O Pe Manuel Lopes Ferreira, nosso distinto colega e amigo, enviou-me esta reflexão do MC Pe Manuel João que há vários anos sofre de ELA e que escreve com os olhos, único movimento que lhe é permitido pela doença.
O evangelho do quinto (e último) domingo da Quaresma tem
Lázaro como protagonista, depois da mulher samaritana e do homem nascido cego
dos dois domingos anteriores. É a terceira catequese baptismal, sobre a VIDA,
depois das catequeses sobre a água e a luz. Este evangelho fala-nos da
ressurreição de Lázaro de Betânia, irmão de Marta e Maria e amigo de Jesus. É o
sétimo 'sinal' (milagre) do evangelho de João, o mais portentoso, que funciona
como uma dobradiça entre a primeira e a segunda parte do seu evangelho. A
Páscoa está agora próxima, e somos convidados a meditar sobre este grande
sinal, uma profecia da morte e ressurreição de Jesus.
Convido-vos a reler pessoalmente todo o décimo primeiro
capítulo de João e a sua continuação natural (até 12, 11), a fim de captar
alguma da riqueza da sua mensagem. E, também, para nos lembrar como tudo
termina: os líderes decidindo matar Jesus e Lázaro.
Limito-me a partilhar convosco uma reflexão sobre o pranto
de Jesus.
O preço da amizade
Esta página do evangelho revela-nos a profunda humanidade de
Jesus. Um homem como nós, tinha amigos e cultivava amizades. A casa de Lázaro,
Marta e Maria, na aldeia de Betânia, nos arredores de Jerusalém, era para ele -
um homem sem abrigo - um oásis de paz e descanso. Lá ele sentia-se em casa, na
sua família. "Jesus amava Marta e a sua irmã e Lázaro". Com a
força desta amizade, quando Lázaro adoeceu, as duas irmãs mandaram-lhe a
seguinte mensagem: "Senhor, aquele que tu amas está doente".
Mas o Amigo não se apressou! Partiu ao terceiro dia, não
para curar, mas para ressuscitar: "Lázaro, o nosso amigo, adormeceu;
mas eu vou acordá-lo". Os apóstolos lembraram-lhe, com razão, que ele
era um homem procurado na Judeia. Na verdade, Jesus poderia ter curado o seu
amigo mesmo de longe, como fez com o servo do centurião (Lucas 7). Mas a
amizade requer proximidade física, e assim Jesus arrisca a sua vida por Lázaro.
Na verdade, este movimento será fatal para ele.
O encontro com Marta, primeiro, e Maria, depois, é
comovente. Ambas, velada e tristemente, censuram Jesus pelo seu atraso: "Senhor,
se tivesses estado aqui, o meu irmão não teria morrido!" Diante de
Marta, Jesus consegue controlar a sua emoção, mas quando vê Maria a chorar, ele
quebra-se: está profundamente comovido e, diante do túmulo do seu amigo,
irrompe em choro, soluçando, de tal modo que os presentes exclamam: "Vejam
como ele o amava!” O seu é um grito de amor e tristeza, mas não um grito de
resignação. Pelo contrário, são lágrimas de raiva diante da morte, a mais
terrível das injustiças, que Deus não queria para os seus filhos (Sabedoria
2:24). De facto, pouco tempo depois, ainda com o rosto banhado de lágrimas, ele
grita: "Lázaro, sai daí!” O verbo grego usado aqui por João é muito
raro na Bíblia grega. Encontra-se apenas oito vezes, incluindo seis em João, e
é o mesmo verbo usado para aqueles que, poucos dias depois, clamam pela
crucificação de Jesus.
Uma comunidade de irmãos e irmãs
Será que nos reconhecemos nesta história? Já vivemos esta
situação muitas vezes. Vejam que aqui estamos a falar de três pessoas que são
irmãos e irmãs. Não há qualquer menção a cônjuges e filhos. Esta anomalia
deveria fazer-nos reflectir. Não se trata tanto de uma simples família, mas sim
da relação de fraternidade na comunidade cristã, todos irmãos e irmãs (João 15,15).
Lázaro é cada um de nós na nossa fragilidade, particularmente face à morte.
Marta e Maria somos nós, quando choramos "com os que choram" (Romanos
12,15). O que é que Jesus faz? Ele chora connosco! Deus chora connosco! E ele é
o único que, agora em Jesus, pode verdadeiramente chorar connosco porque, como
Deus, conhece a nossa dor até às profundezas.
Se há taças no céu que recolhem as orações dos santos
(Apocalipse 5,8), atrevo-me a pensar que há também aquelas que recolhem as
nossas lágrimas. Nenhuma será derramada em vão! Pois o salmista diz: "As
minhas lágrimas no teu odre recolhes; não estão escritas no teu livro?"
(Salmo 56). "Todas as dores humanas, para Deus, são sagradas" (Papa
Francisco, 14.10.2020).
Na Bíblia, um rio de lágrimas
O choro abunda na Sagrada Escritura. Um rio de lágrimas
corre através dela. A sua nascente nasce nos olhos dos nossos antepassados Adão
e Eva, frequentemente apresentados chorando em pinturas, depois de terem sido
expulsos do paraíso. É um longo rio que cresce e incha até se tornar um rio em
fúria nos Salmos. O Messias devia secar este rio (Isaías 25,8). Jesus, contudo,
ignora esta esperança. Pelo contrário, ele transforma o choro em êxtase. Ele,
um homem como nós, também chora e alimenta este rio (Hebreus 5,7), dirigindo-o,
contudo, para o coração do Pai. "Ele enxugará dos seus olhos toda
lágrima, e não haverá mais morte, nem pranto, nem choro, nem dor"
(Apocalipse 21:4).
Conclusão?
Poderá Deus ter-se encarnado para chorar connosco? David
Maria Turoldo pergunta: "Mas vós não tínheis lágrimas / a nós, pelo
contrário, foi dado / chorar. / Será que foi isto a ter-vos conduzido até nós?".
Será que este evangelho nos convida a uma mudança de
mentalidade em relação a Deus? A uma "passagem do Deus dos 'milagres
fáceis' ao Deus que 'soluça contigo'" (Don Angelo Casati)?
"Desde aquele dia 14 do mês de Nisan, no ano 30 d.C.,
já não podemos dizer, quando a dor nos agarra, 'Senhor, se tivesses estado
aqui...'. Porque agora ele está sempre aqui: não tem de "vir",
porque nunca saiu e nunca deixou de estar aqui - como prometeu - "todos
os dias", nunca deixou de nos amar, está a chorar connosco, já começou
a ressuscitar-nos" (D. Francesco Lambiasi).
P. Manuel João Pereira Correia, mccj
Castel d'Azzano (Verona), 23 de Março de 2023
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