1. Calcula-se que o turismo
religioso movimenta por ano, a nível mundial, entre 300 a 330 milhões de
pessoas à procura de locais considerados sagrados e, sobretudo, daqueles que se
tornaram mais significativos para a religião que cada um professa. São os
templos monumentais ou santuários que nasceram de visões ou acontecimentos
ditos milagrosos que atraem mais peregrinos.
Paulo Mendes Pinto deu a conhecer uma nova versão do
fenómeno inter-religioso muito original e, ao que parece, único no mundo.
Excede a pura curiosidade turística, mas com virtualidades que importa conhecer
e estudar.
No dia 11 de Setembro de 2016, quando passavam 15 anos,
sobre os atentados de 2001, a Fundação ADFP, de Miranda do Corvo, inaugurou um
equipamento que procura ser uma peça dinâmica e significativa na criação de
pontes entre as religiões e na difusão de uma cultura de paz, um lugar onde
todos são acolhidos, tratados como iguais, num ambiente onde o conhecimento e a
quebra e abandono de todos os preconceitos é a única regra. É o Templo Ecuménico Universalista.
No Google, existe uma reportagem pormenorizada e muito
ilustrada da significação das construções minimalistas dessa realização, no
cume da serra da Lousã.
É uma bela ideia. Reunir pessoas de culturas e
religiões diferentes, convocadas para viverem e exprimirem umas às outras as
misteriosas fontes de paz, pode tornar-se mais um caminho de esperança, num
mundo mergulhado em violências e guerras de todo o género.
2. Aproxima-se o Natal. Celebra o
nascimento de Jesus Cristo, uma pessoa que, pelo que viveu, fez e disse,
testemunhou para sempre que o mais importante, em qualquer vida humana e seja
onde for, é o cuidado com quem mais precisa de manifestações de acolhimento afectuoso
e de ajuda. A sua família é constituída por quem consente no processo de
conversão à fraternidade ilimitada: fratelli
tutti, como repete o Papa Francisco.
A escolha do
dia 25 de Dezembro para celebrar o nascimento de Jesus não obedeceu a critérios
históricos, mas a razões de celebração da originalidade da fé cristã, no
contexto das festas pagãs ao deus sol
invictus, do Império Romano. O verdadeiro Sol invencível da vida verdadeira
é Cristo que enfrentou uma morte infame e a venceu. É ele o sol da esperança.
O primeiro Presépio do mundo foi obra da
imaginação poética de Francisco de Assis, em 1223, em Itália. Teve depois,
muitas recriações originais. Não me refiro ao Pai-Natal porque não sou
apreciador de Coca-Cola.
Neste Domingo que antecede
o Natal, somos acompanhados por uma narrativa bíblica na qual o rei David parece
sentir-se mal a viver num palácio de cedro, enquanto a Arca de Deus continua
abrigada numa tenda[i].
Deus manifestou ao profeta Natã que não está nada interessado num palácio de iniciativa
do rei David. Sentia-se bem a viver em tenda na companhia do povo. Será Salomão
a construir o glorioso Templo de Jerusalém.
O Novo Testamento – escrito
vários anos depois dos acontecimentos narrados – não mostra nenhuma devoção
pela religião do templo, luxuosamente reconstruído por Herodes e destruído nos
anos 70.
No diálogo com a samaritana[ii],
Jesus diz que «chegou o tempo em que nem neste monte [Garizim] nem em Jerusalém
adorareis o Pai. (…) Vem a hora – e é agora – em que os verdadeiros adoradores
adorarão o Pai em espírito e verdade; pois tais são os adoradores que o Pai
procura. Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e
verdade».
Segundo o Evangelho de
João, Jesus mostrou-se verdadeiramente indignado com a religião do Templo,
transformada numa organização comercial, como ainda acontece em muitos
santuários.
Ao querer impedir, de forma
drástica essa situação, é interrogado: com que autoridade procedes assim? A
resposta é dupla. Por um lado, o templo só tem sentido como lugar de oração e
não de negócios; por outro, desafia-os de forma simbólica e provocatória:
«destruí este templo e em três dias o levantarei».
Referia-se ao seu próprio corpo. Aproximava-se
a sua condenação à morte que não terá a última palavra sobre a sua vida. Mas de
quem recebeu Jesus esse corpo mortal destinado à ressurreição? Por aí, entramos
no Natal.
3. S. Lucas não era um biólogo. Não se lhe deve pedir um
tratado de biologia quando fala da intervenção do Espírito Santo na gestação
humana de Deus. É apenas um competente praticante de teologia narrativa. A
humanização de Deus aconteceu, como a de qualquer ser humano, num processo que
dura aproximadamente 9 meses, no corpo de uma mulher, templo de Deus.
Nenhum
ser humano nasce pronto para a vida. Demora anos a tornar-se alguém
independente com um projecto próprio. Este, para além da herança genética,
depende da formação recebida e das circunstâncias familiares, sociais,
económicas e políticas do mundo onde lhe for possível desenvolver-se. Foi
também o que aconteceu com Jesus.
O
Evangelho segundo S. Marcos não se interessou nada com a infância e a
adolescência de Jesus, mas com o seu projecto. O mesmo aconteceu com S. João.
S. Mateus e S. Lucas, embora de forma diferente, interessaram-se pela significação
do seu nascimento. Quem se tinha mostrado, na vida adulta, como incarnação de
um projecto inédito de Deus ser Deus e do ser humano ser humano, não podia ser
fruto do acaso. Construíram aquilo que se chama Evangelhos da Infância. São belas e profundas construções
teológicas que transpõem para a infância as manifestações de uma rara vida
adulta.
S.
Paulo, dirigindo-se aos cristãos, precedeu estas narrativas com uma proposta
muito ousada e muito esquecida[iii]: Não sabeis que sois o
templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?
Deus
pode ter casa posta no coração de qualquer ser humano. Este pode não O
reconhecer, mas é sempre imagem de Deus, reconhecida ou atraiçoada.
Não
podemos obrigar ninguém a reconhecer estas convicções, mas na interpretação cristã,
o amor de Deus por nós não depende do nosso amor por ele. A vida humana, por
ser humana, é reconhecida por Deus como a sua tenda. O mais belo nome de Jesus
é Emmanuel, Deus-connosco[iv].
O
arquitecto João Alves da Cunha tem procurado dar a conhecer a história do Movimento de
Renovação da Arte Religiosa (MRAR), desde a década de 1950. Procura-se, agora,
uma arquitectura pobre para uma Igreja pobre, norteada por um cristianismo
repensado como movimento para as periferias, para que sejam elas o centro da missão
da Igreja. É neste horizonte que são acolhidas as propostas eclesiológicas e
pastorais, abertas por João XXIII, pelo Vaticano II e retomadas de forma
original pelo Papa Francisco.
Não se procura um templo para Deus, mas uma casa que
reúna a comunidade cristã aberta ao mundo, para que não se esqueça do
verdadeiro Natal, Deus-connosco, Deus com os pobres e abandonados pelo nosso
egoísmo, pelas desigualdades aberrantes entre os seres humanos, nossos irmãos.
Boas Festas!
20. Dezembro. 2020
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