domingo, 16 de junho de 2024

PARÁBOLAS DE ESPERANÇA Frei Bento Domingues, O.P. 16 Junho 2024

 

 

1. O Papa Francisco tinha renunciado a ter a última palavra. Agora, parece que deixou de acreditar na última palavra de João Paulo II acerca da ordenação de mulheres na Igreja católica.

 Felizes os que não perderam a esperança, mesmo quando não havia sinais que a pudessem apoiar. Isto vem a propósito da minha crónica do dia 2 deste mês, na qual observei, com desgosto, o que parecia a insustentável continuação da posição das mulheres na Igreja: mesmo as pessoas mais entusiasmadas com a pastoral deste Papa ficaram muito decepcionadas com a sua resposta categórica – Não – a uma jornalista que lhe perguntou: «para uma menina que cresce como católica hoje, ela algum dia terá a oportunidade de ser diaconisa e participar como membro do clero na Igreja?» O Papa repete, «se forem diaconisas com ordens sagradas, não»[1].

Isto fortalece a posição dos que rejeitam a ordenação das mulheres. Neste debate, o que é importante é alargar o horizonte e não estreitá-lo. Sem isso, não há avanço possível.

Acabo de ler o Prefácio do Papa Francisco a um livro interrogante, Desmasculinizar a Igreja? Fiquei surpreendido e consolado com o contraste entre este prefácio e a resposta negativista acima citada. Torna, por isso, a sua referência obrigatória.

Que diz, então, o Prefácio? «A presença e o contributo das mulheres na Igreja e no crescimento das comunidades eclesiais, através da oração, da reflexão e da acção são realidades que sempre enriqueceram a Igreja, aliás, constituem a sua identidade. E, no entanto, demo-nos conta, especialmente durante a preparação e celebração do Sínodo, de que não escutamos suficientemente as vozes das mulheres na Igreja e que a Igreja ainda tem muito para aprender com elas. É necessário que nos escutemos reciprocamente para “desmasculinizar” a Igreja, pois a Igreja é comunhão de homens e mulheres que partilham a mesma fé e a mesma dignidade baptismal».

O Papa acrescenta: «Assumindo mesmo uma postura de escuta das vozes das mulheres, nós, homens, pomo-nos numa posição de escutar alguém que vê a realidade a partir de uma perspectiva diferente e somos, assim, levados a rever os nossos projectos, as nossas prioridades. Às vezes, sentimo-nos desorientados. Às vezes, aquilo que ouvimos é tão novo, tão diferente da nossa maneira de pensar e de ver, que nos parece absurdo e sentimo-nos intimidados. Mas esta desorientação é saudável, faz-nos crescer. É preciso paciência, respeito recíproco, escuta e abertura para aprender realmente uns com os outros e para seguir em frente como único povo de Deus, rico em diferenças, mas que caminha em conjunto».

Este livro, como diz Bergoglio, «trata de reflexões que tendem mais a abrir do que a fechar; que estimulam a pensar, convidam a procurar, ajudam a rezar.

«Eis o que desejo nesta altura do processo sinodal: que não nos cansemos de caminhar juntos, pois só quando caminhamos é que somos aquilo que devemos ser, o corpo vivo do Ressuscitado em movimento, em saída, ao encontro dos irmãos e das irmãs, sem medo, pelos caminhos do mundo»[2].

Nestas questões, o pensamento teológico de Hans Urs von Balthasar (1905-1988) precisava de ser enfrentado, de forma crítica, pois continuava a dificultar uma visão límpida acerca do papel das mulheres na Igreja. É o objectivo, muito conseguido, deste livro.

2. Nesta semana, tivemos a festa de Santo António (1195?-1231) que nasceu em Lisboa e morreu em Pádua com 35 anos.

Santo António não é um santo escondido, reservado a alguns devotos e alguns historiadores. O que mais conta é fazer parte dos Santos Populares. É mesmo o mais popular de todos. Ajuda em tudo, em todas as circunstâncias, seja quem for que o invoque. Não admira que todos os dias esteja a somar novas histórias, novos milagres, novas anedotas. Ninguém poderá dizer que é um triste santo. É o rosto da alegria e de fazer sempre o bem. Está sempre pronto a não deixar ninguém desesperado.

Vemos Santo António com o Menino ao colo, Santo António cansado, Santo António inspirador da folia e casamenteiro. Foi o pregador mais surrealista que se possa imaginar, até os peixes se sentiram comovidos com a palavra que este santo lhes dirigiu.

No dia seguinte da festa deste patrono da folia, a 14 de Junho, o Papa Francisco recebeu, no Vaticano, humoristas de todo o mundo, num evento organizado pelo Dicastério para a Cultura e a Educação e o Dicastério para a Comunicação, no Palácio Apostólico.

Com o objetivo de «estabelecer um vínculo entre a Igreja Católica e os artistas», o Papa realizou uma audiência para a qual foram convidados 105 humoristas, incluindo três portugueses: Joana Marques, Maria Rueff e Ricardo Araújo Pereira.

Francisco diz reconhecer «o notável impacto que a arte da comédia tem no mundo da cultura contemporânea», contribuindo para um «mundo mais empático e solidário».

«Através do talento humorístico e do valor unificador do riso, hoje são oferecidas reflexões únicas sobre a condição humana e a situação histórica», refere o comunicado do Vaticano, indicando que a própria Bíblia «está repleta de momentos de ironia».

Neste encontro, com comediantes de todo o mundo, o Papa Francisco pretende «celebrar a beleza da diversidade humana e promover uma mensagem de paz, amor e solidariedade, num momento significativo de diálogo intercultural e de partilha de alegria e esperança»[3].

3. Os Santos são uma sementeira de Deus. Sigamos, no entanto, a pergunta deste Domingo: «Em que parábola havemos de apresentar o Reino dos Céus? É como um grão de mostarda, que, ao ser semeado na terra, é a menor de todas as sementes; mas, depois de semeado, começa a crescer e torna-se a maior de todas as plantas da horta. Estende de tal forma os seus ramos que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra. O Reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra. Dorme e levanta-se, noite e dia, enquanto a semente germina e cresce, sem ele saber como. A terra produz por si, primeiro a planta, depois a espiga, por fim o trigo maduro. E quando o trigo o permite, logo mete a foice, porque já chegou o tempo da colheita.

Jesus pregava a palavra de Deus com muitas parábolas e, segundo o narrador, não falava senão em parábolas»[4]. Nunca fechava o futuro.

A parábola é a linguagem de novas possibilidades em aberto. Abre fronteiras. Não faz das palavras ídolos. A condição poética desta linguagem semeia novas metáforas, novos caminhos. Não pertence aos mundos acabados, mas ao mundo da esperança.

 

 



[1] Norah O’Donnell entrevista o Papa Francisco, com a âncora da rede de TV americana CBS News, Maio 2024

[2] Cf. Lucia Vantini, Luca Castiglioni, Linda Pocher, «Desmasculinizar a Igreja»? Análise crítica dos «princípios de Hans Urs von Balthasar. Prefácio do Papa Francisco, Paulinas Edições, 2024

[3] Cf. Diogo Camilo, Renascença, 08.06.2024

[4] Cf. Mc 4, 26-34

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