1. O Papa Francisco tinha renunciado
a ter a última palavra. Agora, parece que deixou de acreditar na última palavra
de João Paulo II acerca da ordenação de mulheres na Igreja católica.
Felizes os que não
perderam a esperança, mesmo quando não havia sinais que a pudessem apoiar. Isto
vem a propósito da minha crónica do dia 2 deste mês, na qual observei, com
desgosto, o que parecia a insustentável continuação da posição das mulheres na
Igreja: mesmo as pessoas mais entusiasmadas com a pastoral deste Papa ficaram muito
decepcionadas com a sua resposta categórica – Não – a uma jornalista que
lhe perguntou: «para uma menina que cresce como
católica hoje, ela algum dia terá a oportunidade de ser diaconisa e participar
como membro do clero na Igreja?» O Papa repete, «se forem diaconisas com ordens
sagradas, não»[1].
Isto fortalece a posição dos que rejeitam a ordenação das
mulheres. Neste debate, o que é importante é alargar o horizonte e não estreitá-lo.
Sem isso, não há avanço possível.
Acabo de ler o Prefácio do Papa Francisco a um livro
interrogante, Desmasculinizar a Igreja? Fiquei surpreendido e consolado com
o contraste entre este prefácio e a resposta negativista acima citada. Torna,
por isso, a sua referência obrigatória.
Que diz, então, o Prefácio? «A presença e o contributo
das mulheres na Igreja e no crescimento das comunidades eclesiais, através da
oração, da reflexão e da acção são realidades que sempre enriqueceram a Igreja,
aliás, constituem a sua identidade. E, no entanto, demo-nos conta,
especialmente durante a preparação e celebração do Sínodo, de que não escutamos
suficientemente as vozes das mulheres na Igreja e que a Igreja ainda tem muito
para aprender com elas. É necessário que nos escutemos reciprocamente para “desmasculinizar”
a Igreja, pois a Igreja é comunhão de homens e mulheres que partilham a mesma
fé e a mesma dignidade baptismal».
O Papa acrescenta: «Assumindo mesmo uma postura de escuta
das vozes das mulheres, nós, homens, pomo-nos numa posição de escutar alguém
que vê a realidade a partir de uma perspectiva diferente e somos, assim,
levados a rever os nossos projectos, as nossas prioridades. Às vezes,
sentimo-nos desorientados. Às vezes, aquilo que ouvimos é tão novo, tão
diferente da nossa maneira de pensar e de ver, que nos parece absurdo e
sentimo-nos intimidados. Mas esta desorientação é saudável, faz-nos crescer. É
preciso paciência, respeito recíproco, escuta e abertura para aprender
realmente uns com os outros e para seguir em frente como único povo de Deus,
rico em diferenças, mas que caminha em conjunto».
Este livro, como diz Bergoglio, «trata de reflexões que
tendem mais a abrir do que a fechar; que estimulam a pensar, convidam a
procurar, ajudam a rezar.
«Eis o que desejo nesta altura do processo sinodal: que
não nos cansemos de caminhar juntos, pois só quando caminhamos é que somos
aquilo que devemos ser, o corpo vivo do Ressuscitado em movimento, em saída, ao
encontro dos irmãos e das irmãs, sem medo, pelos caminhos do mundo»[2].
Nestas questões, o pensamento teológico de Hans Urs von
Balthasar (1905-1988) precisava de ser enfrentado, de forma crítica, pois
continuava a dificultar uma visão límpida acerca do papel das mulheres na
Igreja. É o objectivo, muito conseguido, deste livro.
2. Nesta semana, tivemos a
festa de Santo António (1195?-1231) que nasceu em Lisboa e morreu em Pádua com
35 anos.
Santo António não é um santo escondido, reservado a
alguns devotos e alguns historiadores. O que mais conta é fazer parte dos Santos
Populares. É mesmo o mais popular de todos. Ajuda em tudo, em todas as
circunstâncias, seja quem for que o invoque. Não admira que todos os dias
esteja a somar novas histórias, novos milagres, novas anedotas. Ninguém poderá
dizer que é um triste santo. É o rosto da alegria e de fazer sempre o bem. Está
sempre pronto a não deixar ninguém desesperado.
Vemos Santo António com o Menino ao colo, Santo António
cansado, Santo António inspirador da folia e casamenteiro. Foi o pregador mais
surrealista que se possa imaginar, até os peixes se sentiram comovidos com a
palavra que este santo lhes dirigiu.
No dia seguinte da festa deste patrono da folia, a 14 de Junho,
o Papa Francisco recebeu, no
Vaticano, humoristas de todo o mundo, num evento organizado pelo Dicastério
para a Cultura e a Educação e o Dicastério para a Comunicação, no Palácio
Apostólico.
Com o
objetivo de «estabelecer um vínculo entre a Igreja Católica e os artistas», o
Papa realizou uma audiência para a qual foram convidados 105 humoristas,
incluindo três portugueses: Joana Marques, Maria Rueff e Ricardo Araújo
Pereira.
Francisco
diz reconhecer «o notável impacto que a arte da comédia tem no mundo da cultura
contemporânea», contribuindo para um «mundo mais empático e solidário».
«Através
do talento humorístico e do valor unificador do riso, hoje são oferecidas
reflexões únicas sobre a condição humana e a situação histórica», refere o
comunicado do Vaticano, indicando que a própria Bíblia «está repleta de
momentos de ironia».
Neste encontro,
com comediantes de todo o mundo, o Papa Francisco pretende «celebrar a beleza
da diversidade humana e promover uma mensagem de paz, amor e solidariedade, num
momento significativo de diálogo intercultural e de partilha de alegria e
esperança»[3].
3. Os Santos são uma sementeira
de Deus. Sigamos, no entanto, a pergunta deste Domingo: «Em
que parábola havemos de apresentar o Reino dos Céus? É como um grão de
mostarda, que, ao ser semeado na terra, é a menor de todas as sementes; mas,
depois de semeado, começa a crescer e torna-se a maior de todas as plantas da
horta. Estende de tal forma os seus ramos que as aves do céu podem abrigar-se à
sua sombra. O Reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra. Dorme
e levanta-se, noite e dia, enquanto a semente germina e cresce, sem ele saber
como. A terra produz por si, primeiro a planta, depois a espiga, por fim o
trigo maduro. E quando o trigo o permite, logo mete a foice, porque já chegou o
tempo da colheita.
Jesus pregava a palavra
de Deus com muitas parábolas e, segundo o narrador, não falava senão em
parábolas»[4].
Nunca fechava o futuro.
A parábola é a linguagem
de novas possibilidades em aberto. Abre fronteiras. Não faz das palavras ídolos.
A condição poética desta linguagem semeia novas metáforas, novos caminhos. Não
pertence aos mundos acabados, mas ao mundo da esperança.
[1] Norah
O’Donnell entrevista o Papa Francisco, com a âncora da rede de TV americana CBS
News, Maio 2024
[2] Cf.
Lucia Vantini, Luca Castiglioni, Linda Pocher, «Desmasculinizar a Igreja»?
Análise crítica dos «princípios de Hans Urs von Balthasar. Prefácio do Papa
Francisco, Paulinas Edições, 2024
[3] Cf.
Diogo Camilo, Renascença, 08.06.2024
[4] Cf. Mc
4, 26-34
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