sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Uma viúva na cátedra - Pe. Manuel João - MC

 Uma viúva na cátedra

 

XXXII Domingo do Tempo Comum (B)

Marcos 12,38-44: A pobre viúva deu tudo o que tinha

O Evangelho deste domingo situa-se no mesmo contexto do domingo passado. Estamos em Jerusalém, no Templo, onde Jesus ensina a uma “grande multidão que o ouvia com prazer” (Mc 12,37), despertando a ira das autoridades religiosas, que já haviam decidido matá-lo. Estamos ainda no terceiro dia da sua chegada a Jerusalém, um dos dias mais longos, intensos e decisivos do ministério de Jesus, no Evangelho de Marcos. Esta é a última vez que Jesus visita o Templo e fala à multidão; três dias depois, será morto.

O contexto deste ensinamento é, portanto, muito especial e confere um peso excepcional às palavras de Jesus. O que Ele diz e faz neste momento tem o sabor de um testamento espiritual.

O trecho divide-se em duas partes. Na primeira, Jesus dirige-se à multidão, alertando-a contra o comportamento dos escribas (versículos 38-40). Na segunda, dirige-se aos discípulos chamando a atenção deles para uma pobre viúva que doa ao tesouro do Templo tudo o que possui (versículos 41-44).

Acautelai-vos de…”

“Acautelai-vos dos escribas, que gostam de exibir longas vestes, de receber cumprimentos nas praças, de ocupar os primeiros assentos nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes.” Os escribas eram os especialistas da Torá, os mestres da Lei, os teólogos e juristas da época. É uma crítica muito forte dirigida a uma categoria de pessoas geralmente respeitadas.

Jesus denuncia o tipo de pessoas que vivem apenas de aparências: exteriormente parecem perfeitas, mas interiormente podem ser falsas. Se essa atitude é condenável na sociedade, é ainda mais na Igreja. Em vez de servirem a Deus, eles servem-se de Deus, “orando longamente para serem vistos”; e, em vez de servirem ao próximo, exploram-no, “devorando as casas das viúvas”. É o oposto do que Jesus nos ensinou no domingo passado: amar a Deus e amar ao próximo.

No entanto, não pensemos nos escribas de antigamente, mas nos de hoje. Não olhemos para os escribas externos, mas para os que estão dentro de nós. Porque aquilo que os escribas amavam, nós também amamos: aparecer, dar uma boa imagem de nós mesmos, ocupar os primeiros lugares, ser respeitados e honrados, estar de alguma forma sob os holofotes. Desses escribas, mestres ou modelos, há muitos, tanto na sociedade, divulgados pelos meios de comunicação, quanto na Igreja. O caminho da aparência é escorregadio e pode facilmente levar da aparência à falsidade e da falsidade à corrupção. “Pecadores sim, corruptos nunca,” diria o Papa Francisco.

Olhai para…”

Na segunda parte do texto, o cenário muda. “Jesus sentou-se em frente da arca do tesouro, a observar como a multidão deitava o dinheiro na caixa. Muitos ricos deitavam quantias avultadas.” No Templo, havia treze caixas destinadas a recolher ofertas, cada uma para um propósito específico, exceto a última, a décima terceira. Em frente a cada caixa, um funcionário controlava e anunciava em voz alta o valor doado. Com a aproximação da Páscoa, o número de peregrinos aumentava, e um rio de moedas de ouro e prata, tilintando, fluía para as caixas do Templo, o maior banco do Oriente Médio!

“Veio uma pobre viúva e deitou duas pequenas moedas.” A viúva era uma das categorias de pessoas vulneráveis a serem protegidas, segundo as Sagradas Escrituras: o órfão, a viúva e o estrangeiro. Esta mulher, viúva e pobre, lança na décima terceira caixa tudo o que possui: dois centavos. É quase nada, mas é tudo para ela. Era pouco, mas representava tudo o que ela tinha para viver.

“Jesus chamou os discípulos e disse-lhes: Em verdade vos digo: Esta pobre viúva deitou na caixa mais do que todos os outros.” O Mestre “chama” os seus discípulos pela última vez e coloca essa viúva na cátedra para o seu último ensinamento: - Olhem para ela! Aqui está o que eu quis dizer quando disse: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua mente e com toda a tua força.”

Outra viúva, protagonista da primeira leitura, é a pobre viúva de Sarepta, uma mulher pagã, que oferece a um estrangeiro, o profeta Elias, o último punhado de farinha que guardava para si e para seu filho antes de morrer. Aqui está o que significa “Amarás o teu próximo como a ti mesmo.”

Pontos de reflexão

- A viúva do Evangelho antecipa profeticamente o que Jesus fará três dias depois, entregando a sua vida ao Pai por nós. Ele, sendo rico, fez-se pobre para nos enriquecer (2Coríntios 8,9) e despojou-se completamente de si mesmo até morrer como um escravo na cruz (Filipenses 2,7-8).

- A generosidade desta viúva representa também a da Virgem Maria que, aos pés da cruz, oferecerá o seu único filho. Além disso, anuncia a condição presente da Igreja, a quem foi tirado o Esposo (Marcos 2,18-19).

- A pobre viúva, finalmente, lembra-nos da nossa pobreza radical. Viúvo/a etimologica­mente significa estar privado, carente, desprovido. Nesse sentido, todos vivemos em uma condição de “viuvez”. Além da satisfação das necessidades diárias, frequentemente experimentamos que nos falta algo essencial para realizar plenamente a nossa existência. É importante tomar consciência dessa falta profunda. Santo Agostinho expressa isso com a sua famosa oração: “Tu nos fizeste para ti, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousa em ti”. Paradoxalmente, para preencher esse vazio, Jesus e o seu Evangelho nos propõem oferecer a nossa vida como dom: “Quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, salvá-la-á” (Marcos 8,35).

P. Manuel João Pereira Correia, mccj

p.mjoao@gmail.com
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