CONVIDADOS PARA JANTAR, PROIBIDOS DE COMER
(1)
Frei Bento Domingues, O. P.
1. No contexto da preparação do Sínodo dos Bispos, convocado para o
Vaticano pelo Papa Francisco, a realizar de 5 a 9 de Outubro, sobre os desafios pastorais da família no contexto
da evangelização, é normal que se tenham intensificado, nos diferentes
continentes, os confrontos de tendências pastorais e teológicas sobre os antigos
e novos modelos de família. Na realidade, desde o Vaticano II, não houve pausa
nas controvérsias sobre as implicações da celebração católica do casamento. Não
serão extintas no próximo Sínodo dos Bispos. O Papa Francisco não pode nem deve
fazer tudo sozinho e tem de contar com os pedregulhos que os adversários da sua
orientação lhe colocaram e colocam no caminho.
Não estamos na situação dos
primeiros cristãos. Eles julgavam que o fim do mundo estava mesmo a chegar,
como se pode ver nas cartas de S. Paulo aos Tessalonicenses. Os próprios textos
do NT acusam uma certa evolução acerca do casamento, pois as comunidades
cristãs tiveram de responder a desafios que Jesus não pode nem podia
humanamente prever. Para lhe serem fiéis tiveram de inovar.
Por outro lado, se a identidade cristã da família não tivesse
nada a ver com a pluralidade de mundos em mudança e tivesse sido configurada na
eternidade, de uma vez para sempre, nem sequer seria precisa tanta despesa na
preparação, nas viagens e na estadia, em Roma, dos 253 participantes dessa Assembleia,
que continua mais representativa da hierarquia eclesiástica do que dos fiéis.
2. O próprio Jesus nasceu na história de uma família com a qual nem
sempre teve uma relação tranquila. A esse respeito, as narrativas de S. Marcos
sobre a família de Nazaré são pouco piedosas.
Depois do cenário da constituição
dos Doze para a pregação, Jesus voltou para casa. A multidão era tanta que os
familiares nem se podiam alimentar. Perante esse facto, “os seus saíram para o
deter, dizendo, ele está louco”.
Chegaram os escribas, os
intérpretes da Lei de Moisés, confirmaram a sentença e manifestaram que era
diabólica a causa daquela loucura: Beelzebu está nele e “é pelo príncipe dos
demónios que ele expulsa os demónios”.
O final desse texto regressa, de
forma insólita, à questão da sua família: “Chegaram então a sua mãe e os seus
irmãos e, ficando do lado de fora, mandaram-no chamar. Havia uma multidão sentada
em torno dele. Disseram-lhe: a tua mãe, os teus irmãos e as tuas irmãs estão lá
fora e procuram-te. Ele, porém, perguntou: quem é a minha mãe e os meus irmãos?
Percorrendo com o olhar os que estavam sentados ao seu redor, disse: Eis a minha mãe e os meus irmãos. Quem
fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”(Mc 3).
Sobre o ponto de vista familiar,
a sua visita a Nazaré foi um desastre completo (Mc 6,1-6). Na narrativa de S.
João diz-se, longamente, que os seus irmãos o gozavam e não acreditavam nele
(Jo 7, 3-5).
Existe um contencioso evidente
entre Jesus, a sua família e a dos discípulos. Porque será? O seu propósito não
era a destruição, mas a evangelização da família. Esta, grande ou pequena, não
pode ser um mundo fechado. Não consta que este nazareno tenha constituído
família, apesar dos romances que lhe atribuem. Ele pretendia algo que pode
parecer uma loucura, mas que permanecerá como o verdadeiro sentido da história
humana: somos todos filhos de Deus, chamados a fazer do mundo uma família de
muitas famílias, de muitos povos e culturas. Somos todos irmãos.
3. Voltemos a assuntos caseiros que farão parte dos debates do
próximo sínodo. A pergunta inevitável é esta: qual é o estatuto espiritual dos
católicos que vivem em união de facto e dos católicos divorciados recasados?
Acerca dos que vivem em união de
facto, há esperança que se venham a casar. Não há certeza de que não se venham
a divorciar. Não está definido que os que vivem em união de facto não possam
ser católicos e comungar.
Quanto aos divorciados recasados
a controvérsia já conta com um grande dossier[1]. Houve a tentação de os
considerar não católicos, de os situar fora da Igreja. João Paulo II não
alinhou. Insistiu em que devem inserir-se na vida da Igreja, nas suas
actividades e frequentar a Eucaristia.
Já ninguém se atreve a dizer que
estão excomungados. Alguns configuram estratégias espirituais para que possam
desenvolver uma profunda vida cristã e, na missa, comungarem espiritualmente, nunca,
no entanto, aceder à comunhão sacramental. Mesmo em estado de graça divina, estão
marcados por uma ruptura de uma aliança indissolúvel.
Há divorciados recasados que são
convidados a seguir a espiritualidade desse caminho. Existem outros que não
aceitam qualquer descriminação. Também encontramos teólogos e pastoralistas,
bispos, padres e cardeais advogados das duas orientações. No Sínodo, terão de
conversar. Em qualquer dos casos seria importante que os interessados tivessem
uma palavra a dizer e uma consciência a seguir.
De qualquer modo, a participação
numa refeição pertence à simbólica da Eucaristia. Quem aceitaria um convite
para jantar, com a seguinte cláusula: vem jantar, mas olha que não podes comer?
Pensemos nisto nas próximas
Celebrações Eucarísticas.
Precisamos de voltar a este
assunto.
21.09.2014
[1] Cf. Michel Legrain, Os divorciados na Igreja, Círculo dos Leitores, 1995; Fidélité et divorce, Lumière et Vie, nº
206, 1992; A. Mattheeuws, S.J., L’ amour
de Dieu ne meurt jamais, La sainteté des divorcés remariés dans l’ Église, NRT
136 (2014) 423-444 ; B. Petrà Divorziati
risposati e seconde nozze nella chiesa. Una via di soluzione, Assisi
Cittadella, 2012
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