segunda-feira, 15 de junho de 2020

Os anacronismos pagam-se caro - Edgar Clara - S. Sol

Dos Magos, que hoje vieram
ao Presépio, dois
eram brancos, e um preto,
como diz a tradição: e seria
justo que mandasse Cristo que
Gaspar, e Baltasar, porque
eram brancos, tornassem livres
para o Oriente, e Belchior, porque
era pretinho, ficasse em Belém
por escravo, ainda que fosse
de São José? Bem o pudera
fazer Cristo, que é Senhor dos
Senhores: mas quis-nos ensinar
que os homens de qualquer cor
todos são iguais por natureza,
e mais iguais ainda por Fé, se
creem, e adoram a Cristo, como
os Magos. Notável coisa é que
sendo os Magos Reis, e de diferentes
cores, nem uma, nem outra
coisa dissesse o Evangelista!
Se todos eram Reis, porque
não diz que o terceiro era preto?
Porque todos vieram adorar a
Cristo, e todos se fizeram Cristãos.
E entre Cristão, e Cristão
não há diferença de nobreza,
nem diferença de cor».
Este texto é de um padre, mas
não é meu! Chama-se padre António
Vieira e encontrei-o no Facebook
de um jesuíta – o padre António
Júlio Trigueiros, diretor da
revista Brotéria. Parece que o texto
que acabei de citar foi escrito
na Epifania de 1662 e, como vemos,
o padre António Vieira é
tudo menos racista. Não obstante,
durante os protestos contra o
racismo, vimos a sua estátua, que
está no Largo da Trindade, em
Lisboa, ser vandalizada.
Os anacronismos dão nestas
coisas!
Fiz uma busca no Google sobre
a palavra: anacronismo. Diz o
seguinte: «Anacronismo é um
erro cronológico, expressado
na falta de alinhamento, consonância
ou correspondência
com uma época. Ocorre quando
pessoas, eventos, palavras,
objetos, costumes, sentimentos,
pensamentos ou outras coisas
que pertencem a uma determinada
época são erroneamente
retratados noutra época».
Na internet inflamam-se os discursos
a favor e contra, racistas
e antirracistas. Escrevem-se das
coisas mais incríveis: estúpidos,
burros, malucos. Pois é, o que estamos
a assistir nos últimos tempos
não tem nada a ver com estupidez
nem com burrice, mas
como anacronismos, que é outro
tipo de burrice.
Esta mentalidade não está só nas
pessoas burras e ignorantes. Está
por toda a parte e em todos os estratos.
Armarmo-nos em juízes da história
e queremos julgar os nossos
antepassados com o código do século
XXI. Parece que queremos fazer
justiça à história para nos vingarmos
uns dos outros. A questão do racismo
descambou para o julgamento
do colonialismo e do tráfico de escravos,
etc. Mas não é caso único.
A propósito dos duzentos anos
do fim da inquisição, o Parlamento
português já instituiu
um dia das Vítimas da Inquisição
e preparam-se as comemorações
no próximo ano para se colocar
um monumento em honra
dessas mesmas vítimas. Claro
que vai descambar em discurso
anticlerical, onde a Igreja será o
alvo a abater.
É curiosa esta mentalidade
anacrónica. Agora imaginem
que vamos fazer a purificação de
todo o passado português, onde
é que isto vai dar.
Alguns já falam em demolir o
Padrão dos Descobrimentos e a
Torre de Belém, pelo que foram
testemunhas, mas principalmente
pelo que simbolizam.
Agora avencemos por aí fora.
Cada um que tiver razões de
queixa comece a demolir o que
está na praça pública e a fazer
justiça à história.
Sim! Parece que há pouco tempo
também se introduziram projetos
na Assembleia da República
para se mandarem para as ex-colónias
as obras de arte que tenham
proveniência desses países.
Também o Parlamento já aprovou
uma lei, que está já a funcionar,
que permite que todos os descendentes
de judeus portugueses
que foram expulsos há quinhentos
anos possam obter nacionalidade
portuguesa. Estão ler bem!
Expulsos há quinhentos anos.
O passo seguinte já se está a
ver qual é. Vamos ter de dar nacionalidade
portuguesa aos descendentes
dos muçulmanos que
o D. Afonso Henriques expulsou
para fazer a nação e dar-lhes
uma indemnização.

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