sexta-feira, 11 de outubro de 2024

 O EVANGELHO DOS OLHARES - Pe. Manuel João, MC

 

O EVANGELHO DOS OLHARES

XXVIII Domingo do Tempo Comum (B) 
Marcos 10,17-30: “Uma só coisa te falta!” 

O evangelho deste domingo narra o episódio do chamado jovem rico, que todos conhecemos bem. Depois do tema do matrimônio, a Palavra de Deus convida-nos hoje a enfrentar outro tema delicado: o das riquezas. 

O trecho é estruturado em três momentos. Em primeiro lugar, o encontro de Jesus com um homem rico que lhe pergunta: “Mestre bom, o que devo fazer para herdar a vida eterna?”. Em segundo lugar, o famoso comentário de Jesus sobre o perigo do apego às riquezas: “É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus”, logo após que, à proposta de Jesus, o jovem, com o rosto sombrio, foi embora triste. “Pois ele possuía muitos bens”, acrescenta o evangelista. Por fim, a promessa do cêntuplo àqueles que deixarem tudo “por causa dele e do Evangelho”. 

Três olhares de Jesus pontuam este evangelho: o olhar de simpatia e amor para o jovem rico; o olhar triste e reflexivo para aqueles que estão ao seu redor, após a partida do jovem; e, finalmente, o olhar profundo e tranquilizador para os seus íntimos, os doze. O olhar de Jesus hoje está voltado para nós. A escuta, a leitura, deste evangelho deve ser feita com os olhos do coração. 

O texto começa com o relato do encontro de Jesus com “um homem”, sem nome, rico, jovem, segundo Mateus (19,16-29), e um líder, segundo Lucas (18,18-30). Essa pessoa poderia ser cada um de nós. Somos todos ricos, porque o Senhor “sendo rico, fez-se pobre por nós, para que nos tornássemos ricos por meio de sua pobreza” (2 Coríntios 8,9). Ao mesmo tempo, somos todos pobres, pobres de amor, de generosidade, de coragem. Este evangelho revela a nossa realidade profunda, desnudando as nossas falsas riquezas e seguranças. “Tu dizes: Sou rico, enriqueci-me, não preciso de nada. Mas não sabes que és infeliz, miserável, pobre, cego e nu” (Apocalipse 3,17). 

Jesus fixou o olhar nele, e o amou”. Este é sem dúvida o olhar mais belo, profundo e singular de Jesus. No entanto, encontramos muitas alusões ao olhar de Jesus nos evangelhos. Seu olhar nunca é indiferente, apático ou frio. É um olhar límpido, luminoso e caloroso, que interage com a realidade e as pessoas. É um olhar curioso que se move ao redor, observa e questiona. Um olhar que revela os sentimentos profundos de seu coração. Um olhar que sente compaixão pelas multidões e intui as suas necessidades. Um olhar atento a cada pessoa que cruza seu caminho. Um olhar que suscita milagres, como no caso da viúva de Naim. Um olhar que nutre profundos sentimentos de amizade e ternura, até fazê-lo chorar pelo seu amigo Lázaro e pela cidade santa de Jerusalém, a pupila do olho de todo israelita. 

O seu olhar é também penetrante, como a sua palavra, “mais afiada que qualquer espada de dois gumes”. “Tudo está nu e descoberto” aos seus olhos, como diz a segunda leitura (Hebreus 4,12-13). Seu olhar é também flamejante (Apocalipse 2,18), que se torna colérico diante da dureza de coração, da negligência para com os pequenos e da injustiça para com os pobres. 

Os olhos de Jesus são protagonistas, os precursores da sua palavra e da sua ação. Nós, geralmente, consideramos o evangelho como um relato das palavras e ações de Jesus. Podemos dizer, no entanto, que há também um evangelho dos olhares de Jesus. São sobretudo os artistas que o contam. 

A pintura mais famosa que retrata o olhar de Jesus dirigido ao jovem rico é provavelmente “Cristo e o jovem governante rico” do pintor alemão Heinrich Hofmann (1889). O olhar profundo e intenso de Jesus é voltado para o jovem, enquanto suas mãos estão estendidas para o olhar triste e lânguido dos pobres. O jovem tem um olhar perdido, incerto e esquivo, voltado para baixo, para a terra. É uma representação icônica da vocação não realizada do “décimo terceiro apóstolo”, poderíamos dizer. Em contraste, a pintura ilustra bem a vocação do cristão: acolher o olhar de Cristo para depois o direcionar aos pobres. Sem a unificação desse duplo olhar, não há fé, apenas religiosidade alienante. 

Uma só coisa te falta!”. Qual? Acolher o olhar de Jesus sobre ti, seja ele qual for, deixar que penetre no profundo do coração e o transforme. E então descobriremos, com maravilha, alegria e gratidão, que realmente “tudo é possível a Deus”! 

P. Manuel João Pereira Correia, mccj

p.mjoao@gmail.com
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