1. Seria ridículo discutir se o Papa Francisco deve ou
não ir ao Iraque. Não basta dizer que é um desejo que ele gostaria de realizar
já no próximo ano. Os desejos do Papa não costumam ser de ordem turística. O
que será que o move?
O mais espantoso é que tenha sido o governo de Bagdad a convidá-lo.
O Presidente iraquiano, Barham Saleh, não é católico e, no entanto, numa
missiva dirigida ao Papa, declarou que tinha a honra de o convidar para visitar
o Iraque, berço da civilização e local do nascimento de Abraão. A visita
constituiria uma oportunidade para lembrar ao povo do Iraque e ao mundo que o
Papa se deslocaria à terra que deu à humanidade as suas primeiras leis, a rega
agrícola e um legado de cooperação entre os povos do mundo de tradições
confessionais diversas. Se fosse apenas isto, seria uma viagem de ordem cultural,
de memória religiosa e ecuménica. É uma memória extraordinária, que só a
ignorância ou a barbárie jihadista podem desejar esquecer e destruir. No
entanto, talvez não baste para justificar a deslocação do Papa.
Também não é suficiente dizer que o Papa vai mostrar que
também há cristãos árabes. Pensar que os árabes são todos muçulmanos é uma
ignorância e que os cristãos do Oriente são apenas os membros das Igrejas
ortodoxas.
Como lembra Jean-Marie Mérigoux, O.P., os cristãos dos países
árabes são os cristãos dos países da Bíblia: os do Iraque são da terra de Abraão;
os do Egipto são do país de Moisés; os da Palestina e de Israel, a chamada
“Terra Santa”, são da terra de Jesus. Foi de Antioquia, na Síria, que os
apóstolos saíram para fazer discípulos de
todas as nações, como diz S. Mateus.
Os cristãos do mundo árabe nasceram e vivem onde Jesus
nasceu, falou aos seres humanos e realizou a Páscoa: os católicos, os ortodoxos
e os protestantes estão em sua casa nos países da Bíblia e são, para os do
mundo inteiro, os irmãos mais velhos na
fé e que os ajudam a descobrir, por um carisma que lhes é próprio, a proximidade terrestre de Deus. Quanto a Jerusalém, no coração do Próximo
Oriente, judeus, cristãos e muçulmanos amam-na apaixonadamente. Hoje, no Médio
e Próximo Oriente, maioritariamente muçulmano, os cristãos são cerca de 15
milhões[1].
Pertencem, no entanto, à identidade do Médio Oriente.
2. Os cristãos do Oriente são quase desconhecidos pelos
cristãos do Ocidente. Muitas vezes, conhecem apenas o nome dos grandes
patriarcas ortodoxos como os de Constantinopla e de Moscovo. Os católicos
latinos do Ocidente quase desconhecem a sua Igreja na sua parte oriental.
Maximos V, patriarca grego católico, lamentava que, entre eles, se ignorasse que
tinham irmãos católicos orientais e a importância e o lugar dos seus patriarcas
e das suas Igrejas particulares, no seio da Igreja católica.
É importante que os católicos ocidentais se esforcem por
conhecer os seus irmãos católicos do Oriente. Não é aceitável ouvir dizer que
“o Oriente cristão era o domínio próprio da ortodoxia” e que “o Ocidente
cristão seria o domínio da catolicidade”. Isto é contrário à realidade e à
verdade: latinidade não significa catolicidade e oriente não significa
ortodoxia. Pouco antes do Vaticano II, do qual foi uma das figuras eminentes, o
patriarca grego-melquita-católico, Maximos IV lamentava demasiadas vezes: o
Ocidente católico ignorou-nos. Este patriarca manifestou que tanto a sua Igreja
católica como as outras Igrejas orientais católicas tinham, como vocação,
aproximar a catolicidade e a ortodoxia. Uma tal Igreja, simultaneamente
católica e árabe, revelava-se muito próxima e capaz de
compreender as Igrejas ortodoxas, também elas orientais e árabes. Na
peregrinação de Paulo VI a Jerusalém, em 1964, o patriarca Athenágoras encontrou
Maximos IV e declarou: segui as vossas intervenções no Concílio e agradeço-vos,
pois representaste-nos a todos. Obrigado.
Estas referências que muitos julgarão bizantinas, ajudam-nos
a perceber que a Igreja respira bem quando tem dois pulmões: o oriental e o
ocidental. Como aliás lembrou João Paulo II.
O Ocidente católico não pode ignorar que também existe um
oriente católico com as suas riquezas eclesiais, espirituais, teológicas,
artísticas e as suas tradições litúrgicas e canónicas. Tem necessidade, para a
sua vida espiritual de não absolutizar certas práticas que no contacto do
oriente cristão podem descobrir como são relativas. Se a língua árabe é
utilizada quotidianamente nestas Igrejas, o siríaco, o grego, o copta e o
arménio são línguas litúrgicas e patrísticas.
3. O Iraque, mas não só, tem sido cenário de uma sucessão
de conflitos nos últimos 40 anos, tendo enfrentado um embargo internacional,
uma invasão norte-americana e, mais recentemente, três anos de ocupação por
parte do grupo Daesh. Finalmente, o país declarou vitória sobre o grupo
islamista.
O clima de violência vivido no país provocou o êxodo de
milhares de pessoas, especialmente entre as minorias. O número de cristãos, que
era de 1,5 milhões antes da queda de Saddam Hussein, em 2003, passou para 500
mil. Não se pode consentir que o Próximo Oriente se transforme em cemitérios ou
em museus cristãos.
A notícia do desejo do Papa ir ao Iraque e do seu Presidente
o ter convidado oficialmente, suscitou um enorme entusiasmo na população. Como
referiu o Patriarca Louis Sako Rafael I, ao ouvirem as palavras do Papa
Francisco, aplaudiram à maneira iraquiana, dizendo aleluia, aleluia.
Que podem eles esperar do Papa? Ele próprio declarou: “desejo
de ir no próximo ano, para que o Iraque possa seguir em frente, através da
participação pacífica e partilhada na construção do bem comum de todos as
componentes religiosas da sociedade, e não caia novamente em tensões que vêm
dos conflitos intermináveis de potências regionais”.
Com esta declaração manifesta que não vai apenas para apoiar
as muito sofridas comunidades católicas orientais, como lhe pertence. O que o
preocupa é a participação pacífica e
partilhada na construção do bem comum de todas as componentes religiosas da
sociedade.
Francisco tem demonstrado nas viagens, onde os católicos são
uma minoria, que consegue entusiasmar todas as correntes da sociedade, civil e
religiosa.
Tem sido a voz de uma prática de acolhimento das pessoas em
fuga, amontoadas dentro de navios, em busca de esperança, sem saberem em que
portos poderão ser acolhidas.
Para embarcações, com armamentos sofisticados e caros capazes
de produzir devastação que não poupam nem sequer as crianças, há sempre portos
abertos. Francisco é a voz permanente daqueles a quem querem roubar a própria
esperança.
07.07.2019
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