Deus. Vamos com Jesus em peregrinação porque se aproxima a Páscoa, a festa por excelência, a festa da nossa libertação. 

A primeira Páscoa, o ponto de partida 

O evangelho que nos guia nesta visita ao Templo já não é Marcos, mas João. Curiosamente, o evangelista SJoão situa esta Páscoa no início da vida pública de Jesus, enquanto os sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas) a situam no fim do seu ministério, alguns dias antes de ser condenado e crucificado. Para S. João é o ponto de partida, para os outros evangelistas é o ponto de chegada. Este facto não nos deve surpreender, se tivermos em conta que as narrativas estão alinhadas de acordo com o objetivo catequético de cada evangelho. Note-se também que só S. João nos fala de três Páscoas durante a vida pública de Jesus (cf. Jo 2,13; 6,4; 11,55), enquanto os sinópticos falam apenas de uma, a última. O relato de João é mais articulado e fornece-nos dados históricos valiosos, enquanto os sinópticos narram o evangelho de forma mais linear, como se todo o ministério de Jesus fosse orientado e se desenrolasse em função daquela única Páscoa da sua paixão, morte e ressurreição. 

Esta Páscoa é a que é conhecida como a da “purificação do Templo”. Jesus “encontrou no templo os vendedores de bois, de ovelhas e de pombas e os cambistas sentados às bancas”. Perante esta visão, Jesus enfureceu-se: “fez então um chicote de cordas e expulsou-os a todos do templo, com as ovelhas e os bois; deitou por terra o dinheiro dos cambistas e derrubou-lhes as mesas”. Nunca se tinha visto tal coisa desde o tempo dos profetas! O gesto de Jesus é um acto de provocação, um gesto profético de indignação. O profeta Malaquias (3,1-6) tinha dito que o Messias, “como o fogo da fundição e como a lixívia das lavadeiras”, purificaria o Templo e o culto. É por isso que os chefes religiosos lhe perguntam o significado desse gesto: “Que sinal nos dás de que podes proceder deste modo?”

A purificação do Templo do nosso coração

Qual é o significado profundo deste episódio para nós, hoje? Em que é que ele nos interpela? Limitar-me-ei a apresentar quatro aspectos.

1) A cólera do “Leão de Judá”. Estamos habituados a ver um Jesus “manso e humilde de coração” e, por isso, ficamos espantados e perplexos com a sua reação. Não nos apressemos a descrever esta cólera como “santa”, mas antes... saudável! Jesus, o Filho de Deus, é verdadeiro homem e conhece todos os nossos sentimentos de reação aos acontecimentos. Como é que este gesto deve ser interpretado? O evangelista oferece-nos a chave: “Os discípulos recordaram-se do que estava escrito: «Devora-me o zelo pela tua casa» (Salmo 69,10). Esta cólera de Jesus põe em causa uma certa atitude nossa de “pescoço torto” e “sem espinha dorsal”. Sim, ele é “o Cordeiro de Deus”, mas é também “o Leão de Judá” (Apocalipse 5,5), e assim devem ser os seus discípulos. O nosso problema é que, quando deveríamos ser “leões”, comportamo-nos como “cordeiros”, por medo e cobardia. Quando deveríamos ser “cordeiros”, comportamo-nos como “leões”, movidos pela violência e pela agressividade!

2) A combinação de Deus com o dinheiro! “Não façais da casa de meu Pai casa de comércio!”. Eis a denúncia profética de Jesus: o deus mamon tinha-se apoderado do Templo de Deus! A Páscoa era a grande ocasião para os negócios, para a venda de animais para os sacrifícios, para a troca de moeda, para os que vinham da diáspora, e do dinheiro que circulava no Templo, onde não se podia entrar com a moeda “profana” com a efígie do César. Além disso, era na Páscoa que entrava o imposto do Templo. Naqueles dias, corria um rio de dinheiro, gerido pela classe sacerdotal, especialmente pela família dos sumos sacerdotes, Anás e Caifás. Só para termos uma ideia, o Templo de Jerusalém era considerado o maior “banco” do antigo Médio Oriente. Não nos precipitemos e pensemos que esta denúncia não nos diz respeito ou, quando muito, diz respeito à Igreja institucional. Na realidade, todos nós corremos o risco de servir o deus dinheiro e que este ídolo ocupe o lugar de Deus nos nossos corações!

3) A era dos “sacrifícios” acabou! Tirai tudo isto daqui!”, diz Jesus aos vendedores, expulsando do Templo os animais para os sacrifícios. Mas, se não há animais, como é que se fazem os sacrifícios! Se não há cordeiro, como é que se celebra a Páscoa? A era dos sacrifícios acabou; é tempo de dar um passo em frente nesta religiosidade pagã que pretende agradar a Deus com sacrifícios. Deus é livre no seu amor; não quer sacrifícios, mas justiça, amor e compaixão! Não tomemos este passo por garantido. Todos somos tentados a pensar que Deus nos ama se... formos bons; se cumprirmos certos deveres; se formos à missa ao domingo! Certas práticas correm o risco de serem feitas com uma verdadeira mentalidade mercantil, uma forma de comprar o favor de Deus. Somos facilmente “religiosos”, mas somos lentos a ter fé!

4) Jesus, o novo Santuário. “Destruí este templo e em três dias o levantarei”, responde Jesus enigmaticamente aos chefes religiosos. Os seus discípulos só o compreenderão após a ressurreição: “Jesus, porém, falava do templo do seu corpo...” Jesus dirá à mulher samaritana: “Está a chegar a hora - e é agora - em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade” (João 4,23). Jesus é o novo e definitivo Templo.Já não existe um espaço e um tempo sagrados que possam circunscrever a presença de Deus. No Novo Testamento, há a convicção de que o cristão está associado a este novo Templo e à nova liturgia. S. Pedro diz: “Como pedras vivas, sois também vós edificados como um edifício espiritual, para serdes sacerdócio santo e oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo” (1 Pedro 2,5). S. Paulo diz também: “Não sabeis que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o templo de Deus, Deus destruí-lo-á” (1 Coríntios 3,16-17). Actualmente, há uma consciência crescente de que não só o cristão, mas todos os homens e mulheres são um templo de Deus que deve ser respeitado!

Reflexão para a semana

1) Confrontar-se com os quatro aspectos acima mencionados para purificar o Templo do nosso coração. Peçamos ao Senhor que intervenha em nós com o “chicote” da sua Palavra!
2) Perguntemo-nos até que ponto cresceu em nós a consciência de que cada homem/mulher é o Templo de Deus.

P. Manuel João Pereira Correia, mccj
Verona, 28 de fevereiro de 2024

NB. Para a reflexão completa, ver: https://comboni2000.org/2024/02/28/la-mia-riflessione-domenicale-dal-monte-tabor-al-monte-del-tempio/ p.mjoao@gmail.com
https://comboni2000.org

 

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