1. Neste texto,
não pretendo abordar as questões gerais do ensino, em Portugal. Não é da minha
competência. Pediram-me para tratar do que exige a fé cristã de um Colégio
Católico.
É suposto estes colégios terem alguma referência ao
Secretariado Nacional da Educação Cristã. Isto não impede que as orientações de
cada instituição, com as suas tradições e práticas educativas, possam ser bastante
diferentes.
As escolas, segundo os habituais rankings, são classificadas, bem ou mal, pelos resultados
académicos. Nunca dei conta que a Religião contasse para esse efeito. Falo de religião
em sentido genérico sem, para já, apreciar as tendências dentro deste fenómeno
social que, no Ocidente e nomeadamente em Portugal, é cada vez mais investigada
pela Sociologia[1].
A Igreja Católica, sobretudo em alguns países do Ocidente,
vê-se confrontada com a declaração: “espiritual sim, religioso não”. Uma
sondagem do ano passado, na Alemanha, referente ao ensino religioso e ético,
dava os seguintes resultados: 52% acredita em Deus, mas só 22% se declara
religioso. “Crentes” são o dobro. O facto de haver pessoas que se definem “espirituais”
e não “religiosas” ainda não é um fenómeno de massas. É uma minoria, entre os 6
e 13%, mas é uma tendência que se vai afirmando sobretudo entre os jovens.
É preciso ter em conta que, quando, no Ocidente, se fala de
religião, a maior parte das pessoas pensa no Cristianismo, nas grandes Igrejas
com os seus dogmas e os seus ritos. A distinção entre espiritual e religioso
exprime a tentativa de preferir formas de religiosidade que não têm uma
conotação eclesial. As normas respeitantes à fé, sentidas como obrigatórias,
contam apenas para um número cada vez menor de pessoas. Neste contexto, a expressão
mais usada é a de mercado ou mosaico das religiões, seja qual for a
sua origem[2].
A Religião é considerada tão privada – cada um tem a sua ou
não tem nenhuma – que, mesmo nos colégios católicos, não conta para os seus rankings. Nestes existe, no entanto, uma
disciplina, com carga horária, chamada Educação
Moral e Religiosa Católica.
2. Quando os
colégios tinham regime de internato, ouvi dizer muitas vezes a quem viveu nesse
quadro: já tenho missas para o resto da vida. Como dizia o célebre Bispo de
Viseu, D. António Alves Martins, a religião deve ser como o sal na sopa: nem de mais nem de menos. Um remédio
medíocre contra o aborrecimento.
A verdade é que encontrei, ao longo da vida, pessoas que
frequentaram colégios e seminários que conservavam más recordações da religião
que lhes era imposta. Isto não significa que não houvesse, também, pessoas
agradecidas por essa rigidez disciplinar. Essas reacções, por vezes, manifestavam
temperamentos: as alunas/os de carácter mais submisso ou mais rebelde.
Excepto aqueles casos, que de educadores só tinham o nome,
pois eram doentios com os educandos, sempre ficou uma boa recordação dos
mestres que o eram e da qualidade do ensino e, sobretudo, do sentido da justiça[3].
O que me impressiona é que, na escolha dos professores de
Educação Moral e Religiosa, não haja, pelo menos, o cuidado que existe com os
professores de matemática e de português.
Num colégio católico devia existir – e em muitos casos
talvez já exista – uma equipa pastoral que reúna professores de psicologia, de
ciências e literatura para evitar o desfasamento entre o crescimento académico
e o crescimento da fé e das suas razões. De outro modo, quando os alunos ouvem
nas aulas de Religião narrativas bíblicas sobre a criação, por exemplo, e nas
de ciências estudam as teorias da evolução, quem fica a perder é a religião, a
linguagem do inverosímil. Parece que não se aprendeu nada com os embates entre a
religião e as ciências do passado. Galileu e a Inquisição! Esquece-se, porém,
que a teoria do Big-Bang é de um
padre, professor da Universidade Católica de Lovaina. A tão falada contradição
entre religião e ciência só pode ser fruto da ignorância nos dois campos.
A procura da excelência no ensino tem de ser o cuidado de
todos, seja qual for a sua orientação. Esta procura não pode abrandar quando se
trata do ensino religioso. Convém não esquecer aquilo que S. Tomás dizia: se
sei e digo de cor o Credo, estou a confessar a fé católica, mas se não procuro
saber como é verdade aquilo que
confesso ser verdade, estou certo, mas de cabeça vazia. Isto era da Idade
Média! Agora, o ambiente que se respira não é o da Cristandade. O dom da fé ou
é cultivado ou desaparece. Importa criar um ambiente em que a fé cristã surja
como uma fonte de alegria. Como dizia S. João[4], isto vos escrevemos para que a vossa alegria seja completa.
3. A educação
cristã da fé exige a descoberta progressiva de Jesus Cristo como sentido, como beleza, como responsabilidade
da vida e para a vida. Para realizar essa descoberta progressiva, a
filosofia, as ciências, a estética e a ética devem andar bem casadas. Como os
bons casamentos, também conhecerá as suas turbulências amistosas.
A linguagem simbólica da fé cristã não apaga o pensamento
nem a investigação. A linguagem simbólica nasce de fontes profundas. Não pode
ser usada como um calmante. Ela é um excitante de todas as manifestações da
vida verdadeira. Dá sempre muito que sonhar e pensar.
A expressão estética dos símbolos da fé provocou e convocou,
ao longo da história, a grande música, a grande poesia, a grande pintura e a
grande arquitectura.
As celebrações, as orações e as múltiplas expressões da
espiritualidade, de um colégio católico, devem merecer um tal cuidado, uma tal
participação, que se tornem apetecidas e interpelantes.
Um colégio católico deve ser um laboratório da descoberta e
da experimentação da fé cristã. Esta exige o respeito prático do pluralismo
religioso. A educação para a tolerância, para o diálogo, para a descoberta do
outro é o melhor clima para esse laboratório.
21. Julho. 2019
[1]
Cf. Alfredo Teixeira, Coord., Inquérito Identidades
religiosas em Portugal, CERC-CESOP (2011); Identidades religiosas na Área Metropolitana de Lisboa, Fundação
Francisco Manuel dos Santos, 2019; Alfredo
Teixeira, Religião na Sociedade Portuguesa,
Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2019.
[2]
Cf. Christoph Paul Hartmann, in Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura,
13. 07. 2019.
[3]
Cf. Agustina Bessa-Luís, Contemplação
carinhosa da angústia, Guimarães Editora, 2000; em sentido contrário,
Miguel Sousa Tavares, Cebola Crua Com Sal e Broa, 2018.
[4]
1Jo 1, 1-4
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