1. No
passado dia 10, foi aberto, oficialmente, um novo Sínodo da Igreja Católica
(2021-2023). A palavra sínodo deriva de dois termos gregos: syn (juntos)
e hodos (caminho), isto é, caminhar juntos. A seguir ao Concílio Vaticano
II, o Papa Paulo VI, a 15 de Setembro de 1965, instituiu o Sínodo dos Bispos,
para continuar o acontecimento mais importante da Igreja Católica do século XX.
Até hoje, foram realizados 29 sínodos.
O que o Papa Francisco
inaugurou, agora, não pertence propriamente a essa série. Pretende ser um Sínodo
de toda a Igreja Católica e aberto a toda sociedade. É a maior consulta
celebrada na história do catolicismo. Cerca de 1300 milhões de católicos estão
chamados a exprimir-se sobre o futuro da Igreja num processo que vai durar dois
anos. É cedo para conhecer a resposta a esta extraordinária convocatória. Terá
de ser avaliada segundo os continentes, os países e as dioceses do mundo
católico que representa metade de todos os cristãos.
Não se
pense que, na tradição cristã, isto de consultar a opinião pública seja uma
novidade absoluta. Segundo os Evangelhos sinópticos, foi o próprio Jesus que a iniciou.
Num momento difícil do seu itinerário, quis saber, não só o que pensavam os
seus discípulos acerca dele, mas também o que diziam as multidões[1].
Perante o desejo do Papa Francisco, as expectativas são
diferentes a todos os níveis e em todas as latitudes. O 7Margens fez um inquérito,
enviado aos seus assinantes entre 24 de Setembro
e 4 de Outubro de 2021. O questionário esteve também acessível a partir do
próprio site do 7Margens. Recebeu 1.036 respostas válidas
analisadas pelo seu grupo editorial: «Apesar
de largamente cépticos (69,82%) em relação às
mudanças que o Sínodo que agora começou provocará na Igreja Católica em
Portugal e embora discordando (46,38) das práticas de
participação existentes na comunidade católica, a esmagadora maioria dos
leitores do 7Margens desejam que ao longo deste processo sejam
auscultados todos os homens e mulheres que tomem a
iniciativa de se pronunciar (47%) ou que sejam ouvidos não apenas o clero e as pessoas consagradas, mas também todos os
leigos e leigas (42%)[2].
Esta
iniciativa não precisa de ser aplaudida. Precisa de ser tomada a sério para que
provoque muitas outras que ajudem a vencer o cepticismo e a indiferença acerca
da maior consulta da história do Cristianismo.
No passado dia 12, em Fátima, numa conferência
de imprensa, o Cardeal António Marto, revelou não só a sua fervorosa adesão a
este Sínodo, mas também
destacou a resistência passiva, não ideológica, na Igreja Católica em Portugal.
A resistência passiva é a forma mais eficaz para que nada aconteça e sem que se
possam identificar os responsáveis desse boicote.
Não se pode esquecer que, em Portugal, o Concílio Vaticano II
(1922-1965), não foi preparado, não foi acompanhado nem levado a sério na
Pastoral da Igreja. Não vale a desculpa de que vivíamos em ditadura e tínhamos
um grande bispo no exílio. Era precisamente essa situação que exigia uma
ruptura clara com regime do católico Salazar, que mantinha 3 frentes de guerra,
presos políticos e a fuga clandestina do nosso pobre mundo rural.
Seria um desastre se deixássemos acontecer, com o Sínodo, o
que se passou com a sorte do Concílio entre nós. Mas seria um desastre ainda
maior se aceitássemos a situação morna da Igreja em Portugal como uma
fatalidade.
2. Este
Sínodo exige um processo de viragem, não de lamentações. O próprio da Igreja,
numa situação destas, é dar-se conta que precisa de uma conversão radical. Não
é a bênção do que já existe, embora deva ser reconhecido e destacado tudo o que
há de positivo. Mas o Sínodo é sobre o que falta e é sobre o que falta que é
preciso fazer das famílias, das paróquias, das instituições católicas, do grupo
de amigos, da sociedade em geral, instâncias de escuta, de análise das
situações e despertar as possibilidades amortecidas. Precisamos de promover uma
santa agitação em todo lado. Nunca se pode dizer “aqui não há nada a fazer”. Foi
numa situação limite que S. Paulo cunhou a expressão: esperar contra toda a
esperança[3]. Porquê?
Porque, em primeiro lugar, é preciso acreditar que o Sínodo é
um imperativo do Espírito de quem venceu a morte, Espírito de ressurreição.
Temos de saber, hoje, o que este Espírito diz às nossas igrejas porque, como há
dois mil anos, umas estão vivas e outras meio mortas[4].
Creio no Espírito Santo que é dado, não só às igrejas, mas a
todas as pessoas que O acolherem. O Espírito de Deus não dispensa ninguém de
trabalhar por um mundo diferente, pela cura do nosso mundo doente[5]. O Espírito de Deus não é uma reserva de alguns
privilegiados, dentro ou fora das igrejas. Se não nos escutarmos uns aos outros,
e não só os da nossa capelinha, tornamo-nos sectários. Não nos pertence impor
condições, regras e caminhos à liberdade do Espírito. Seria uma pretensão
absurda. Não deixamos espaço para o imprevisível. Esquecemos que o Espírito
sopra onde quer. Não escutamos, julgamos que podemos dar ordens ao próprio
Deus. Se escutarmos a imensa diversidade de situações das pessoas, nas diferentes
culturas e maneiras de ser, vamos encontrar grandes e belas surpresas que
vencerão as nossas presunções.
3. Se
o Sínodo deve procurar envolver toda a Igreja e escutar as vozes preocupadas com
o futuro, não posso esquecer o livro de Boaventura de Sousa Santos, O Futuro
Começa Agora[6]. Pretende ser um diagnóstico crítico do presente e uma
memória do futuro. A pandemia intensificou as desigualdades e as descriminações
sociais que caracterizam as sociedades contemporâneas e deu-lhes maior
visibilidade.
Por outro lado, uma Comissão de 100 personalidades está a
promover uma Jornada Nacional, Memória & Esperança 2021, de
Homenagem às vítimas da pandemia, que «visa mobilizar a sociedade portuguesa e suscitar a participação de todas as pessoas e instituições que o
desejarem. A jornada visa dar densidade, rosto, vida e sentido colectivo aos
números, estatísticas e gráficos com que todos fomos confrontados desde março
de 2020. De modo especial, a jornada propõe-se prestar tributo aos que
partiram, acolher o sofrimento e as narrativas dos que foram afectados pela
pandemia e suas consequências e celebrar e agradecer a todos os que cuidaram da
saúde e minoraram o sofrimento e a dor de tantos. Será também uma iniciativa
para afirmar a vontade de viver em comunidades que não querem deixar ninguém
para trás. A jornada ocorrerá no fim-de-semana de 22-23-24 de outubro de 2021
em um ou mais destes dias, podendo extravasar para dias anteriores ou
posteriores».
Com o Alto Patrocínio
do Presidente da República, foi publicado um Manifesto que pode ser lido
e subscrito[7].
Temos razões
para esperar contra toda a esperança.
17. Outubro. 2021
[1] Lc 8,
18-21; Mt 16, 13-20; Mc 8, 27-30
[2]
Remetemos para a leitura completa desse importante documento, https://setemargens.com
[3] Rm 4, 18
[4] Cf. Ap 2
[5] Cf.
Eduardo Paz Ferreira, Como Salvar um Mundo Doente, Edições 70, 2021
[6]
Boaventura Sousa Santos, O Futuro Começa Agora. Da Pandemia à Utopia,
Edições 70, 2021
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