CABEÇAS DURAS E CORAÇÕES OBSTINADOS
Frei Bento Domingues, O.P.
7 de Julho 2024
1.
Conhecemos as narrativas bíblicas, míticas, da Criação e a da expulsão do
Paraíso (Génesis 1-3). Eduardo Lourenço acrescentava: somos nós que continuamos
a expulsar-nos do Paraíso. Trocamos a criação pelas muitas formas de
destruição. Este mundo podia ser muito diferente. Somos nós e as gerações que
nos precederam que o estragámos. Somos nós e as gerações futuras que temos de o
refazer.
Existe um poema, no capítulo 11 do livro
bíblico, atribuído ao profeta Isaías, que procura recriar um mundo que parece
insólito. É a História do Futuro, como diria o P. António Vieira.
Vou evocar esse poema, contra todas as formas
de violência, quando nós, pelo contrário, andamos sempre a inventar novas
formas de destruição. O que é gasto para desfigurar o mundo dava para sonhar e
realizar um mundo outro. Eis o poema.
«Brotará um rebento do tronco de Jessé e um renovo
brotará das suas raízes. Sobre ele repousará o espírito do Senhor:
espírito de sabedoria e de entendimento, espírito de conselho e de fortaleza, espírito
de ciência e de temor do Senhor. Não julgará pelas aparências nem
proferirá sentenças somente pelo que ouvir dizer; mas julgará os
pobres com justiça e com equidade os humildes da terra. A justiça
será o cinto dos seus rins e a lealdade circundará os seus flancos. Então,
o lobo habitará com o cordeiro e o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito; o
novilho e o leão comerão juntos e um menino os conduzirá. A vaca
pastará com o urso e as suas crias repousarão juntas; o leão comerá palha como
o boi. A criancinha brincará na toca da víbora e o menino
desmamado meterá a mão na toca da serpente. Não haverá dano nem
destruição em todo o meu santo monte, porque a terra está cheia de conhecimento
do Senhor, tal como as águas que cobrem a vastidão do mar»[1].
Os movimentos ecologistas são formas de esperança,
histórias de futuro. Não se resignam à destruição da Criação, obra de Deus e do
ser humano. A situação em que nos encontramos não era inevitável. Agora, só nos
resta não continuar os erros do passado e tudo fazer para tornar este mundo
sustentável, um paraíso.
2. Há mais de 70 anos,
quando o mundo oscilava sobre o fio duma crise nuclear, o Papa João XXIII escreveu
uma encíclica na qual não se limitava a rejeitar a guerra, mas quis transmitir
uma proposta de paz. Dirigiu a sua mensagem Pacem in terris (1963) a
todo o mundo católico, mas acrescentava: e a todas as pessoas de boa vontade.
Agora, o Papa Francisco, à vista da deterioração global do ambiente, quer
dirigir-se a cada pessoa que habita neste planeta. Na minha exortação Evangelii
gaudium, escrevi aos membros da Igreja, a fim de os mobilizar para um
processo de reforma missionária ainda pendente. Nesta encíclica [Laudato Si’],
pretendo especialmente entrar em diálogo com todos acerca da nossa casa comum[2].
O que observamos, hoje, é uma sementeira de
violência. Entrando na guerra, é preciso fazer tudo para renovar o armamento
continuamente, para poder destruir o outro, em vez de gastar esses recursos
para capacitar os povos todos a viver em paz e não no medo uns dos outros. Em
vez de construirmos instrumentos de destruição e de morte, poderíamos fazer
instrumentos de desenvolvimento.
É também atribuído ao profeta Isaías outro
sonho que está na nossa imaginação e nas nossas mãos realizar.
«No fim dos tempos o monte do templo do Senhor
estará firme, será o mais alto de todos, e dominará sobre as colinas. Acorrerão
a ele todas as gentes, virão muitos povos e dirão: Vinde, subamos à montanha do
Senhor, à casa do Deus de Jacob. Ele nos ensinará os seus caminhos e nós
andaremos pelas suas veredas; porque de Sião sairá a lei, e de Jerusalém, a
palavra do Senhor. Ele julgará as nações e dará as suas leis a muitos povos, os
quais transformarão as suas espadas em relhas de arados e as suas lanças em
foices. Uma nação não levantará a espada contra outra e não se
adestrarão mais para a guerra. Vinde, Casa de Jacob! Caminhemos à luz do senhor»[3].
Não parece que sejam estes textos,
e outros semelhantes, a leitura e a prática do cabeça dura e coração obstinado,
Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelita, de que fala o texto do profeta
Ezequiel:
«Naqueles dias, o Espírito entrou em mim e
fez-me levantar. Ouvi então alguém que me dizia: Filho do homem, Eu te envio
aos filhos de Israel, a um povo rebelde que se revoltou contra Mim. Eles e seus
pais ofenderam-Me até ao dia de hoje. É a esses filhos de cabeça dura e coração
obstinado que te envio, para lhes dizeres: Eis o que diz o Senhor. Podem
escutar-te ou não – porque são uma casa de rebeldes –,
mas saberão que há um profeta no meio deles»[4].
3.
O Papa Francisco convocou os novos Arcebispos Metropolitanos para receber a
bênção dos Pálios, na Celebração da Missa, no dia de S. Pedro e S. Paulo (29
Junho). Este dia foi escolhido para significar e nos dizer a importância dos serviços
(dos ministérios) na Igreja, a não confundir com as metas de uma carreira. Não
são para restringir, mas para abrir o futuro e construir a esperança em todas
as situações. Em
comunhão com Pedro e seguindo o exemplo de Cristo, porta das ovelhas
(cf. Jo 10, 7), os Arcebispos
Metropolitanos
são chamados a ser pastores zelosos, que abrem as portas do Evangelho e que,
com o seu ministério, ajudam a construir uma Igreja e uma sociedade de portas
abertas. O próprio Natal deste ano será marcado pela abertura a todos os
povos, todos, todos, todos. É esta abertura que dá início ao novo Ano
Jubilar, um ano de graça para todos.
Enquanto uns abrem as portas, outros fecham-nas.
O Jornal 7Margens (01.07.2024) refere que as Igrejas da Terra Santa
denunciam ataque coordenado das autoridades israelitas contra os
cristãos. Os patriarcas e líderes
das Igrejas Cristãs em Jerusalém escreveram uma carta ao primeiro-ministro
israelita, Benjamin Netanyahu, lamentando o que consideram ser um ataque
coordenado à presença cristã na Terra Santa.
Em vez de convocar israelitas, muçulmanos e
cristãos para construírem um futuro de paz, de todos, por todos e com todos, procuram
tornar a vida impossível entre estes povos.
Fala-se de Terra Santa, mas para poder
usar este nome deveria ser uma Terra de diálogo entre muçulmanos, judeus e
cristãos.
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