quinta-feira, 24 de outubro de 2024

MENDIGOS DE LUZ - Pe. Manuel João - MC

 MENDIGOS DE LUZ 

 

XXX Domingo do Tempo Comum (B) 
Marcos 10,46-52: “Mestre, que eu veja!” 

A cura do cego de Jericó é o último milagre narrado no Evangelho de São Marcos. Este relato segue os três anúncios de Jesus sobre a sua paixão, morte e ressurreição, acompanhados pelas catequeses dirigidas aos discípulos, que constituem a espinha dorsal da parte central do Evangelho de São Marcos. 

Estamos em Jericó, a última etapa para os peregrinos da Galileia que percorriam o caminho ao longo do Jordão, em direção a Jerusalém para a Páscoa. A distância entre Jericó e Jerusalém é de cerca de 27 quilômetros. O percurso atravessa um território desértico e montanhoso, com uma diferença significativa de altitude: Jericó está a 258 metros abaixo do nível do mar, enquanto Jerusalém está a cerca de 750 metros acima do nível do mar. A caminhada, portanto, é íngreme e bastante cansativa. 

O evangelista dá especial atenção à figura de Bartimeu, filho de Timeu, provavelmente uma pessoa conhecida na comunidade primitiva. Além de mencionar o nome do seu pai, o evangelista descreve cuidadosamente as suas ações: “O cego atirou fora a capa, deu um salto e foi ter com Jesus”. O manto, considerado a única posse do pobre, também representava a identidade da pessoa. Portanto, “deitar fora o manto” simboliza despir-se de si mesmo. São Paulo, na Carta aos Efésios (4,22), fala em “despir-se do homem velho”. Bartimeu é o único caso em que se diz que a pessoa curada segue Jesus pelo caminho. Os Padres do Deserto viam nisso uma alusão à liturgia batismal: antes de ser batizado, o catecúmeno despia-se da veste, descia nu na piscina batismal e, ao subir, era revestido com uma túnica branca.

Pontos de reflexão 

1. Bartimeu, figura do discípulo: valor simbólico do milagre 

A parte central do Evangelho de Marcos (capítulos 8-10), chamada “a seção do caminho”, é enquadrada por duas curas de cegos. No início da seção encontramos a cura progressiva do cego de Betsaida (8,22-26), que precede imediatamente a profissão de fé de Pedro em Cesareia de Filipe. Nesse caso, um cego – sem nome – é levado a Jesus por alguns amigos que intercedem por ele. No final da seção, encontramos a cura de outro cego, de nome Bartimeu, que toma a iniciativa de pedir, gritando – apesar da oposição da multidão – a graça de recuperar a visão. 

O relato tem um grande valor simbólico: Bartimeu é o espelho do discípulo. Nos últimos domingos, Marcos conduziu-nos pelo itinerário dos apóstolos. Nesse percurso de formação e de tomada de consciência das exigências do seguimento, o discípulo sente-se como cego. Bartimeu é símbolo do discípulo que está sentado à beira do caminho, incapaz de continuar. Ele representa, por isso, cada um de nós. Todos nós nos damos conta de que somos espiritualmente cegos quando se trata de seguir Jesus no caminho da cruz. Como Bartimeu, pedimos ao Senhor que nos cure da cegueira que nos paralisa. 

2. Bartimeu, nosso irmão: “mestre” de oração 

Bartimeu sabe exatamente o que pedir, ao contrário de Tiago e João, que “não sabiam o que estavam a pedir”. Ele pede o essencial na sua oração: “Filho de David, Jesus, tem piedade de mim!” Nesta súplica, Bartimeu expressa a sua fé em Jesus como Messias, invocando-o como “Filho de David” — ele é a única pessoa no Evangelho de Marcos a conceder-lhe esse título. Ao mesmo tempo, manifesta uma relação de confiança, intimidade e ternura, chamando Jesus pelo nome e invocando-o como “Rabbuni”, que significa “meu mestre”. Este título aparece apenas duas vezes nos Evangelhos: aqui e no relato de Maria Madalena, na manhã da Páscoa (Jo 20,16). 

A vida nasce da luz e se desenvolve graças à luz. O mesmo acontece na vida espiritual: sem a luz interior, a nossa vida espiritual é engolida pela escuridão. Às vezes, experimentamos a alegria da luz, enquanto em outras ocasiões as trevas parecem invadir a nossa existência. Problemas, sofrimentos, dificuldades e fraquezas ofuscam a nossa visão da vida, tornando-nos incapazes de seguir o Senhor. Nesses momentos, a oração de Bartimeu vem em nosso auxílio: “Rabbuni, que eu veja de novo!” Bartimeu é mestre duma oração simples, essencial e confiante. 

3. Companheiros de Bartimeu: mendigos de luz 

Na Igreja antiga, o batismo era considerado como uma “iluminação”. Essa iluminação, que nos salva das trevas da morte, está sempre ameaçada. Ela nos introduz num caminho de busca contínua da luz. Como o girassol, o cristão volta-se diariamente para o Sol de Cristo. Todas as manhãs, enquanto lavamos os nossos olhos físicos, com a alma em oração corramos a lavar-nos na piscina de Siloé do nosso batismo, como o cego de nascença de que fala São João no capítulo 9 do seu Evangelho. E quando nos sentimos cegos, lembremo-nos que há o colírio da Eucaristia. Com as mãos que receberam o Corpo luminoso de Cristo, podemos tocar os nossos olhos e o nosso rosto, lembrando-nos da experiência dos dois discípulos de Emaús, aos quais os olhos se abriram ao “partir o pão”. Não apenas os nossos olhos, mas também o nosso rosto está destinado a brilhar, como o de Moisés (Ex 34,29). O rosto do cristão, com efeito, reflete a glória de Cristo (2Cor 3,18), tornando-se assim testemunha da Luz, colocada sobre o candelabro do mundo.

P. Manuel João Pereira Correia, mccj
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