No ano novo de 2025, o quê?
Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia
30 Dezembro 2024
Há regiões em que na noite de passagem de ano tudo o que é velho - roupas, pratos,
mobília... - vai pela janela fora para a rua. E também é sabido que na noite de
passagem de ano há licenças ao nível do álcool e até com a sexualidade que
normalmente não são permitidas. É um pouco como se, retomando agora de modo
secularizado os mitos cosmogónicos, se instalasse o caos primitivo, para, em seguida,
como fizeram os deuses in illo tempore, ser reposta a ordem do cosmos.
Perante um ano novo que está aí à nossa frente, os sentimentos misturam-se:
perplexidade, entusiasmo, dúvida, expectativa, temor, esperança... Que é que nos
reserva o novo ano: para mim, para a minha família, para os meus amigos, para o país,
para a Europa, para o mundo? Será melhor, será pior que o ano que passou? É preciso
pensar, pois a perplexidade é gigantesca — pense-se nas guerras em curso e a ameaça
nuclear, pense-se na situação periclitante da Europa no contexto da nova geoestratégia
global, pense-se na crise climática mortal, pense-se, sem excluir as suas vantagens, nos
perigos da inteligência artificial, do trans- e pós-humanismo...
Por vezes, somos tentados a pensar que é tudo igual, que tudo se repete: morre um
ano, surge outro ano, na roda eterna do mesmo... Mas não é assim. Nunca houve na
história de cada um de nós, na história do país, na história da Europa, na história da
humanidade, na história do mundo, com cerca de quinze mil milhões de anos, um ano
como esse que está a chegar. Ele aí vem, novo, pela primeira vez, como criança
acabada de nascer. E exactamente como a criança vem aí com confiança. Todos nós,
individual e colectivamente, enfrentamos, apesar de tudo, o novo ano essencialmente
com confiança: se reflectirmos bem, esperamos, evidentemente com realismo,
também com temor, mas essencialmente esperamos confiadamente. Porque o ser
humano é um ser constitutivamente esperante, apesar da dureza toda com que a vida
nos vai confrontando.
Porque é que os homens e as mulheres, apesar de todos os fracassos, horrores,
sofrimentos e cinismos, ainda não desistiram de lutar e de esperar? Porque é que
continuamos a ter filhos? Porque é que depois de guerras destruidoras e terramotos
devoradores, recomeçamos sempre de novo? Perguntava, com razão, o célebre teólogo
Johann Baptist Metz: "Porque é que recomeçamos sempre de novo, apesar de todas as
lembranças que temos do fracasso e das seduções enganadoras das nossas
esperanças? Porque é que sonhamos sempre de novo com uma felicidade futura da
liberdade", embora saibamos que os mortos não participarão nela? Porque é que não
renunciamos à luta pelo homem novo? Porque é que o ser humano se levanta sempre
de novo, "numa rebelião impotente", contra o sofrimento que não pode ser sanado?
"Porque é que o ser humano institui sempre de novo novas medidas de justiça
universal, apesar de saber que a morte as desautoriza outra vez" e que já na geração
seguinte de novo a maioria não participará nelas? Donde é que vem ao ser humano "o
seu poder de resistência contra a apatia e o desespero? Porque é que ele se recusa a
pactuar com o absurdo, presente na experiência de todo o sofrimento não reparado?
Donde é que vem a força da revolta, da rebelião?"
Neste movimento incontível, ilimitado, do combate da esperança, pode ver-se um
aceno do Infinito, um sinal de Deus.
E um propósito: em cada dia de 2025 dedicar alguns minutos de silêncio à meditação
sobre o essencial.
*Padre e professor de Filosofi
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