sábado, 2 de agosto de 2025

O Cristo Pensador - Anselmo Borges Padre e Professor de Filosofia

 Crónicas PÁRA E PENSA

O Cristo Pensador

Anselmo Borges

Padre e Professor de Filosofia

Karl Rahner, talvez o maior teólogo

católico do século XX — tenho a honra de

ter sido seu aluno —, deixou escapar um

dia, numa aula, uma daquelas observações

que nunca mais se esquecem: na Igreja

católica é obrigatório confessar os pecados

graves e mortais, mas não estava a ver que

algum bispo ou padre ou superior religioso,

ministro ou professor católico se tenha

confessado do pecado grave e,

frequentemente, mortal, da ignorância

culpada, da incompetência fatal, da

2

inteligência irresponsavelmente

menorizada.

Em geral, nas igrejas, faz-se muito

pouco apelo à razão, à reflexão crítica, à

pergunta. Como se a fé não tivesse de

conviver com a inteligência, com a dúvida e

com a pergunta. Os cristãos — mas isso

acontece em todas as religiões — parece que

ficam tolhidos na sua capacidade de

perguntar. No entanto, Jesus morreu a rezar

esta pergunta infinita que atravessa os

séculos: “Meu Deus, meu Deus, porque me

abandonaste?” e, perto de nós, Martin

Heidegger, um dos filósofos mais influentes

do século XX, escreveu que “a pergunta é a

piedade do pensamento”.

Na Igreja, valoriza-se a obediência,

referindo constantemente aquele passo de

São Paulo: “Cristo obedeceu até à morte e

morte de cruz”. Mas quase nunca se explica

o que é essa obediência de Cristo, ocultando

3

que, para obedecer a Deus e ao que Deus

quer — dignidade, futuro, fraternidade,

liberdade —, teve de desobedecer aos

opressores, nomeadamente a uma religião

que, em vez de libertar, oprimia.

Tanto entre os crentes como entre os

ateus e os sem religião, não faltam os que

sabem, com saber certo, sem qualquer

dúvida nem hesitação, o que Deus é, em

que consiste a vontade divina para cada

pessoa, qual é o sentido da história e do

mundo. Entronizados no poder, definem

dogmas, estabelecem normas e mandam

com soberania inquestionável.

Perguntar vem do latim percontari, que,

por sua vez, terá na sua base contus, vara

comprida. Então, perguntar,

etimologicamente, quer dizer examinar o

fundo de um rio ou de um tanque com um

bastão e, por extensão, sondar o interior do

homem e da realidade.

4

Só o Homem pergunta e pensa. Um

animal com a mão encostada à face ou a

face entre as mãos, a cabeça inclinada e

absorto, é um ser humano que pensa: tenta

ver o seu interior e o mais fundo de tudo.

Nenhum outro animal pensa nem se

examina nem examina as consequências dos

seus actos nem pergunta. O Homem

pergunta, e a sua pergunta não tem limites.

E é assim que, nesse seu perguntar, pode

surgir a questão da transcendência e de

Deus. Como escreveu Theodor Adorno, da

Escola Crítica de Frankfurt, “o pensamento

que se não decapita desemboca na

transcendência”.

Por tudo isto, é uma surpresa boa

encontrar em Vilnius algo típico da

Lituânia, talvez porque é um povo que

sofreu demasiado: umas pequenas estátuas

de Cristo a pensar — o Cristo Pensador.

Trouxe uma que me acompanha.

5

Pensar vem do latim pensare, com o

significado de ponderar, examinar, pesar

argumentos e razões. Pensar pode ter

também o significado de aplicar o curativo,

os remédios necessários — aí está o penso

para curativo. E é assim que, em português,

pesar também quer dizer solidariedade com

a tristeza de alguém que sofre.

Neste quadro, os incontáveis horrores

que nos rodeiam obrigam a pensar. Mas,

por outro lado, também por influência dos

smartphones, o QI está a cair. E, no que à

Teologia se refere, torna-se cada vez mais

acentuada a constatação de Hans Küng, um

dos últimos maiores teólogos, tão

maltratado pela Igreja oficial — partiu a 6

de Abril de 2021: “O estudo da teologia

católica é hoje escassamente atractivo para

mentes livres e criativas.”

Sábado, 19 de Julho de 2025

Sem comentários:

Enviar um comentário