1. Dizem-me
que a papolatria, que denunciei várias
vezes nestas crónicas, morreu. Era um culto hipócrita usado para esconder as
manobras anticristãs da Cúria vaticana e de algumas cúrias diocesanas. Quando o
Papa Francisco manifestou que esses poderes arbitrários seriam desmantelados,
os ratos não abandonaram a barca. Criaram redes, internas e externas, de
sabotadores das iniciativas da liderança de Bergoglio.
Segundo essa opinião, não se trada da defesa da liberdade e do pluralismo
na Igreja que, aliás, raramente tiveram um clima tão favorável. Procura-se semear
alguns escândalos e multiplicar as insinuações para convencer os carreiristas
clericais e os dirigentes de movimentos e instituições da Igreja de que o
argentino está velho e um tumor no cérebro seria o responsável pelos seus
desmandos doutrinais. A voz diária das missas na capela de Santa Marta, os
discursos e as mensagens, a enumeração das quinze doenças da Cúria, desde a
falta de autocrítica, avidez de poder, acumulação de bens materiais até à
hipocrisia, não irão sobreviver a um funeral mais ou menos solene e próximo.
Confesso que essa tese me pareceu demasiado elaborada e vizinha das
teorias da conspiração, mas foi o próprio Papa Francisco que, no passado
domingo, dia 8, a confirmou, quanto ao essencial.
Após a
celebração da missa de domingo, dirigiu-se aos fiéis, presentes na Praça de São
Pedro, afirmando que sabe que muitos deles estão indignados com as notícias que
têm circulado, nos últimos dias, sobre os documentos da Santa Sé que foram roubados e publicados. Nas
primeiras palavras sobre o escândalo, o Papa indicou que foi ele que pediu para
se fazer o estudo sobre as finanças do Vaticano e que sabia, tal como os seus colaboradores
mais próximos, da existência dos referidos documentos. Tomaram-se medidas que
já estão a dar frutos. Quero dizer que
este triste facto não me afasta do trabalho e das reformas que estou a realizar
com os meus colaboradores e com o vosso apoio. O papa disse ainda que a
Igreja se renova através da oração e com a santidade quotidiana de cada
batizado. Pediu aos fiéis que rezassem por ele e pela Igreja, avançando com confiança e esperança.
O
inquérito sobre o caso já levou à detenção, no fim-de-semana passado, do sacerdote
espanhol Lúcio Ángel Vellejo Balda e da italiana Francesca Chaouqui, entretanto
libertada.
2. O
que mais aborrece o Papa Francisco, como declarou na homilia do dia 6, em Sta
Marta, é uma Igreja morna, ensimesmada, com avidez de negócios, sem escrúpulos.
Essa não é uma Igreja que está ao serviço, mas que se serve daqueles que
deveria servir.
Na sua
homilia, pediu ao Senhor que nos dê a graça que deu a Paulo, cuja honra era ir
sempre mais longe, renunciando às regalias e às tentações farisaicas de vida
dupla: apresentar-se como ministro do
Evangelho, como aquele que serve, mas no fundo estar a servir-se dos outros, a exibir-se.
Também na Igreja, há carreiristas
e apegados ao dinheiro. Quantos sacerdotes e bispos não vimos já assim? Sei que
é triste dizer isto, mas também quanta alegria ao ouvir as narrativas daqueles
e daquelas que, desde a Amazónia a África, me vêem dizer, sorrindo, que “há 30
anos sou missionário, missionária” ou que “há 30 ou 40 anos sirvo em centros
hospitalares pessoas com necessidades especiais”. Isto é aquilo que Paulo fez:
servir. Igreja que não serve torna-se Igreja mercantil!
3. Hubert
Wolf[1], ao
falar na Igreja-Reforma da cabeça e dos
membros, chama a atenção para o seguinte: “um Papa que aplica em si mesmo o
projecto de oposição à rica e faustosa Igreja papal – isso tem uma potência
explosiva. Francisco precisará de aliados influentes para impor as suas
reformas, de modo a que não lhe aconteça o mesmo que ao seu antecessor Adriano
VI: este Papa nascido em Utrecht ficou marginalizado em Roma. O seu estilo de
vida simples, que abdicou de toda a pompa da autoencenação papal, a sua
austeridade e a sua humilde piedade foram rejeitados pela Roma renascentista.
As suas ideias radicais de reforma ameaçaram a alteração do estilo de vida de
cardeais e prelados que se viam mais como príncipes do Renascimento do que como
homens da Igreja. Assim, não tardou muito até que as Eminências lamentassem,
num momento de fraqueza e impulso religioso, ter elegido um reformador e
começassem a torpedear todas as suas iniciativas. Adriano VI morreu derrotado,
após um pontificado de escassos treze meses. É de Plínio, o Velho, uma frase
que Adriano citava regularmente durante o seu pontificado e que foi inscrita no
seu túmulo[2]: Ah, como influem os tempos na eficácia dos
actos até do melhor dos homens”.
Jesus
também não teve grande sorte por ter resistido às tentações do poder político,
económico e religioso, coisa que os discípulos nunca entenderam, mesmo depois
de lhes ter sido muito bem explicado[3].
15.11.2015
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