A Ascensão, a Cinderela das festas cristãs?
A festa da Ascensão não era celebrada até o século V. Considerava-se que fazia parte integrante da glorificação de Jesus ressuscitado (Filipenses 2,9-11). De fato, a Ascensão é a outra face da Ressurreição, ou seja, a elevação e a exaltação de Cristo.
O pastor e teólogo valdense Paolo Ricca (+2024) escreveu que a Ascensão se tornou “a Cinderela das festas cristãs”. É verdade: é uma festa pouco valorizada pela Igreja, talvez por seu aspecto de melancolia, devido à partida definitiva de Jesus. No entanto, “essa despedida não tem nada de um adeus: a tristeza, como o velho fermento, é varrida pela Páscoa…; a ascensão deixa no coração dos apóstolos ‘uma grande alegria’. A angústia pela partida do Senhor situa-se cronologicamente antes da Paixão; então os discípulos se entristecem como a mulher cuja hora chegou (…) Aqui se alude ao reencontro da Páscoa, e a alegria pascal não é perturbada pela ascensão ao céu” (H.U. von Balthasar).
A Ascensão nos traz uma mensagem alegre de uma dupla presença. Por um lado, o Senhor Jesus, “elevado ao céu”, garante, no entanto, sua presença na terra, no meio dos seus. Santo Agostinho diz: “Cristo não deixou o céu quando desceu até nós e não nos deixou quando subiu ao céu”. Por outro lado, estando nós ainda na terra, já estamos com Ele no céu, onde Ele – como “grande sacerdote na casa de Deus” – intercede por nós. Nossa verdadeira morada é em Deus, mas, com a encarnação, a morada de Deus é a humanidade. A Ascensão nos revela “o novo e vivo caminho que Ele [Jesus] nos abriu através do véu, isto é, da sua carne” (Hebreus 10,20-21, segunda leitura) e mostra que Jesus é a verdadeira “escada de Jacó” que conecta céu e terra (João 1,51).
A Ascensão, festa do envio
Gostaria de destacar a dimensão missionária da Ascensão, que nem sempre é suficientemente enfatizada. Geralmente, consideramos Pentecostes como a “festa da missão”, com a efusão do Espírito, o nascimento da Igreja e o início da pregação apostólica. Isso é verdade. No entanto, não podemos ignorar que o “mandato missionário” ocorre no dia da Ascensão. Hoje, portanto, é a festa do envio da Igreja em missão! A Ascensão é, ao mesmo tempo, o ponto de chegada para Jesus — o fim do seu ministério — e o ponto de partida para a Igreja, enviada em missão. Ao movimento vertical de Jesus em direção ao céu corresponde o movimento horizontal da Igreja em direção ao mundo. Jesus conclui sua missão na terra e se torna “invisível” para dar espaço, visibilidade e responsabilidade à missão dos seus discípulos na terra.
A missão vista a partir da Ascensão
O trecho do Evangelho de Lucas de hoje nos oferece algumas indicações sobre a missão:
O PROPÓSITO da missão: “Em seu nome serão anunciados a todos os povos a conversão e o perdão dos pecados”. Chama a atenção o fato de São Lucas considerar o convite à conversão e a remissão dos pecados como os dois aspectos prioritários da missão. Estamos bem distantes da sensibilidade atual. Como traduzir concretamente esse duplo anúncio como “boa notícia” é o grande desafio que a Igreja é chamada a enfrentar!
DESTINATÁRIOS, LUGARES e PROTAGONISTAS da missão: a pregação deve ser dirigida “a todos os povos”, ou seja, em todos os lugares; a missão não tem fronteiras e não exclui ninguém. Mas começa “a partir de Jerusalém”, para depois ir às periferias — uma “Igreja em saída”, como dizia o Papa Francisco. Jerusalém como ponto de partida garante a continuidade — não sem rupturas (veja o Concílio de Jerusalém em Atos 15) — entre o antigo e o novo Israel. A Jerusalém histórica é o ponto de partida, mas a Jerusalém celeste, a meta final da missão. Os protagonistas da missão não são apenas os Doze, mas todos os discípulos de Cristo, em comunidade, porque o envio é coletivo.
A MODALIDADE da missão: “Disso sois testemunhas”. O evangelista destaca sobretudo a dimensão missionária do testemunho. Esse testemunho é possível graças à nova compreensão da Palavra: “Então lhes abriu a mente para compreenderem as Escrituras” (Lucas 24,45); e ao poder do Espírito: “E eis que enviarei sobre vós aquele que meu Pai prometeu; permanecei, porém, na cidade até que sejais revestidos da força do alto” (24,49). A alegria e o louvor são a primeira forma de testemunho: “Então voltaram para Jerusalém com grande alegria e estavam continuamente no templo, bendizendo a Deus” (24,52-53). Tudo isso é conhecido em nível de ideias, mas quanto essas dimensões fundamentais da missão — a Palavra, o Espírito, a Alegria e o Louvor — pesam de fato na nossa programação e prática?
A missão sob o signo da BENÇÃO: “Enquanto os abençoava, afastou-se deles e foi levado ao céu”. A bênção é a última ação de Jesus na terra. A missão acontece sob esta bênção, fonte de Louvor e Alegria. Sem ela, facilmente caímos na tentação da murmuração, do desânimo e da tristeza — ou seja, na “maldição”!
A missão reaviva a esperança da espera
Segundo os Atos, dois anjos da Ascensão anunciam aos apóstolos: “Este Jesus, que dentre vós foi levado ao céu, virá do mesmo modo como o vistes subir”. A Ascensão implica a esperança do retorno de Cristo para nos levar com Ele.
A missão tem também como tarefa manter viva a esperança e ajudar a Igreja a manter acesa a lâmpada da fé na expectativa da volta do Esposo. Sobre o retorno de Cristo, de fato, paira uma das mais inquietantes perguntas do evangelho: “Mas, quando o Filho do Homem vier, encontrará fé sobre a terra?” (Lucas 18,8).
P. Manuel João Pereira Correia, mccj
P. Manuel João Pereira Correia mccj
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