segunda-feira, 24 de junho de 2024

NASCEU O RISO, NASCEU CRISTO Frei Bento Domingues, O.P. 23 Junho 2024

 

NASCEU O RISO, NASCEU CRISTO

Frei Bento Domingues, O.P.

23 Junho 2024

 

1. Desde há muito tempo, que ouço dizer que a Igreja Católica foi a mãe da tristeza e desenvolveu uma moral de tristes para tristes. E não só. Passou a transferir-se esse comportamento para o próprio Jesus que chorou e não riu. Ora, isso não tem sentido nenhum. Se era um ser humano, o mais normal é que tivesse tido muitas situações que o fizeram rir. São célebres e numerosos os jantares em que participava. O Evangelho de S. Lucas registou: «veio João Baptista que não come pão e não bebe vinho, e dizeis: o demónio está nele! Veio o Filho do Homem que come e bebe e dizeis; eis aí um glutão e beberrão, amigo de publicanos e pecadores»[1]. Em S. Marcos, os escribas diziam, Belzebu está nele. É pelo príncipe dos demónios que ele expulsa os demónios[2].

Isidro Lamelas, OFM, especialista em Teologia Patrística, retomou a história do riso, com um belo título, Felizes os que choram… de alegria. Cristianismo e humor[3].

Concede que a Igreja Católica e os seus pregadores não conviveram bem com o riso e o humor. Fez um percurso entre os filósofos da Antiguidade até aos nossos tempos.

«Entre os antigos, que desde cedo se ocuparam do riso como assunto sério perfilaram-se duas atitudes ou correntes face ao humor: teria razão Demócrito, que passou a vida a rir, ou Heraclito, que preferiu sempre as lágrimas. Estes dois nomes tornaram-se os protótipos lendários de duas visões e atitudes contrapostas perante o mundo e a vida: Heraclito, “o obscuro”, solidário dos homens e complacente com este “vale de lágrimas” que é o mundo; Demócrito, indiferente aos males que afligem o mundo, face ao qual mantém a distância que lhe permite rir de tudo e de todos.

«À vetustíssima pergunta, “rir ou chorar?”, os autores cristãos foram dando uma resposta em continuidade com os moralistas antepassados, preferindo quase sempre a via de Heraclito. Herdeiro desta moralização do riso, o Pe. António Vieira dedica um dos seus sermões em defesa das “Lágrimas de Heraclito, contra o riso de Demócrito”».

Maria Rueff, no Encontro do Papa com os humoristas, ofereceu-lhe um sermão de Natal de Santo António (século XIII) e que deixo, aqui, apenas uma passagem: «O Anjo disse aos pastores: Anuncio-vos uma grande alegria. Nasceu-vos hoje um Salvador. Com isto está de acordo o que se diz no Génesis: Nasceu Isaac. E disse Sara: Deus me deu riso, e todo aquele que ouvir rirá juntamente comigo. Sara interpreta-se princesa ou carvão. É figura da Virgem gloriosa, princesa e nossa Rainha, inflamada pelo Espírito Santo, como se fora um carvão. Deus fê-la hoje riso, porque dela nasceu o nosso riso: “Anuncio-vos uma grande alegria, porque nasceu o riso, nasceu Cristo.” Nós ouvimos hoje isto do anjo: Todo aquele que ouvir rirá juntamente comigo.

«Riamo-nos, portanto, e alegremo-nos juntamente com a Virgem Santíssima, porque Deus nos deu o riso, isto é, a causa de nos rirmos e de nos alegrarmos com ele e nela: Nasceu-vos hoje um Salvador».

2. Sou testemunha do comportamento ambíguo em algumas aldeias do Norte. Conheci um pároco que aceitou, sem entusiasmo, a seguinte orientação: se queres ser da juventude da Acção Católica, e deves ser, não podes dançar. Era de um concelho em que, ao fim dos trabalhos agrícolas, dançavam e cantavam, isto sobretudo a partir do mês de Maio. Ouvi um padre, aliás muito piedoso, gritar uma das maiores barbaridades, através do alto-falante: preferia ver-vos em sangue, no hospital de S. Marcos, do que ver-vos a dançar.

Por outro lado, também conheci uma freguesia em que o senhor abade, nas frequentes novenas, convidava sempre dois pregadores. Um para a meditação da manhã, muito sisudo, e outro para a noite, muito divertido, fazendo rir com histórias fantásticas e exemplares, para preparar um bom sono reparador.

Para tentar encerrar de vez esse capítulo, como já disse na crónica anterior, o Papa convocou os humoristas com esta mensagem: Tenho grande estima pelos artistas que se expressam com a linguagem da comédia, do humor, da ironia. Quanta sabedoria há aí! De todos os profissionais que trabalham na televisão, no cinema, no teatro, nos media impressos, com músicas, nas redes sociais, vós estais entre os mais amados, procurados e aplaudidos. Certamente porque sois bons, mas há também outro motivo: cultivais o dom de fazer rir.

3. Segundo a Voz Portucalense (VP), o P. Sérgio Leal, que participou na Assembleia Mundial Párocos pelo Sínodo (29/04-02/05 2024), disse que «alguns sacerdotes revelaram que as principais resistências ao Sínodo vêm de padres e bispos». Assinalou, porém, que o exercício sinodal é imprescindível para a renovação eclesial, isto é, caminhar juntos na missão de evangelizar[4].

No entanto, o Papa não perdeu a esperança de que os padres e os bispos vão descobrindo, a ritmos diferentes, o caminho da preparação do Sínodo 2021-2024[5]. E declarou: «De tão óbvio que é, quase parece banal afirmá-lo, mas isso não o torna menos verdadeiro: a Igreja não poderia caminhar sem o vosso empenho e serviço. Por isso quero começar por vos exprimir gratidão e estima pelo trabalho generoso que diariamente realizais, semeando o Evangelho nos vários tipos de terreno.

«Como se pode verificar nestes dias de partilha, as paróquias, onde realizais o vosso ministério, encontram-se em contextos muito diversos: desde paróquias situadas nas periferias das grandes cidades – conheci-as por experiência directa em Buenos Aires – até paróquias vastas como províncias nas regiões menos densamente povoadas; desde as localizadas nos centros urbanos de muitos países europeus, onde antigas basílicas acolhem comunidades cada vez mais pequenas e envelhecidas, até àquelas onde se celebra debaixo duma grande árvore, misturando-se o canto dos pássaros com as vozes de tantas crianças.

«Os párocos conhecem tudo isto muito bem… Conhecem de perto a vida do povo de Deus, as suas fadigas e alegrias, as suas carências e riquezas. É por isso que uma Igreja sinodal tem necessidade dos seus párocos: sem eles, nunca poderemos aprender a caminhar juntos, nunca poderemos entrar naquele caminho da sinodalidade que é precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milénio»[6].

A questão da Esperança é a questão do sentido da vida. Que será de mim? Qual é a meta da viagem? Qual é o destino do mundo?  Se o caminho da vida não tem sentido, se não há nada no princípio e no fim, então perguntamo-nos por que deveríamos caminhar. Daqui nasce o desespero do ser humano, a sensação da inutilidade de tudo. E muitos poderiam revoltar-se: esforcei-me por ser virtuoso, prudente, justo, forte, temperante. Fui também um homem ou uma mulher de fé... De que serviu o meu combate, se tudo acaba aqui? Se faltar a esperança, todas as outras virtudes correm o risco de se desmoronar e de acabar em cinzas[7].

 



[1] Lc 7, 33-36; 5, 29-30 e paralelos

[2] Cf. Mc 3, 22

[3] Cf. 7Margens, 13.06.2024

[4] Cf. Rui Saraiva, Voz Portucalense, 06.06.2024, p.8

[5] Ler o belo texto do Papa Francisco, Bula de Proclamação do Jubileu Ordinário do Ano 2025, «Spes non confundit – a esperança não engana», 09 Maio 2024

[6] Cf. Carta do Papa Francisco aos Párocos, 02. Maio. 2024, www.vatican.va

[7] Cf. Audiência do dia 8 de Maio 2024, www.vatican.va

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