MENDIGOS DE LUZ
XXX Domingo do Tempo Comum (B)
Marcos 10,46-52: “Mestre, que eu veja!”
A
cura do cego de Jericó é o último milagre narrado no Evangelho de São
Marcos. Este relato segue os três anúncios de Jesus sobre a sua paixão,
morte e ressurreição, acompanhados pelas catequeses dirigidas aos
discípulos, que constituem a espinha dorsal da parte central do
Evangelho de São Marcos.
Estamos
em Jericó, a última etapa para os peregrinos da Galileia que percorriam
o caminho ao longo do Jordão, em direção a Jerusalém para a Páscoa. A
distância entre Jericó e Jerusalém é de cerca de 27 quilômetros. O
percurso atravessa um território desértico e montanhoso, com uma
diferença significativa de altitude: Jericó está a 258 metros abaixo do
nível do mar, enquanto Jerusalém está a cerca de 750 metros acima do
nível do mar. A caminhada, portanto, é íngreme e bastante cansativa.
O
evangelista dá especial atenção à figura de Bartimeu, filho de Timeu,
provavelmente uma pessoa conhecida na comunidade primitiva. Além de
mencionar o nome do seu pai, o evangelista descreve cuidadosamente as
suas ações: “O cego atirou fora a capa, deu um salto e foi ter com
Jesus”. O manto, considerado a única posse do pobre, também representava
a identidade da pessoa. Portanto, “deitar fora o manto” simboliza
despir-se de si mesmo. São Paulo, na Carta aos Efésios (4,22), fala em
“despir-se do homem velho”. Bartimeu é o único caso em que se diz que a
pessoa curada segue Jesus pelo caminho. Os Padres do Deserto viam nisso
uma alusão à liturgia batismal: antes de ser batizado, o catecúmeno
despia-se da veste, descia nu na piscina batismal e, ao subir, era
revestido com uma túnica branca.
Pontos de reflexão
1. Bartimeu, figura do discípulo: valor simbólico do milagre
A
parte central do Evangelho de Marcos (capítulos 8-10), chamada “a seção
do caminho”, é enquadrada por duas curas de cegos. No início da seção
encontramos a cura progressiva do cego de Betsaida (8,22-26), que
precede imediatamente a profissão de fé de Pedro em Cesareia de Filipe.
Nesse caso, um cego – sem nome – é levado a Jesus por alguns amigos que
intercedem por ele. No final da seção, encontramos a cura de outro cego,
de nome Bartimeu, que toma a iniciativa de pedir, gritando – apesar da
oposição da multidão – a graça de recuperar a visão.
O
relato tem um grande valor simbólico: Bartimeu é o espelho do
discípulo. Nos últimos domingos, Marcos conduziu-nos pelo itinerário dos
apóstolos. Nesse percurso de formação e de tomada de consciência das
exigências do seguimento, o discípulo sente-se como cego. Bartimeu é
símbolo do discípulo que está sentado à beira do caminho, incapaz de
continuar. Ele representa, por isso, cada um de nós. Todos nós nos damos
conta de que somos espiritualmente cegos quando se trata de seguir
Jesus no caminho da cruz. Como Bartimeu, pedimos ao Senhor que nos cure
da cegueira que nos paralisa.
2. Bartimeu, nosso irmão: “mestre” de oração
Bartimeu
sabe exatamente o que pedir, ao contrário de Tiago e João, que “não
sabiam o que estavam a pedir”. Ele pede o essencial na sua oração:
“Filho de David, Jesus, tem piedade de mim!” Nesta súplica, Bartimeu
expressa a sua fé em Jesus como Messias, invocando-o como “Filho de
David” — ele é a única pessoa no Evangelho de Marcos a conceder-lhe esse
título. Ao mesmo tempo, manifesta uma relação de confiança, intimidade e
ternura, chamando Jesus pelo nome e invocando-o como “Rabbuni”, que
significa “meu mestre”. Este título aparece apenas duas vezes nos
Evangelhos: aqui e no relato de Maria Madalena, na manhã da Páscoa (Jo
20,16).
A
vida nasce da luz e se desenvolve graças à luz. O mesmo acontece na
vida espiritual: sem a luz interior, a nossa vida espiritual é engolida
pela escuridão. Às vezes, experimentamos a alegria da luz, enquanto em
outras ocasiões as trevas parecem invadir a nossa existência. Problemas,
sofrimentos, dificuldades e fraquezas ofuscam a nossa visão da vida,
tornando-nos incapazes de seguir o Senhor. Nesses momentos, a oração de
Bartimeu vem em nosso auxílio: “Rabbuni, que eu veja de novo!” Bartimeu é
mestre duma oração simples, essencial e confiante.
3. Companheiros de Bartimeu: mendigos de luz
Na
Igreja antiga, o batismo era considerado como uma “iluminação”. Essa
iluminação, que nos salva das trevas da morte, está sempre ameaçada. Ela
nos introduz num caminho de busca contínua da luz. Como o girassol, o
cristão volta-se diariamente para o Sol de Cristo. Todas as manhãs,
enquanto lavamos os nossos olhos físicos, com a alma em oração corramos a
lavar-nos na piscina de Siloé do nosso batismo, como o cego de nascença
de que fala São João no capítulo 9 do seu Evangelho. E quando nos
sentimos cegos, lembremo-nos que há o colírio da Eucaristia. Com as mãos
que receberam o Corpo luminoso de Cristo, podemos tocar os nossos olhos
e o nosso rosto, lembrando-nos da experiência dos dois discípulos de
Emaús, aos quais os olhos se abriram ao “partir o pão”. Não apenas os
nossos olhos, mas também o nosso rosto está destinado a brilhar, como o
de Moisés (Ex 34,29). O rosto do cristão, com efeito, reflete a glória
de Cristo (2Cor 3,18), tornando-se assim testemunha da Luz, colocada
sobre o candelabro do mundo.
P. Manuel João Pereira Correia, mccj
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